O Congado Mineiro amanheceu de luto neste 5 de março de 2024, em plena quaresma. São Sebastião do Paraíso chora a passagem de sua Rainha Perpétua, Genuíta Pereira de Paula, a querida Dona Geni, aos 87 anos de idade.
Enfermeira de profissão, Dona Geni começou muito moça a atuar no terno de Congo Nossa Senhora do Rosário que era de seu sogro, Francisco Silvestre de Paula, o saudoso Rei de Congo Chico Risada. Ela começou como bandeireira e ficou nessa função por aproximadamente 20 anos, aprendendo com o sogro os fundamentos da Congada. Em seguida Dona Geni atuou como madrinha dos ternos Diamante, União e Xambá. A madrinha do terno é aquela responsável não somente por benzer e cuidar dos dançantes durante a festa, mas a líder que cuida para que as obrigações da religiosidade e o culto e respeito aos antepassados sejam cumpridos o ano todo.
Em 2001, Dona Geni foi coroada Rainha Conga e, em 2006, Rainha Perpétua da Congada, assumindo a responsabilidade de zelar pela manutenção das tradições desta importante expressão da cultura popular mineira. Incansável, Dona Geni atuou incisivamente nos preparativos e organização da Festa de Congada, zelando por seus aspectos religiosos. A partir de 2002, por meio de sua liderança e conhecimentos sobre a memória da tradição da Congada, as Seis Bandeiras foram levantadas ao lado da Igreja Matriz obedecendo ordem cerimonial relacionada à importância de cada santo na Festa (Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, São Domingos, Santa Catarina, São Jerônimo).
Foi também a partir de 2002 que as grandes imagens dos Seis Santos da Congada voltaram a ser arrumadas em andores, enfeitadas com flores e capas de cetim e levadas em procissão dos ternos de congo e moçambique desde a igreja de Nossa Senhora do Rosário até a igreja da Matriz, local onde se realiza a Congada.
Para alcançar maior interação da Congada com a sociedade envolvente, Dona Geni permitiu que cada uma das Bandeiras dos Seis Santos da Congada passasse a ficar durante todo o ano sob a responsabilidade de um festeiro por devoção e promessa. Todas essas ações de Genuita foram possíveis a partir de sua disposição para negociar e propor critérios junto à Comissão Organizadora da Congada e à Associação Paraisense de Defesa do Folclore Brasileiro, visando o cumprimento das tradições e responsabilidades que moçambiqueiros e congadeiros possuem para com os Seis Santos da Congada.
O Congado rememora ritualisticamente, por meio da escolha e homenagem à corte negra composta de Princesas, Rei do Congo, Rainha Conga e Rainha Perpétua, uma África ancestral contraposta à experiência do trauma da escravidão. Essa festa acontece sem nenhuma interrupção na cidade há pelo menos 190 anos. A Rainha Perpétua exerce o cargo máximo da Congada, é para ela que todos os problemas se encaminham no aguardo de uma solução pois sua palavra final é lei.
Em reconhecimento de sua longeva e importante atuação para a Congada de São Sebastião do Paraíso, Dona Geni foi premiada na Categoria Mestres da Cultura Popular Humberto do Maracanã de 2008.
Em 2007, na Coluna Ela por Ela, na época assinada por Ana Paula Horta, publicamos uma entrevista com Dona Geni. Na ocasião, respondendo sobre a importância das Congadas para nossa cidade, ela afirmou: “Uma importância muito grande, uma festa muito linda. Eu falo que esta festa é a festa do preto e do pobre, você pode ver que aqui tem gente de todo jeito. Então, eu não sei nem como expressar de tanto que isso é bom pro povo. Se bem que tem mudado muito, a nossa festa deixa muito a desejar. Agora que nós estamos resgatando ela outra vez, colocando tudo aqui dentro da igreja, o coroado. Estava desanimado porque os congadeiros não iam buscar as rainhas, marcavam e não iam. Agora nós estamos exigindo assistir à missa e buscar as rainhas. Antigamente era mais difícil, embora a cidade fosse menor. Era mais difícil porque trazia as rainhas e tinha que buscar de volta, hoje não dá para levar de volta porque a cidade cresceu muito e não dá. Ficou assim, só trazer para cumprir a promessa e depois de feito o que tinha que fazer vai embora. Agora a tradição é levantar as bandeiras no dia 8 de dezembro, este dia tem que levantar. No segundo domingo ou no meio da semana, no dia que cair. Tem que ser dia 8, é decretado feriado pela Prefeitura. Só que antigamente levantava ao meio dia, depois passou para as três da tarde e agora como congadeiro não pode perder dia de trabalho me pediram para ver se eu deixava levantar as bandeiras à noite. Fizemos uma reunião, todos da presidência entraram em acordo e nós estamos levantando às oito da noite. Todo mundo ficou satisfeito com o horário porque é um horário muito bom, os que trabalham têm tempo de chegar em casa e tomar o banho antes. A única coisa que nós estamos exigindo muito é eles assistirem à missa. Porque senão já não é religião. Aí, só dançar por beleza e misturar política no meio do Congo nós não queremos isso. Nós queremos a festa religiosa, a festa do Congo. Toda região toca esta festa sem premiação, sem desfile, sem nada e é uma maravilha. Só na nossa cidade que tem isso”.
Hoje, mais uma vez usamos as páginas do Jornal do Sudoeste para homenagear nossa Rainha Perpétua, embora num momento triste, de muita saudade e dor pela sua perda. Mas há a esperança de que sua dedicação à família e à festa da Congada seja exemplo de vida para congadeiros e moçambiqueiros. Que as novas gerações tenham na memória as sábias palavras, voz rigorosa e amiga da generosa Rainha que sempre se dedicou à manutenção dessa linda festa. Que a sabedoria desta mestra griot seja exemplo e inspiração para as comunidades tradicionais congadeiras.
Texto: Ana Paula Horta e Lilian Sagio