ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 27-07-2024 02:59 | 1045
Foto: Arquivo

O Inquérito de Roma
O Procurador Geral da República (PGR), Paulo Gonet, denunciou quatro cidadãos brasileiros por calúnia e injúria contra o Ministro Alexandre de Moraes, fato ocorrido no aeroporto de Roma, na Itália. Juristas debruçam-se sobre a acusação, por dois motivos: o inquérito já havia tido seu pedido de arquivamento oferecido pelo Ministério Público e os supostos crimes teriam ocorrido em solo e jurisdição italianos e seriam impuníveis aqui.

Então vamos explicar
No que se refere ao pedido de arquivamento de inquéritos e investigações policiais, o Ministério Público (no caso, o PGR), não está vinculado a entendimentos anteriores, e nem o juiz está obrigado a acatar ao pedido de arquivamento. É claro, estamos falando de peixes mais graúdos. Trata-se de um inquérito em que figuram como vítimas um Ministro do STF e seus familiares, o que atrai tanto a competência da Polícia Federal, quanto do PGR e do próprio Supremo – o  relator do inquérito é o Ministro Dias Toffoli.

Em suma e em síntese, o PGR pode voltar atrás e solicitar reabertura do caso e denunciar os autores dos crimes, quando ocorram fatos novos ou novas provas, o que não parece ser o caso, ao menos pelo que se sabe através da imprensa. E o magistrado a quem se dirige a prova e o caso, aqui o Ministro Toffoli, pode não acatar ao pedido de arquivamento. Nas investigações sobre os incidentes no aeroporto de Roma, foram determinadas novas diligências pelo relator.

Um crime fora do Brasil
Juristas vão além, discutindo se o crime cometido por brasileiros fora do território nacional pode ser julgado por magistrados brasileiros e conforme nossa lei penal. É, realmente, um caso fora do comum, e sua resposta é curta e grossa: é possível.

O que vigora na legislação penal brasileira é o princípio da territorialidade, decorrente da nossa soberania, e por ele será crime disciplinado por nossa legislação aquele fato assim descrito como delito pela lei penal e que tenha sido cometido em território nacional. Ou seja, em solo brasileiro, ou em aeronaves e embarcações de nossa procedência e bandeira, ou em embaixadas e corpos diplomáticos brasileiros.

A exceção a este princípio é o que se denomina “extraterritorialidade”, e ocorrerá somente nos casos descritos no art. 7º do Código Penal: serão processados e julgados por juízes e tribunais brasileiros e conforme as nossas leis os cidadãos nacionais que cometam no exterior crimes contra a administração pública ou contra o Presidente da República, ou perpetrados em razão da função pública exercida pelo criminoso lá fora (e não pela vítima).

Além disso, o caso lá fora poderá ser julgado aqui se o autor do crime for brasileiro e a lei estrangeira também considerar o fato criminoso, sem ter processado e julgado já por lá ao cidadão nacional.

Seria o caso, se realmente os crimes contra a honra cometidos autorizassem instauração de inquérito e ação penal. Considera-se, por um lado, que seriam infrações de menor potencial ofensivo e isso impossibilitaria o prosseguimento do processo segundo nossas leis, e por outro lado, que em se tratando de vítima agente de estado ofendido em razão desta condição, há agravamento da pena que impõe o prosseguimento da ação.

Passando a limpo
Com quem a razão? O problema do Direito é que não é uma ciência exata. É muito errado ofender pessoas públicas (na verdade, qualquer pessoa) em ambientes também públicos, seja no aeroporto de Roma ou na rodoviária de Quixeramobim. Leve-se em conta, ainda, que a vítima, o Ministro Alexandre de Moraes, estava com esposa e filhos – pessoal, família é uma coisa sagrada.

Eis a vítima. Alexandre de Moraes, talvez o magistrado mais criticado da História de nossa República, odiado pela metade dos brasileiros. Como disse o deputado Eduardo Bolsonaro certa feita: ele está preso para o resto da vida. Jamais poderá andar sem escolta, sempre vigiado e fiscalizado, mesmo após sua aposentadoria. E isso não é só o peso do cargo que ocupa,  porque é algo sem precedentes na magistratura nacional. É muito mais. É a resposta ao seu intenso protagonismo judiciário, é a repercussão de seu temperamento, é a réstia de pólvora da polarização política que atinge ao Poder Judiciário como nunca antes.

Se dirá que episódios houve em que ministros do STF foram ofendidos outrora em ambientes públicos sem qualquer repercussão penal. Lembro-me facilmente do Ministro Gilmar Mendes em Portugal sendo atacado verbalmente por um brasileiro expatriado, ou do Ministro Lewandowski em um avião sendo  questionado de forma mordaz e ofensiva por uma advogada, ou do mesmo Alexandre de Moraes em Nova York sofrendo impropérios de um brazuca. No entanto, estes precedentes significam tão somente que as vítimas não quiseram providências, não representaram, perdoaram ou desculparam seus algozes. Não que tais fatos tenham deixado de constituir crimes.

