POLEPOSITION

O automobilismo perdeu Gil de Ferran

Por: Sérgio Magalhães | Categoria: Esporte | 06-01-2024 04:12 | 864
Foto autografada e com dedicatória que recebi de Gil de Ferran agora virou relíquia
Foto autografada e com dedicatória que recebi de Gil de Ferran agora virou relíquia Foto: Arquivo pessoal

Durante a noite da última sexta-feira de 2023, enquanto todos se preparavam para o réveillon, os fãs do automobilismo foram surpreendidos com a triste notícia da morte prematura de Gil de Ferran aos 56 anos, e quis o destino, fazendo o que mais gostava, durante um momento de diversão pilotando ao lado do filho num circuito privado da Flórida. A causa da morte foi uma parada cardíaca e o fato de não ter havido acidente, o socorro demorou para chegar até o local. “Ele nos deixou sem sofrimento com seu último ato sendo frear o carro para que meu irmão pudesse ir para casa em segurança naquela noite”, escreveu sua filha, Anna de Ferran, nas redes sociais ao falar do pai.

Gil sempre foi uma pessoa muito querida no meio automobilístico. Não havia um perfil sequer dos que visitei, além de sites, nacionais e internacionais, que não reverenciava De Ferran com carinho. Veloz, simpático, humilde, atencioso, acessível, inteligente, íntegro, técnico, excelente piloto, eram alguns dos adjetivos mais destacados.

E ele era mesmo tudo isso. Gil foi um dos pilotos mais inteligentes que vi correr. Tinha muita sensibilidade no acerto do carro e uma linguagem fácil de se expressar sobre assun-tos técnicos. Não sei o motivo, mas nunca esqueci de uma resposta que ele deu quando certa vez um repórter lhe perguntou no grid para a etapa da Indy em Michigan, num dia muito quente: Por que quando a temperatura está alta, a pista fica mais lenta? “É porque o ar fica menos denso e o carro perde pressão aerodinâmica”, respondeu de forma simples e assertiva. 

Gil construiu uma carreira vitoriosa. Foi campeão da F-Ford brasileira, da F3 inglesa em 92, época em que a categoria era uma das principais vitrines e porta de entrada para a F1. Foi bicampeão da Indy em 2000 e 2001. Em 2003 venceu as 500 Milhas de Indianápolis. Em 2000 estabeleceu no veloz oval de Fontana, na Califórnia, a incrível velocidade média de 241,428 MPH, 388,458 km/h, recorde de velocidade em circuito fechado que dura até hoje.

Mas se Gil de Ferran era tudo isso, alguém pode estar questionando por que ele nunca correu na F1? Em 93 ele fez um teste com a Arrows em Portugal, no Estoril, mas teve a infelicidade de bater a cabeça na porta do caminhão da equipe, sofreu um corte profundo e não teve o desempenho que poderia entregar para ficar com a vaga para o ano seguinte. A partir daí, Gil direcionou a carreira para os Estados Unidos fazendo sucesso nas equipes Hall, Walker e Penske.

É o clássico caso de que você não precisa estar na F1 para ser feliz. Gil foi feliz correndo na Indy e reconhecido pela conceituada revista inglesa Autosport como um dos 50 melhores pilotos de todos os tempos que nunca correram na F1. Mas se não competiu como piloto, desempenhou algumas funções por lá como dirigente. Foi diretor esportivo da BAR e da Honda, e estava em sua segunda passagem como consultor da McLaren. Coincidência ou não, foi a partir da chegada de Gil no decorrer da temporada passada que a McLaren deu um salto de qualidade com as atualizações que foram sendo introduzidas no modelo MCL 60, tornando-o competitivo depois de um começo de campeonato decepcionante para Lando Norris e Oscar Piastri. A McLaren fechou o ano na quarta posição com 302 pontos, com o novato Piastri vencendo a sprint do Qatar e Norris obtendo 7 pódios.

A McLaren expressou todo o carinho da equipe ao lamentar a morte de Gil como um membro muito querido e parte importante da equipe com sua mente brilhante e integridade pessoal sem igual, diz a nota.

Eu tive a oportunidade de encontrar com Gil de Ferran algumas vezes em Interlagos durante as coberturas do GP de São Paulo de F1. Numa delas, tiramos foto juntos quando ele estava lá a passeio. Ano passado, lembro-me de ter cruzado com ele pelo paddock, mas sempre havia algum outro membro da equipe trocando informações. Vasculhando meus guardados, encontrei essa foto que ilustra a coluna, que certa vez recebi do Gil autografada e com dedicatória.

Fica aqui a homenagem da Pole Position a esse grande piloto e querido por todos.