ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 20-07-2024 03:59 | 1021
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Atentados
Um sniper com um fuzil tentou matar Donald Trump. Como todos sabem, ele atirou de um telhado vizinho do local do comício do candidato republicano à Casa Branca. Cerca de cinco anos atrás, também tentaram matar o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro: um pretenso maluco armado de faca, durante uma passeata de campanha. Há coincidências entre os casos. As vítimas dos atentados são dois líderes políticos conservadores com reais chances de vitória à época em que quase perderam a vida – as urnas sorriram para Bolsonaro em 2017, e devem sacramentar Trump de volta à presidência dos Estados Unidos este ano. Ambos detinham e detêm simpatia dos eleitores de classe média e baixa e são hostilizados pela maior parte da grande mídia. Também enfrentam (ou enfrentaram) tribunais e a esquerda internacional, celebridades, artistas e formadores de opinião. Os dois atentados foram no interior de importantes estados dos respectivos países: Juiz de Fora em Minas Gerais, e Butler, na Pensilvânia americana.

Parece que o raciocínio, nos atentados, foi bastante idêntico: tirar da disputa os candidatos da direita, com vitórias praticamente asseguradas nas eleições por se realizarem. Veja-se que no caso de Trump o crime ocorreu logo após seu primeiro debate com Joe Biden, em que ficou bastante clara sua superioridade diante da debilidade do atual presidente americano. Isto é sintomático. Querem impedir a tiros que o candidato conservador retorne ao poder.

Com Bolsonaro ocorreu de modo idêntico. O “doido” Adélio Bispo só apareceu quando todas as pesquisas indicavam a vitória inexorável da direita nas eleições brasileiras. Adélio era filiado ao PSOL, partido de esquerda, e o autor do atentado à Trump, Tomas Mathew Crooks, era filiado do mesmo partido Republicano do candidato à presidência norte americano. Eis aí a diferença, se é que diferença há: é bastante comum terroristas infiltrados nas hostes inimigas, no Brasil e no mundo.

A imparcialidade
Jornalistas são formadores de opinião, são historiadores do presente, e devem ser imparciais. Isto não ocorre em larga escala, contudo, principalmente na grande mídia. E na prática se puxa sardinha para um lado ou outro em grandes veículos de comunicação - o que não chega a ser a regra geral, mas infelizmente é bastante comum.

Este grave defeito dos formadores de opinião se dissemina no mundo, não é só uma mazela brasileira. E contamina muita gente, a tal ponto que tudo virou política, tudo virou direita x esquerda, e não é mais possível crer em uma versão “oficial” dos fatos fornecida por alguns conglomerados de informação. A imparcialidade, rara na imprensa, vai se tornando também uma mosca azul, dificílima de se encontrar, na população em geral, a tal ponto que nos tiraram o direito de sermos imparciais.

Inventaram até um termo pejorativo para nós, imparciais: somos “isentões”. Desde os anos 1960 essa tendência uma imprensa panfletária e militante prolifera, agravada agora com informação imediata pela via eletrônica, na internet e nas redes sociais. E não é só distorcendo a verdade que se faz esse estrago, mas se calando sobre ela, convenientemente. Assim é que não se conectam os atentados à Trump e Bolsonaro, ou à óbvia resistência violenta contra a “direita” nos dois casos. E depois falam que são os conservadores os fascistas, os antidemocráticos. A maioria das revoluções e ditaduras do mundo foi propiciada por partidos extremistas de esquerda, e nós brasileiros percebemos pouco disso porque nosso último regime de exceção era militar e de perfil conservador.

Onde vamos parar?
A violência política é bastante prolífica entre os partidos ditos revolucionários, progressistas - enfim, de extrema esquerda. Isso é um sinal de que as versões que apontam a políticos conservadores como golpistas beira o surreal, e não prosperam dentro da normalidade das disputas por poder em nações civilizadas regidas por regras constitucionais.

Mas os credos e ideologias não são binários no mundo político. Não há apenas esquerdistas radicais e direitistas conservadores também extremados. Há nuances. Há gente do bem dos dois lados, travando o bom combate sem perder a fé. Não é porque o sujeito segue o pensamento progressista que será um radical comunista, ou vice versa, se sua tendência é conservadora, nem por isto estaremos diante de um fascista “filhote da ditadura” – para lembrar uma imagem criada e repetida, e nem por isto menos equivocada, do finado Leonel Brizola.

Há muitos pensadores e políticos bem intencionados com tendências progressistas, e é bom que exista uma esquerda. Ela é o indispensável “rastro da onça”, como se diz em bom mineirês. O rastro da onça é mais eficaz do que a própria onça e seu bote. É por conta do pensamento progressista, em geral pró-coletividade, que a classe trabalhadora angariou direitos políticos e sociais – o medo conservador da tomada do poder pelo socialismo fez com que governantes de direita, a maioria até meados do século passado, concedessem benefícios em massa à população carente. O receio de revoltas populares fez com que o poder, o bolo e a renda fossem melhor divididos.

Portanto, não dá pra colocar no mesmo balaio, no mesmo caldeirão, gente boa e gente ruim, independente de sua ideologia. E, principalmente, não é possível associar indiscriminadamente a violência política à esta ou aquela tendência. Como já disse, o mundo não é binário. Agora, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: simplesmente esquecer dos atentados, golpes, revoluções e ditaduras de esquerda, conforme o viés ideológico do momento, é gravíssima desonestidade intelectual, indesculpável quando praticada por gente da imprensa e formadores de opinião.

