Algumas das coisas mais importantes e belas da vida são enxergadas não com os olhos físicos, mas com os olhos da alma. Esse é um ditado que se aplica perfeitamente à história de Verônica Le Senechal, uma jovem de 18 anos, de São Sebastião do Paraíso, que, apesar de sua deficiência, tem mostrado que a visão do coração pode superar barreiras inimagináveis. Recentemente, ela alcançou um marco notável em sua vida, sendo aprovada na Universidade Federal do Rio de Janeiro para cursar Educação Especial, um feito que destaca seu empenho e a importância da família e de uma rede de apoio inclusiva de fato.
Verônica, uma menina inteligente e cheia de sonhos, sempre teve paixão pela música, filosofia, alegrias, festas e encontros com amigos. Ela aspira viajar, ser independente, casar-se, ter filhos e construir uma família. Sua trajetória até aqui foi marcada por conquistas significativas, como a aprovação no ENEM 2023 e a obtenção de bolsas de estudo integrais para Educação Especial e Pedagogia em instituições como a Faculdade Metropolitana de São Paulo e a Universidade de Franca.
A descoberta de sua deficiência veio cedo, aos 15 dias de vida, quando seu pai, Abílio Cândido da Silva, percebeu, que Verônica, ao contrário de sua irmã gêmea Valéria, não fechava os olhos à luz. Isso desencadeou uma série de visitas médicas que culminaram com o diagnóstico de sua condição visual. Desde então, os pais de Verônica lutaram incansavelmente por tratamento e uma educação inclusiva de qualidade, um esforço que incluiu acompanhamento no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e a alfabetização de Verônica em Braille, uma habilidade que ela começou a desenvolver com a ajuda da “Tia Regina”, uma monitora dedicada que mais tarde seria substituída pela própria mãe de Verônica no acompanhamento de suas atividades escolares.
Um momento transformador na vida de Verônica foi a doação de uma máquina de Braille por “dona Ana da Aviação”, (Ana Luiza Resende Pimenta), recurso que se tornou essencial para sua educação, permitindo-lhe completar suas atividades escolares com maior independência. “Como eu tinha ganhado a máquina, ficou bem mais fácil, porque eu fazia as atividades e era muita coisa para entregar na outra semana. Quem me deu a máquina foi a dona Ana. Para homenageá-la, eu pus o nome da minha máquina de ‘Aninha’,” relata, expressando gratidão.
A luta de Verônica pela inclusão encontrou um desafio significativo quando o estado não disponibilizou um professor de apoio necessário para sua educação quando ela ingressou para a segunda parte do ensino fundamental. Isso levou seus pais a buscar justiça, um esforço que resultou na introdução de Patrícia Lemos, uma professora de apoio cuja habilidade e dedicação foram cruciais para o sucesso acadêmico da menina. “O diretor Adilson, do Paraisense, foi muito importante para mim nesse momento da minha vida, porque ele exigiu que a professora tivesse conhecimento de Braille”, lembra a jovem.
E, assim, nasceu uma grande amizade. O relacionamento entre Verônica e Patrícia cresceu para além do acadêmico, tornando-se uma amizade profunda e duradoura, fundamentada no respeito mútuo e na aprendizagem conjunta. “No meu primeiro encontro com a Patrícia, eu senti que ela estava meio apreensiva. Mas o tempo foi passando e a gente foi estabelecendo um laço de amizade muito forte, grande. Ela ficou comigo durante todo o ensino fundamental e, depois, seguiu até o final do ensino médio. Foram sete anos juntas e sei que vamos continuar para sempre, porque o nosso laço de amizade e confiança é muito forte. A Patrícia não só me ensinou coisas de escola como me ensinou coisas da vida também, no meu dia a dia”.
A mãe de Verônica, Marta Le Senechal, também destaca a importância de Patrícia na vida de sua filha: “O apoio que rebemos da Patrícia foi fundamental para o crescimento e evolução da Verônica nesta jornada. Sempre nos comunicamos em todas as fases dela. Conversamos bastante sobre tudo que envolvia a vida escolar e pessoal dela. Eu digo sempre que Deus nos envia anjos para que Sua vontade seja cumprida e a Patrícia foi um deles. Tenho uma gratidão imensa por todo trabalho da Patrícia, sempre tão dedicado, zeloso, carinhoso e muito amoroso que ela teve com a Verônica nesses anos todos de convivência primorosa e com muita responsabilidade em todos os sentidos. Elas se tornaram amigas, parceiras e confidentes. Tiveram uma relação de muito respeito sempre. Ela tem toda nossa admiração como pessoa e como profissional”, comenta.
RECÍPROCA VERDADEIRA
Se Verônica fala da professora com carinho e amizade, Patrícia faz o mesmo quando questionada sobre a aluna, ela não economiza nos elogios àquela que afirma ter aprendido mais do que ensinado. “Uma menina muito inteligente que se destacava em todas as disciplinas em sala de aula. Reclamava da matemática, e com razão, por ser muito abstrato, mas sempre se sobressaía com bons resultados. Lembro até da carinha dela. Uma menina por onde passava que deixava sua marca, encantando a todos. E eu sempre dizia e não cansava de repetir isso a ela: que ela enxergava a vida com coração. Me surpreendia a cada instante. E muitas vezes, das dificuldades e barreiras que enfrentávamos juntas, fazíamos dela uma festa para que se tornasse mais simples e mais fácil. Além disso, tinha uma memória de dar inveja. Ela se recorda de cada momento que se passa com ela, lembra de todos os detalhes, não passa nada despercebido”, recorda em tom de saudade.
NOVOS HORIZONTES
Com a aprovação na universidade, Verônica enfrenta agora um novo capítulo, cheio de esperanças e sonhos: “Eu tive meu primeiro contato com a Universidade do Rio de Janeiro, eles foram muito gentis e receptivos comigo, fizeram uma avaliação multidisciplinar online, eu fui atendida pelo NINE, que é o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFRRJ, eu estou um pouco ansiosa para começar as aulas para me adaptar à nova fase de estudo e compromisso.”
Seu objetivo é claro e inspirador: “Meu sonho é concluir a faculdade de Educação Especial, porque nessa trajetória o trabalho de inclusão me ajudou muito. Quero ajudar várias pessoas e famílias que têm um filho com deficiência”, conclui a jovem que agora segue por um novo caminho, sempre guiada pela luz que brilha dentro de si.