ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 18-05-2024 00:04 | 1204
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Calamidade Pública
O Rio Grande do Sul já decretou calamidade pública por conta do gravíssimo acidente climático que está acontecendo por lá. O Senado da República também editou decreto legislativo reconhecendo a calamidade pública gaúcha.

Quais são as consequências jurídicas disso?

Com a calamidade pública decretada são gerados planos de contingenciamento financeiro e alocação de recursos em específico para a contenção dos efeitos da catástrofe climática. Trocando em miúdos, o estado membro deixa de pagar dívidas com a União por algum tempo, recebe uma espécie de moratória, e com isso pode destinar o valor que arrecada, o que tem nos seus cofres públicos, para a reparação dos danos gerados pelas  enchentes e alagamentos, reconstruindo tudo aquilo que foi destruído.

E tem que fazê-lo, porque prestará contas futuras destes valores. Além deles, o decreto permite que se destinem novas verbas também para recuperar a infraestrutura do estado, autoriza contratações de mão de obra e serviços extraordinários e urgentes – leia-se : sem licitações ou concursos.

Conceitos
Foi o Decreto 7.257 dos já distantes idos de 2010 que disciplinou o que seria o estado de calamidade pública à luz do Direito: ele decorre de desastre, fato eventual, fortuito, de força maior, inesperado, natural ou provocado. Deverá, obrigatoriamente, gerar danos humanos, materiais, ambientais, econômicos e sociais.

Tudo isto está acontecendo no Rio Grande do Sul. Com os alagamentos de proporções gigantescas, o escoamento de mercadorias foi interrompido, acabou a água potável, disseminaram-se doenças, o acesso a hospitais e postos de saúde foi interrompido. Rodovias inteiras pararam de funcionar. O bom povo gaúcho ficou isolado geograficamente. Muitos perderam o ganha-pão, empregos se perderam, justamente por falta de demanda. Empresas pararam de funcionar. Tudo isso tem que ser reconstruído e reparado.

Diferenças
Uma coisa é o estado de calamidade pública, outro o decreto de emergência. Ambos foram diferenciados em lei por ocasião da regulamentação do Sistema Nacional de Defesa Civil – o SINDEC.

Ambos, a calamidade pública e o estado de emergência, decorrem de desastres e calamidades imprevistas. Na decretação da situação de emergência o comprometimento do funcionamento do ente federado (União, estados, municípios ou DF) é parcial e a crise gerada pelo evento é menos grave. Na calamidade pública este comprometimento é mais substancial e a crise gerada pelo evento imprevisto é bem mais grave e com reflexo humano direto. Ou seja, afeta mais diretamente a vida das pessoas, do ponto de vista social e econômico, sobretudo.

Ambas, a calamidade e a emergência exigem uma resposta pronta do poder público. No entanto, na emergência esta resposta não tem o condão de gerar um comprometimento integral dos entes governamentais, enquanto no estado de calamidade o comprometimento é absoluto, voltado a reestruturar toda a infraestrutura abalada.

É o que o Rio Grande do Sul terá que fazer, com o auxílio de todos nós. Como já disse aqui, não há culpados para esta tragédia humanitária. Mas todos podemos nos responsabilizar por diminuir estes danos e diminuir a incidência de futuros acidentes climáticos desta envergadura.

Sem política,  por favor!
Vou repetir aqui o que disse por ocasião da Pandemia da Covid 19: não misturem política com catástrofes humanitárias, pelo amor de Deus. Lá atrás não adiantou, e nos perdemos em discussões bestas sobre esquerda e direita enquanto pessoas morriam entubadas. Políticos à frente,  conduziram investigações sobre “culpados” de um vírus que nasceu na China, ao que tudo indica. Se tentou punir a governantes porque produziram vacinas, não produziram vacinas, compraram ou não compraram vacinas, se recusaram a tomar vacinas. Apearam do poder dois presidentes conservadores, Bolsonaro e Trump, através do “General Covid”.

Ou seja,  não adiantou nada apelar para o bom senso das pessoas.

Agora, aprendamos com nossos erros recentes. De nada adianta falar que o Governo Lula é isso ou aquilo, na calamidade gaúcha,  que não faz ou não acontece. De nada adianta falar que a calamidade ocorreu porque Bolsonaro não cuidou do meio ambiente nos quatro anos em que esteve no poder – acreditem, bobagens assim estão sendo ditas.  As redes sociais estão entulhadas desse lixo ideológico.

Não é o momento, e nunca será, de colocar credos políticos acima de vidas humanas e do bem-estar das pessoas.  Esqueçamos desavenças ideológicas e pensemos nos nossos concidadãos, precisando de comida, emprego e renda, água potável,  roupas, sem estradas para escoamento de  produção, com indústrias fechando, lares destruídos. Esquerda e direita não é importante aqui. O importante é o centro: dos nossos corações e almas. Que doemos nossa bondade, nossas ações e orações, pelos irmãos do sul.

Ele voltou
O Governo Lula precisa arrecadar, desesperadamente. Uma coisa que a grande mídia não fala é que os investimentos externos diminuíram consideravelmente depois do retorno do PT ao governo. É compreensível. “Aquele” Lula dos dois primeiros mandatos, prestigiado mundo afora, não existe mais depois dos escândalos que lhe geraram mais de um ano de cadeia – investidores daqui e de fora estão bastante ressabiados.