Piada antiga
Há um causo engraçado que ouvi ainda adolescente e que de vez em quando conto: um fazendeiro do norte mineiro pôs o filho para estudar nos Estados Unidos e o moleque voltou todo americanizado, metendo o sarrafo no Brasil e endeusando tudo que fosse gringo. Não aguentando mais a chatice do rapaz, o fazendeirão finalmente retrucou: “Lá deve ser bom mesmo, filho. Americano adora jogar bomba nos outros, matar presidentes e é corno feliz”.

Quatro presidentes americanos já foram assassinados. O mais famoso deles John Kennedy, mas também Abraham Lincoln, William Mckin-ley e Andrew Jackson. Fora estas vítimas fatais, nada menos que oito presidentes foram alvo de atentados terroristas, o último deles Ronald Reagan, e inúmeros candidatos também foram vítimas de disparos de extremistas, Bob Kennedy morreu assim.

Essa tendência não é cultural entre nossos irmãos do norte. Há duas explicações para os assassinatos de presidentes e candidatos presidenciais nos EUA. Quem é mais rico e poderoso geralmente é mais visado e desafiado, mesmo. E a facilidade de acesso a armas de fogo que americanos possuem é algo inusitado em termos mundiais. Já lhes contei aqui do meu amigo, que me hospedou em Miami: eu procurava um telefone retrô para comprar de presente e ele me levou a um Pawn Shop, uma loja de penhores de artigos usados bastante comum por lá. Enquanto eu negociava com um vendedor, meu amigo comprava por impulso uma submetralhadora usada por 500 dólares, dinheiro de pinga pra eles, e o único documento que apresentou foi sua drivers license, a CNH americana.

O governo manda no futebol?
Muitas pessoas confundem governos com as seleções de futebol de seus respectivos países. Não é assim. As agremiações desportivas são pessoas jurídicas de direito privado e as federações e confederações que as congregam também o são. O controle governamental ocorre dentro das regras que a entidade controladora do esporte permite e conforme as leis de cada país.

No caso do futebol, a Fifa é a controladora maior deste esporte, aliás o mais popular do planeta. E há uma preocupação geral desta entidade em não causar entrechoques entre as regras que cria para administrar o futebol no mundo e aquelas, outras, dos governos dos países em que o futebol é praticado.

E é claro que o controle dos governos dos países exerce uma supervisão sobre tudo isso – vamos entender porquê.

O futebol gera eventos comerciais que apuram receitas, sobre as quais incidirão impostos (obviamente). Só aí já se justifica o supervisiona-mento das finanças dos clubes e seleções de futebol. Há também as empresas donas de alguns clubes e no Brasil se criou por lei própria a possibilidade desta aquisição e gestão, através das SAFs – Sociedades Anônimas de Futebol, e toma aí mais supervisionamento estatal nisso tudo.

Por fim, o futebol também precisa, direta ou indiretamente, de dinheiro púbico, em patrocínios esportivos, e não podemos nos esquecer que os contratos de trabalho de profissionais deste esporte com seus clubes são geridos pela legislação trabalhista, aqui e lá fora. E em troca de tanta gerência, ou ingerência, no esporte, os governos também são os responsáveis parciais pela escolha dos gestores das confederações desportivas, a CBF entre elas.

Portanto, interessa muito ao Estado, como provedor e recebedor de tributos, e indiretamente uma espécie de gestor adjunto do esporte mais popular do mundo, quando o futebol brasileiro vai mal, ou quando a seleção brasileira despenca pelas tabelas. Como é o caso.

O fim do futebol brasileiro?
Eu não diria, em absoluto, que deixamos de ser uma das maiores potências no futebol. Afinal de contas, continuamos a exportar craques de primeira grandeza, os chamados “pé de obra”. Mas o futebol caseiro está acabando sim. Procurem por campos de várzea, e não encontrarão. Em visita à Argentina, passeando pelo interior daquele belo país, em todas as cidades de todas as dimensões encontrei campos de bairro – algo que a pobreza e a violência não expulsaram de lá, apesar de por lá também haver pobreza e violência (mas bem menos).

O futebol brasileiro está virando um esporte de elites abastadas, com filhos matriculados em campinhos pagos de futsal ou futebol society, e não se veem mais campinhos em favelas e periferias, expulsos pela expansão imobiliária selvagem e pela precariedade de invasões habitacionais. Todo terreno baldio ao redor das grandes cidades vira uma invasão ou um assentamento! Toda beirada de rodovia é ocupada por habitações precárias ou comércios clandestinos.

Sem palco, o artista não brilha. Sem espaço, a estrela não resplandece. E nosso futebol vai se combalindo, com os novos talentos indo embora cada vez mais cedo para jogar na Europa, deixando de fixar suas raízes por aqui, sem qualquer pertencimento pátrio que os identifique com os clubes de origem e as respectivas torcidas. Os campeonatos nacionais estão cada vez mais pobres, os técnicos cada vez mais defasados. O futebol brasileiro parou no tempo.

Já que há algum controle governamental na gestão desportiva, passou de hora do Estado interferir mais e melhor no controle do futebol, evitando que cartolas o façam, ou tentem fazer de maneira atabalhoada e o mais das vezes deficiente. Os fracassos brasileiros nas eliminatórias para a Copa do Mundo e na Copa América já nos mostraram que providências urgentes precisam ser tomadas para impedir que um dos nossos maiores produtos nacionais pereça inexoravelmente.

O dito pelo não dito:
O futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes” (Arrigo Sacchi, técnico italiano).

RENATO ZUPO - Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Professor Universitário, Escritor, Palestrante.