ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 17-08-2024 02:56 | 1155
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Delfim Netto
Ele foi um dos personagens mais importantes durante os anos do regime militar e de sua transição econômica para a redemocratização brasileira. Antonio Delfim Netto também foi ministro da Economia, Agricultura e Planejamento de três governos militares, e durante o apogeu da nossa economia: nosso PIB crescia incríveis 85% naqueles anos. De 1967 a 1973, a renda “per capita” dos brasileiros também foi incrementada em mais de 60%, tudo sob a batuta de Delfim.

“É culpa do Delfim!” Então se satirizava, Jô Soares à frente, este que tinha incrível semelhança física com o recentemente finado ex-ministro e deputado, professor de economia da USP durante décadas de sua longeva vida: morreu com 96 anos, sempre obeso, avesso aos esportes. Um dos subscritores do AI-5, em 2021 o defendeu. Disse que assinaria novamente ao polêmico ato institucional que suprimia liberdades básicas dos cidadãos, e ainda assim foi grande conselheiro de governantes petistas, dentre eles Lula e Dilma Roussef – a quem defendeu na gestão econômica da república durante os anos desta última à frente da Presidência.

Covardia
Ao contrário do que pensava Delfim, Dilma e sua equipe foram os responsáveis pela perda de décadas do nosso desenvolvimento econômico, fazendo-nos retroceder no tempo e sairmos – talvez inexoravelmente – dos portais do primeiro mundo. Isto não impede o reconhecimento da excrescência jurídica que foi seu impedimento via Congresso Nacional – impeachment sem culpa criminal, sem crime de responsabilidade, não existe no ordenamento jurídico. Tanto que nossa ex dignatária máxima da república não perdeu seus vencimentos ou elegibilidade, em novo arrepio constitucional, depois de covardemente apeada do poder.

O tempo
O homem é o homem e as suas circunstâncias – dizia o jurista espanhol Jiménez de Asúa. Delfim foi uma fera da economia dos áureos tempos em que gastávamos por conta de investimentos estrangeiros e dólares americanos, cercados de cuidados para que o país permanecesse livre da ameaça comunista. A conta veio depois, com juros extorsivos. Deve-se reconhecer, contudo, que Delfim Netto e seu colega Mario Henrique Simonsen foram gestores econômicos reverenciados no mundo todo. Criaram uma espécie de “escola brasileira” de economia, depois seguida por outras feras do setor como Gustavo Franco, Celso Furtado e André Lara Resende, dentre vários.

Já o AI-5… me desculpe a direita conservadora, que muito respeito, mas só fez vitimizar a uma cambada de populistas que, se preservados seus direitos políticos, não se elegeriam nem síndicos de prédio. Exilados ou presos e torturados, viraram heróis e mandam no país até hoje. Não sou contra o golpe militar. Sou contra sua duração – e o AI-5, que foi absurdo. Visto com os olhos de hoje, foi desnecessário. Na época, pareceu ao governo indispensável para a preservação da paz social. Coisa dos tempos, que mudam, como mudam os olhares e impressões.

Tragédias aéreas
A indústria brasileira produz boas aeronaves, vendidas no mundo todo. Já nossa aviação comercial, esta depende de pilotos para que se voe seguro. Tentem se lembrar de algum voo da American Aerlines, DC United, Lufthansa, que tenha resultado em tragédia, algum avião destas companhias que tenha caído … você só vai lembrar de atentados terroristas. Dá pra entender? O nosso clima também é mais ameno do que no extremo norte da Europa, ou no Alasca, e por lá tampouco há casos de tragédias da aviação com quedas de aeronaves, ao menos nas últimas décadas.

O diferencial é o piloto. Não é que sejamos menos preparados que profissionais de outras nacionalidades, mas no Brasil exigências do mercado fazem profissionais ingressarem muito precocemente nas respectivas carreiras, isto em todas as áreas. Um amigo meu engenheiro industrial de vinte e alguns anos foi trabalhar na Alemanha, em uma grande usina: lá não acreditavam na sua formação assim tão jovem. Pilotos com poucas horas de voo podem até ser brilhantes, mas não tem experiência para lidar com casos fora da curva, anormais, ou que exijam tirocínio que só vem com a vivência e os cabelos brancos.

Caso de Manual
No caso da tragédia aérea recente da Voepass, em Vinhedo/SP, o fator de risco não era inusitado ou inesperado. Deve-se observar que o “aviso de gelo” dado pelas contro-ladoras de tráfego aéreo foi severo, típico desta época do ano no Brasil. O piloto o recebeu, não se comunicou com a torre de controle e tampouco alterou a altitude da aeronave, evitando assim a formação de gelo nas asas. Aqui, é regra de manual de pilotagem, é norma básica de segurança de voo, evitar as más formações atmosféricas – quem o diz é o jornalista e piloto amador William Waack, em recentíssima coluna do Estadão. Ou seja, não é uma situação anormal e rara. A aeronave havia passado por vistoria, estava em boas condições, e o Brasil não é o Polo Norte – e nem por lá tragédias desta espécie ocorrem.

