Artur Marques da Silva Filho*
O problema dos precatórios de caráter alimentar no Brasil, que poderia ser traduzido como um grande calote superior a 40 anos, é de extrema gravidade, pois afeta principalmente servidores públicos, aposentados e pensionistas, com impacto mais nocivo nos dois últimos grupos. Estes são constituídos por pessoas com idade avançada, que dependem muito dos recursos para sua sobrevivência, cuidados essenciais e assistência à saúde.
O imenso número de precatórios, que significam dívidas concretas do Estado, resultantes de ações judiciais que já transitaram em julgado, reflete o descumprimento de leis e acordos firmados com o funcionalismo. Além disso, observa-se a não aplicação de correções salariais devidas, falta de pagamento de adicionais de insalubridade e/ou periculosidade e outras diversas transgressões de gestores dos Três Poderes contra direitos de natureza alimentar atrelados aos salários, aposentadorias, pensões e previdência. São equívocos acumulados em mais de quatro décadas, que não deixaram alternativas às pessoas prejudicadas a não ser procurar a Justiça.
Recorreram, obtiveram ganho de causa, mas não se concretizaram os direitos. Isso porque se instituiu no Brasil esse instrumento chamado precatório, que só existe em nosso país, para postergar os pagamentos, em prejuízo de milhares de pessoas, cujos direitos foram desrespeitados por sucessivos governantes e gestores do poder público, na União, estados e municípios. São mais de 40 anos de flagrante calote.
Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), só o governo estadual de São Paulo tem 600 mil credores. Nesse período, mais de cem mil deles morreram sem receber os valores devidos, depois de toda uma vida de trabalho. Como se não bastasse, ainda existe a ameaça da Proposta de Emenda à Constituição 66/2023, que prorroga mais uma vez o prazo dos pagamentos.
Essa insólita e descabida situação gera outro problema grave: instituições financeiras costumam propor a compra de precatórios, mas com deságios exagerados. O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a Emenda Constitucional 62/2009, que permite um deságio de até 40%. Porém, esse percentual, muito alto, é invariavelmente ultrapassado na realidade do mercado. Muitas vezes, premidos pela necessidade urgente de recursos e desesperançosos quanto à possibilidade de receber em vida o que lhes é legitimamente devido, os credores acabam aceitando essas condições absurdas e de cunho oportunista.
Por isso, é fundamental que, ao receber uma proposta desse tipo, a pessoa procure um advogado, para que tenha a devida orientação e para que os cálculos referentes à atualização dos valores sejam corretos. Isso é importante, pois se, além do deságio, o montante estiver desatualizado ou dimensionado a menor, o prejuízo será ainda maior.
O problema dos precatórios atingiu um grau inaceitável no Estado Democrático de Direito. Estão sendo prejudicadas de modo contundente milhares de pessoas que ganharam ações judiciais movidas exatamente porque tiveram direitos legítimos desrespeitados. Agora, são punidas novamente pelo não cumprimento da reparação dos danos sofridos há anos ou décadas. Trata-se de uma profunda injustiça do poder público, um flagelo que atinge grande número de brasileiros. É premente solucionar essa grotesca distorção.
*Artur Marques da Silva Filho é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).