Por Vittorio Medioli
O homem é o ser voltado à investigação, apenas a ele foi dada a capacidade de interessar-se pela verdade acerca da sua própria vida
Para os animais, a principal preocupação são as necessidades primordiais de seu corpo. No seu universo, o eixo em torno do qual tudo gravita é, e sempre será, ele próprio, e sua reação a todas as demais criaturas variará em função de seus temores, desejos, apetites, instintos etc.
A vida é um fato simples para tal criatura, enquanto o intelecto do homem está fadado a criar problemas que o torturarão mais tarde e às vezes a vida toda, sem ter percepção de sua inutilidade e dispensabilidade.
Apenas ele é solicitado pelo universo a colocar perguntas e a procurar as respostas correspondentes, o que prova possuir faculdades mentais distintivas, das quais os animais são desprovidos. Os homens não são todos iguais, os que passam nos estados mais primitivos se aproximam em suas atitudes à categoria do tosco mundo animal. O homem é o ser voltado à investigação, apenas a ele foi dada a capacidade de interessar-se pela verdade acerca da sua própria vida, investigá-la, analisá-la e, possivelmente, compreendê-la, bem como os fenômenos do universo.
Nenhum animal, inseto, planta possui esse privilégio extraordinário de buscar a verdade.
Um sábio oriental exclamou: "Melhor é o sapo do brejo, melhor é o verme da terra, melhor é a fria serpente nas entranhas da terra do que o homem sem investigação". Tal esforço é filosofia ou procura da sabedoria.
Se na prática da religião se torna imprescindível a "fé", por se tratar do primeiro passo rumo a degraus maiores, nisso são suficientes as parábolas e os salmos; já no segundo passo, que é o misticismo, desperta-se o "sentimento" mais aguçado de uma vastidão imensurável. O próximo se trata da filosofia, a busca da "razão", o domínio dos mecanismos superiores e mais excelsos na esfera humana. Resumindo: fé, misticismo e razão. O caminho do yoga.
Todo homem goza de total liberdade para ignorar o estupendo problema que a vida silenciosamente coloca diante dele, e ninguém se dará ao trabalho de culpá-lo por isso. A existência, já por si suficientemente complexa, com sua carga de incertezas e desafios, parece justificar que um ser humano se preocupe apenas com suas exaustivas necessidades pessoais, esquecendo-se de todas as demais questões de cunho abstrato e moral, aparentemente remotas e inalcançáveis, que a filosofia suscita e agita.
O homem mais comum, primitivo, na esfera sem contornos do potencial que tem um filho de Deus, acaba por estacionar em incontáveis reencarnações. Nesse interminável ambiente quase vegetativo, ele relega os assuntos mais elevados a um fenômeno exclusivo de raros ermitões, que se entregam às intrincadas especulações abstratas e imateriais.
Entretanto, essa visão inicial, que pode durar muitas vidas, de palmo a palmo levará a uma revisão e a uma expansão das conexões que o ser humano tem com o resto do universo.
Pico della Mirandola, no diálogo entre Deus e Adão: "Não te concedi uma única face, nem um só lugar, ou algum dom que te faça particular, ó Homem, a fim de que tua face, teu lugar e teus dons, tu os desveles, conquistes e domines por ti mesmo. Sem impor-te natureza definida por lei, como obriguei outras espécies de seres. E tu, ao qual nenhum confim delimita, tu pelo teu próprio arbítrio, entre as mãos daquele que aqui te colocou, tu defines a ti mesmo. Te pus no mundo para contemplar o que contém essa obra. Não te fiz celeste, nem terrestre, mortal ou imortal, a fim que tu mesmo, livremente, à maneira de um bom pintor ou de um hábil escultor, descubras tua própria forma".
A maior parte dos homens e mulheres prefere tagarelar e perde seu tempo em amenidades e conversações fúteis. Deixam a impressão de se conformar que a vida é uma corrida do berço ao túmulo com ambos os olhos fechados.
Viram as costas à procura da verdade, temem alçar sua mente do terreno conhecido até desconhecidas alturas da vida; como pessoas antes de seu primeiro voo de avião, sentem temor, apesar da aparente insensatez, de colher benefícios eternos. (Extraído de O TEMPO, 31/12/2023)