O Cenipa
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos (CENIPA) é o órgão da Aeronáutica responsável pela elucidação das causas dos acidentes com aeronaves brasileiras. Conforme dados e provas físicas, técnicas, científicas, e mesmo testemunhais (morais e subjetivas), estas investigações elucidam os motivos das quedas de aviões, helicópteros e aeronaves menores.

É o Cenipa que deverá dizer, ao fim e ao cabo, das causas da tragédia aérea da Voe pass, que caiu em queda livre, “parafuso chato”, presumivelmente por conta de formação de gelo nas asas da aeronave. É até aqui uma presunção – uma verdade possível, talvez provável, que, no entanto, precisa ser demonstrada através de provas, evidências concretas.

Do seu laudo final resultará um julgamento administrativo, não vinculante. O que é isso? Significa que o resultado das investigações não impõe, necessariamente, a condenação criminal de quem quer que seja, ou a responsabilização civil com cominação de indenizações de qualquer natureza. A decisão do CENIPA vai gerar apenas uma recomendação de segurança (RS), para que futuros acidentes possam ser evitados por conta dos mesmos motivos da recente tragédia. Cria-se um precedente aeronáutico, um “case”, para ser observado pela aviação civil comercial dali em diante.

Persuasão Racional
É claro que a conclusão das investigações deste acidente aéreo servirá como importante meio de prova em processos judiciais futuros. Porém, provas não são necessariamente vinculantes ou graduação hierárquica de importância: “estas” provas não podem ser melhores ou mais importantes do que “aquelas” provas. Depende de cada caso e cada decisão, porque juízes possuem o que se denomina livre convencimento motivado, que deriva do princípio da persuasão racional. Isto quer dizer que o julgador, ao decidir, deve obrigatoriamente dizer no quê, em qual fundamento, sua decisão se embasa. Todavia, não estará obrigado a seguir, necessariamente, uma prova em detrimento de outra.

Getúlio
Getúlio Vargas foi muito mais ditatorial, repressivo e violento do que todos os governos militares brasileiros juntos. Era tão bravo que andava sem seguranças, que invocava só para atraiçoar seus desafetos. Também era populista e nacionalista extremado, muito mais do que Brizola o foi, e sabia agradar a imprensa e a classe artística. Mantinha jornais com dinheiro público ou simplesmente subornava formadores de opinião. Manteve abertos os cassinos e com isso era tolerado pelo empresariado, apesar de ter sido o criador da legislação trabalhista. Também propiciou o nascimento do nosso parque industrial através de uma legislação protecionista, com isenção de impostos e taxação de produtos industrializados importados. Ou seja, era um morcego que mordia e assoprava. E também era um déspota esclarecido, muito mais esclarecido do que os atuais.

O Grampo
O jornalista americano Glen Greenwald é aquele mesmo que publicou trocas de mensagens em conversas de aplicativos entre Sérgio Moro e procuradores da Operação Lava Jato. Eram mensagens privadas, capturadas por um hacker, um criminoso cibernético, que as vendeu para o site Intercept Brasil, então de Glen, que as receptou. Teria cometido, assim, o crime descrito no art. 180 do Código Penal. No entanto, à época sequer foi indiciado, processado e, claro, tam-pouco foi punido. A tese para alforriá-lo, sustentada então pelo ministro Gilmar Mendes, era a de que jornalistas estariam protegidos pela liberdade de informar, inclusive quanto à fonte (criminosa ou não), da informação.

Agora Greenwaldt volta à carga, dizendo de novas informações interceptadas envolvendo o Ministro Alexandre de Moraes e servidores do TSE, que teriam formado uma espécie de gabinete paralelo para além da legalidade, segundo o jornalista. Este conteúdo novo, acredita-se, deve ter sido obtido também de forma questionável, fruto de informações privadas hackeadas. De novo a prática de um crime. Em um Estado Democrático de Direito estas informações não poderiam servir como prova do que quer que seja, embasando culpas e acusações.

Contra Sérgio Moro ou Alexandre de Moraes, ou contra o Papa. São provas ilícitas, obtidas através da prática de crimes. É como utilizar a confissão de um criminoso para condená-lo, quando esta confissão tenha sido obtida mediante tortura. A revelação de conversas telefônicas ou trocas de mensagens obtidas através de “grampos”, escutas clandestinas, ou violação do sigilo de dados, tudo sem autorização judicial, é ilícito grave e não pode gerar consequências jurídicas ou servir como prova em processos judiciais.

Glen deveria ter sido processado lá atrás por divulgas as informações criminosas que receptou, no caso da “Vaza Jato”. Falei isso aqui. Sua conduta foi considerada correta, como se a um jornalista fosse permitida a prática de crimes simplesmente pelo fato de ser jornalista. Agora ele volta à carga. Sua impunidade ofende ao Estado Democrático, não importa o conteúdo das gravações que venha a revelar, contra quem quer que seja.

O dito pelo não dito
Só se odeia àquele a quem se teme.” (Olavo de Carvalho, escritor e filósofo brasileiro).

RENATO ZUPO
Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Professor Universitário, Escritor, Palestrante.