Por isso, para arrecadar, há uma política fiscal de tolerância zero com sonegadores. Curiosamente, o Governo Federal é mau pagador, mas excelente cobrador, e é o principal “cliente” da justiça brasileira, tanto como credor, quanto como devedor. E Lula está pouco a pouco retornando com tributos, um deles o DPVAT, extinto nos anos de Bolsonaro no poder. Ele voltará mais salgado (cerca de R$ 60 anuais, em média) e com outro nome SPVAT.

O projeto de lei já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e caminha célere rumo à aprovação final. Vai virar lei e pesará nos nossos bolsos. O que nunca me entrou na cabeça: se é seguro obrigatório, só deveria incidir sobre aqueles que não tem seguro particular que acoberte danos em acidentes de trânsito. É a tal solidariedade imposta por lei: todos estamos arcando com os valores que o SUS suporta com vítimas destes acidentes.

Com a instituição do tributo repaginado e através de uma ferramenta chamada “antecipação tributária”, o Governo Federal ficará desde logo alforriado para gastar cerca de 15 bilhões de reais como crédito antecipado. Ou seja, já vai poder gastar por conta do dinheiro que será arrecadado com o SPVAT ressuscitado das catacumbas. Aguardemos a tributação do PIX para breve.

O Poder  de Destruir
John Marshall era o presidente da Suprema Corte Americana quando, em 1818, o estado de Maryland decidiu tributar seus concidadãos com impostos estaduais que um bancário, James McCulloch, se recusou pagar – e foi multado por isso. A resistência em pagar a penalidade levou o contribuinte até a Suprema Corte, no famoso caso McCulloch v. Maryland. Nele, Marshall, em seu voto condutor, afirmou que os tributos são indispensáveis ao funcionamento da Federação, mas devem ser impostos com parcimônia, e com olhos postos no bem comum.

Marshall diria no seu voto uma frase célebre: “O poder de tributar é o  poder de destruir”, lembrada um século depois pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro, dos  maiores constitucionalistas e tributaristas que este país já teve. E um baita ministro do STF, quando o STF tinha baitas ministros.

Pensado friamente, o imposto é uma violência  patrimonial. A própria expressão “contribuinte” chega a ser ridícula - a contribuição é voluntária, nós somos compelidos, obrigados a pagar impostos! Imagine-se ter que informar ao governo o quanto se ganha, todos os anos, e o que se gasta – são informações privadas, de nossa vida pessoal, afinal de contas.

Apesar de ser um mal em si, coercitiva, que nos toma dinheiro, a tributação é necessária. Sem ela não manteríamos serviços estatais básicos. Aumentar a carga tributária, o entanto e em um país com problemas de arrecadação, como o Brasil, é, em uma palavra: perigoso. Gera fuga de capitais, em um primeiro momento. Tem um monte de gente com dinheiro começando a investir em imóveis no exterior e em holdings familiares não é à toa. Há empresários brasileiros radicando-se em Portugal, Flórida, Espanha, e outras paragens – e recusando-se a seguir aqui, no Brasil, com uma carga tributária altíssima. E se os impostos aumentam mais ainda?

Custo x Benefício
O montante do dinheiro nosso que é tomado pelo governo, no imposto de  renda, se denomina “alíquota”. É um percentual de nossos ganhos. A depender do quanto ganhamos e de onde vem a grana, chegamos a pagar até 40% dos nossos rendimentos ao ano, à Receita Federal.

Entenda: não estou falando de “lucro”. Estou falando de renda –para o Leão, dane-se se você tomou prejuízo. Se entrou dinheiro na sua conta bancária, você deve tributos em alíquotas variáveis. Aí os filósofos de botequim – e há muitos – vão dizer: as alíquotas em países de primeiro mundo são muito maiores. De fato. Inglaterra, até 70%; Noruega, até 90%; França, até 50%. Mas estes países têm impostos negativos pra gente pobre: pagam salários a quem não pode trabalhar – o  que o Brasil tenta fazer, mas sem dinheiro. Um jornal francês, aliás, já criticou nosso país, dizendo-nos querer fazer assistência social norueguesa com a arrecadação mexicana. Não iria funcionar nunca.

Mas o que nos difere destes países com tributação mais gulosa é outra coisa mais importante: lá, os “contribuintes” veem retorno dos altos impostos pagos. Segurança pública primorosa, escolas estatais de ensino de excelência, hospitais públicos em que médicos vão te visitar na sua casa. É o custo x benefício, amigo, sempre ele, que dita as leis da selva do capital.

Dia das Mães
Este ano passei o primeiro Dia das Mães sem a minha mãe, falecida recentemente. Em uma só palavra: duríssimo. Perdi uma referência, parte da minha vida se foi com ela, aqueles anos da infância em que ela foi a minha principal fonte de carinho e proteção. É como se minha infância tivesse desaparecido para sempre da minha história quando ela pereceu. Que sirva de lição a todos: cuidem, amem, convivam com pais e mães o máximo que puderem, sempre. Aproveitem o tempo com quem lhes pôs no mundo. Cada segundo deste convívio é inesquecível, precioso, e não volta jamais. Ficam só as lembranças, e que sejam muitas, várias, eternas. Saudade, mãe. A senhora é a eterna flor do meu mundo.

O dito pelo não dito:
Deus não pode estar em todos os lugares. Por isso fez as mães”. (ditado judaico).

RENATO ZUPO – Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor, Palestrante