Ah! Mas é o Alexandre...
Eu repito sempre aqui: o Direito é, principalmente, para aqueles que se encontram na berlinda social, vulnerados e vulneráveis, seja por conta de sua condição econômica, sua cor de pele ou seu gênero, por sua drogadição ou deficiência física.

O tempo me ensinou, também, que o serviço público e a conduta profissional acarretam uma visibilidade intensa em tempos de internet, redes sociais e informação instantânea e por vezes parcial. 

Decorre disso que os magistrados, dentre eles principalmente os ministros do STF, se tornaram um “grupo de risco” que o Direito deve proteger sempre de desvarios, violências, ilicitudes. Se Alexandre de Moraes é questionado, que seus detratores tomem providências jurídicas e legais contra ele. Quando se rompe o Estado de Direito, se prejudica toda à sociedade e não somente à vítima imediata e direta do dano causado. Se ele representa bem ou mal ao Poder Judiciário, que o digam o Senado da República e o CNJ.

Está na hora dos desafetos do Ministro utilizarem política e as leis para resolverem sua desafeição, e não ofensas verbais ou escritas. Todos estamos cansados desse mimimi. Através das redes sociais fala-se que essa ou aquela pessoa pública é a danação do país, baixa-se o sarrafo, aguçam-se rivalidades, e fica por isso mesmo, e todo mundo vai à praia tomar um chopinho. Porém, o discurso fica, e um ou outro bobo que cai nessa ira – justa ou injusta – acaba pagando o pato. Que o digam os vândalos do 8 de janeiro e, agora, os raivosos ofensores de um Ministro do STF em férias com a família. 

Por falar em redes sociais...
Umberto Eco era um escritor tão genial que, inobstante tenha perecido antes do apogeu das redes sociais, bem as definiu pouco tempo antes de seu falecimento: é o local onde os bêbados chatos de bar de outrora, ou seu equivalente, se pavoneiam e incomodam em escala mundial à gente boa e honesta.

Tudo bem. As redes sociais também são para utilidade pública, divulgação de cultura e informação, entretenimento saudável,  e  funcionam bem como um  álbum de imagens e recados. Aliás, o Facebook nasceu com o visual de um quadro de avisos com recortes, fotos e mensagens, como era antigamente, só que virtual. 

Mas os idiotas de plantão, os “chatos de bar” de Umberto Eco, permanecem ativíssimos nas redes sociais, enchendo o saco e fazendo um papel ridículo que, se tivessem algum senso crítico, lhes causaria uma vergonha visceral. É impressionante como a pessoa expõe suas fragilidades, dá opiniões quando ninguém as perguntou, ou simplesmente copia e cola asneiras escritas ou faladas que sequer respeitam às regras gramaticais. Esse pessoal dá pena. Demonstram sua solidão e desespero, se oferecendo e à sua intimidade para a humanidade, exibindo seu hedonismo, sua ignorância e seus medos. Mostram o seu pior sem que ao menos o percebam, em um mundo em que as intimidades se perderam.

Presidente aposentado
Joe Biden desistiu da corrida rumo à Casa Branca. No sistema eleitoral e político americano, o candidato só pode concorrer à presidência se chancelado pelo respectivo partido. A exceção é quando ele já ocupa a presidência dos Estados Unidos. Aí é sua a prerrogativa de decidir concorrer, ou não, à reeleição.

Como ninguém do partido poderia tirar Biden da disputa, foram necessários eventos externos para (na prática) força-lo a sair do páreo. Ele foi um desastre no primeiro debate presidencial contra Donald Trump, e o atentado sofrido por este seu opositor somente reforçou-lhe a imagem de herói americano. Correligionários, amigos e parentes do atual presidente também tentaram demovê-lo de suas intenções eleitorais, até aí em vão. Contudo, quando os doadores da campanha democrata ameaçaram negar seu indispensável patrocínio, a ponto de tornar a vitória cada vez mais fácil para o republicano Trump, Biden por fim capitulou. 

Joe Biden já estava nitidamente combalido quando concorreu à Casa Branca pela primeira vez. Fabricaram-no como a única alternativa para retirar Donald Trump da Casa Branca – e funcionou, como no Brasil também ocorreu quando ressuscitaram e descondenaram Lula da Silva para apear Bolsonaro da presidência. Só que Lula não está caquético, muito embora ande bem longe da sua melhor forma política. Biden precisa descansar e jamais teve saúde para o importante cargo que ocupa.

O presidente dos EUA governa o mundo, para o bem ou para o mal. Dita as regras da política econômica, depõe governos hostis, detém armamento nuclear com poderio para destruir o planeta. É um cargo que exige não somente boas intenções, mas disposição e vivacidade. Trump desempenhou bem estas funções por quatro anos e, se o jogo político recomendava que saísse (o que é discutível), entregar os rumos do país mais poderoso do mundo a um político-tampão com problemas de saúde não solucionaria o problema.  Como só piorou.

O dito pelo não dito:
A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.” (Guimarães Rosa, escritor brasileiro).

RENATO ZUPO
Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Professor Universitário, Escritor, Palestrante.