CUIDAR COM AMOR

Carolina São Julião: A personificação do “cuidar com amor”

Enfermeira esteve à frente do banco de sangue da Santa Casa de Paraíso por 35 anos e pode dar nome ao novo posto de coleta que está sendo implantado no município
Por: Ralph Diniz | Categoria: Saúde | 24-02-2024 07:00 | 3749
Aos 82 anos recém-completados, Dona Naná demonstra alegria com o novo posto de coleta de Paraíso e fala em sonho realizado
Aos 82 anos recém-completados, Dona Naná demonstra alegria com o novo posto de coleta de Paraíso e fala em sonho realizado Foto: Divulgação

São Sebastião do Paraíso é um lugar marcado por histórias de solidariedade. Não são poucos os personagens que escreveram capítulos de olhar ao próximo e compaixão. E entre tantos personagens, brilha o legado de uma mulher cuja vida foi uma ode ao amor incondicional: Carolina Margarida São Julião Pereira, carinhosamente conhecida como “Dona Naná”. Em cada canto da cidade, em cada vida que tocou, ela deixou uma marca permanente de cuidado, dedicação e humanidade que, nos dias de hoje, estão se transformando em atos de gratidão.

Exemplo disso é uma ideia que tem ganhado força nos bastidores da Câmara Municipal: a criação de um projeto de lei que poderia dar ao recém-criado Posto Avançado de Coleta Externa (PACE) de São Sebastião do Paraíso o nome de “Enfermeira Carolina Margarida São Julião Pereira”. O PL ainda não saiu do papel, mas a honraria é vista como mais do que merecida pela maioria dos vereadores.

Filha de Levindo São Julião e Maria Domingas São Julião, Dona Naná nasceu em 21 de fevereiro de 1942, em um lar onde os valores de empatia e serviço ao próximo eram preceitos vividos diariamente. Com um coração movido pelo desejo de cuidar e ajudar, ela escolheu a enfermagem não como profissão, mas como chamado. “Essa vocação, porque é uma vocação, nasceu dentro de mim. Não tinha nenhuma enfermeira na família; não tinha em quem eu me inspirar. Eu tinha vontade de ajudar, de cuidar das pessoas”, reflete Dona Naná, revelando o impulso inicial que a guiou por uma vida de serviço altruísta.

Em 1970, depois de se formar no curso de auxiliar e técnico de enfermagem na Escola José Maria Alkmin, que funcionava ao lado da Santa Casa de Paraíso, Dona Naná deu início à sua trajetória naquele hospital, que perdurou por 35 anos ininterruptos, fizesse chuva, fizesse sol. Detalhe: sem nunca ter recebido salários. “Eu sempre fiz por amor, nunca cobrei um centavo do hospital”.

Braço direito do Dr. Brandão (José de Oliveira Brandão Filho), médico responsável pelo banco de sangue do hospital, Dona Naná foi peça-chave em um projeto vital numa época em que os recursos eram escassos e a necessidade de transfusões, uma constante urgência. Com um fusquinha e um fichário de doadores que conhecia de cor, ela estava sempre pronta para atender a qualquer chamado, a qualquer hora, transformando desespero em esperança. Numa brincadeira em família, os dois filhos reclamavam da ausência da mãe, dizendo que ela era “mãe da Santa Casa”, evidenciando o sacrifício pessoal inerente à sua dedicação.

Como em todo hospital, a equipe médica e os enfermeiros testemunharam momentos de profunda dificuldade no centro cirúrgico, muito por causa dos acidentes de trânsito que ocorriam pelas rodovias que cortam o município. O tempo apagou alguns detalhes da memória de Dona Naná e ela não se recorda de nenhuma história específica daqueles momentos, contudo, está bem vivo em sua alma o orgulho de nunca ter perdido uma vida durante os longos anos de plantões. Quando chegava um acidentado, um politraumatizado ou outros pacientes que precisassem de transfusão, a Santa Casa chamava a enfermeira, ela ia para o hospital, ligava para os doadores do mesmo tipo sanguíneo que eles estavam precisando naquela hora e o doador ia até a Santa Casa para fazer a doação. Ela fazia a coleta do sangue, fazia os exames, a prova cruzada e a transfusão, salvando incontáveis vidas.

Além de sua atuação no banco de sangue, Dona Naná se tornou uma figura essencial na comunidade, estendendo seu cuidado para além dos muros do hospital. De perfurar orelhas a aferir pressão e aplicar injeções, sua casa era um refúgio para quem buscava ajuda. “ As pessoas precisavam de mim e eu as recebia, ou eu ia até elas”, ela relembra, com um brilho de satisfação nos olhos.

Há 32 anos, Dona Naná sofreu um aneurisma que quase lhe custou a vida. Foi levada às pressas para o Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto. “Eu estava desfalecida, mas me lembro, como se fosse hoje, do doutor Marcelo falando para o médico: ‘Olha, não deixa ela ir embora, porque ela é um tesouro”. Dali em diante, o coleguismo do hospital se transformou em uma amizade que ela faz questão de valorizar. “O Dr. Marcelo é uma pessoa muito querida por mim e por minha família, que eu estimo muito”.

Dona Naná se recuperou, mas teve que abandonar seu trabalho na Santa Casa e no Posto de Saúde estadual que existia na rua Pimenta de Pádua (Posto de Higiene), onde hoje funciona o shop-ping popular. Depois disso, ela ainda passou por sete AVC’s, praticamente um por ano. O último, lhe trouxe dificuldades na fala, que já não acompanha tão bem mais o raciocínio rápido e esperto.

Sobre a possibilidade de emprestar o nome ao novo banco de sangue de Paraíso Dona Naná encara a possibilidade com humildade e profunda gratidão. “Por mais que não aconteça, só de se lembrarem de mim, já foi um grande reconhecimento; é uma demonstração de que o meu trabalho valeu a pena”, ela expressa, comovida pela lembrança e pelo carinho da comunidade que tanto serviu.

E vai além: a alegria em saber que os doadores não precisarão mais viajar até Passos ou Ribeirão Preto para doar sangue é tão grande, que ela até já pensa em deixar a aposentadoria de lado. “Se precisarem de mim para alguma coisa, eu vou lá para ajudar. Limpo até o chão, se precisarem, porque é um sonho de todas aquelas pessoas lá de trás, do passado, que está se realizando”, conclui a enfermeira, personificando a verdadeira essência da enfermagem: a arte de cuidar com amor.

Certificado de conlusão relíquia dos tempos de Escola de Auxiliar de Enfermagem
Com o médico Dr. João de Almeida, também no antigo prédio da Câmara Municipal
Naná e amiga e também enfermeira Maria Martins
Carolina São Julião recebendo homenagem do vereador Antonino Amorim
Com os filhos Cátia e Cairo; os netos Dilermano, Beatriz e Lucas e a nora Raquel