A Estação Ferroviária da Ipomeia, localizada a menos de uma hora do centro de São Sebastião do Paraíso, sentido a Itamogi, não é mais aquela que ficou gravada na memória e na vida de tantas pessoas que ali passaram com destino a Guaxupé, Mococa, Campinas e São Paulo, ou mesmo para quem desejasse aqui chegar pelas bandas de cá. Em boa parte do século passado ela foi um dos caminhos de ir e vir de muitas famílias; foi local de transporte de cargas diversas, enfim era o caminho do progresso e para um futuro, que hoje já ficou para trás e tornou-se ultrapassado.
Há pouco tempo, sem ter sido motivo de qualquer lembrança ou comemoração a Estação da Ipomeia tornou-se centenária, mas, abandonada, sua existência ficou praticamente esquecida em data tão importante. Inaugurada oficialmente no dia 7 de setembro de 1914, Ipomeia antes foi Estação Leôncio, em homenagem a Antônio Leôncio proprietário das terras onde ela se localizava, mas já funcionava provisoriamente dias antes. Localizada no trecho que ligava Itamogi a São Sebastião do Paraíso, no ramal de Passos, o prédio ficava próximo à pedreira ali existente. Próximo dali também existia a estação de Tapir que também guarda histórias semelhantes.
Por ali, além das pessoas, das famílias, trabalhadores, estudantes e personagens diversos, os trens transportavam todo tipo de cargas desde ovos, gado, gesso, óleo e principalmente o café. Tudo funcionou maravilhosa e saudosamente bem até meados dos anos 70 quando os trens de passageiros e depois mais tarde um pouco, os trens de carga também deixaram de transitar, por tantos lugares e também por este trecho.
Foi então que nestes mais de 30 anos os prédios que abrigavam as estações começaram a ficar abandonados e com a Ipomeia não foi diferente. Hoje quem visita o local se depara com o mato tomando conta das instalações. As construções estão se deteriorando no tempo, com madeiramento apodrecendo, vidros quebrados, mas muitas e muitas lembranças guardadas no tempo, na história e na memória de quem viveu sua existência nos áureos tempos.
O ex-ferroviário José Aparecido Leite é uma destas pessoas que teve sua vida marcada pela existência da ferrovia. Por muitos anos ele morou na Estação da Ipomeia onde exerceu várias funções e guarda muitas histórias vividas na sua juventude. “Os trens chegavam dia e noite, com chuva ou com sol, no calor ou no frio eles viam de Paraíso, iam para Campinas, ou vinham de lá para cá trazendo pessoas, mantimentos e tantos outros produtos”, conta.
A inspiração para tanta memória e tantas histórias foi herdada por José Aparecido de seu pai João Leite com quem ele convive nos dias atuais. Ele foi um precurssor da carreira profissional do ex-ferroviário. Por décadas, Joao Leite, também trabalhou na ferrovia, nos tempos dos trens a vapor e depois nas máquinas modernas à diesel, vivências que inspiraram as carreiras passadas de pai para filho. Foi nesta convivência que José aprendeu o ofício e herdou o gosto pelas coisas e histórias que a ferrovia lhes proporcionou. Através dela vieram muitas das inspirações que cultiva até hoje, seja como funcionário, passageiro ou mesmo apreciador de toda nostalgia e magnetismo que os trens de ferro proporcionam.
Depois de aposentado, José veio morar na cidade e não por coincidência sua nova casa está localizada bem ao lado da Estação Mogiana. Parece uma sina, mas era tudo o que ele desejava, porque por ali ele também trabalhou, por muito tempo, viajou de trem, conheceu muitos trechos de linha de Paraíso a Ribeirão, de Paraíso a Campinas e São Paulo.
Saudoso de um dos lugares onde passou grande parte de sua vida, José Aparecido resolveu construir uma maquete da Estação Ipomeia. É então que ele se revelou um exímio construtor. Mesmo sem conhecimentos de engenharia, sem equipamentos sofisticados, bastou-lhe ter algumas ideias na cabeça e o construtor foi logo colocando as mãos à obra e o resultado foi surpreendente. “Eu fui fazendo parte a parte, reproduzindo as paredes, o telhado, a caixa d’água e adaptando algumas peças como o trilho, os carros que ficam do lado de fora. Ela não está acabada, mas já vai bem adiantada”, comenta.
Seo José conseguiu reproduzir uma réplica perfeita pelo detalhismo das peças. Madeira, plástico, papel, ferro. Chama atenção que até as luzes internas da estação podem ser acessas e quem sabe o que isto significa é mais do que uma viagem no túnel do tempo. E o construtor quer ir além. Ele está em busca de uma locomotiva em miniatura, modelo GL-8 da Fepasa, para ornar a construção. Os contatos estão sendo mantidos e as buscas são incessantes. Depois ele pretende colocar os vagões de cargas, de passageiros, reconstruir a história e manter viva a lembrança.
Discreto, ele evita aparecer, mas faz questão de mostrar o seu invento, sua obra-prima. Mesmo inacabada ela revela uma história, um ressurgimento. “Muitas pessoas não conheceram, outras sim, quero guardar esta lembrança e esta recordação para compartilhar com meus amigos este pedaço da minha vida”, finaliza.
COLECIONANDO ANTIGUIDADES
Visitando a residência de José Aparecido Leite, para conhecer a construção da Estação da Ipomeia em miniatura qual não foi a nossa surpresa em nos deparar com um verdadeiro museu na casa do ex-ferroviário. Os armários foram adquiridos para esta finalidade e as prateleiras estão repletas dos mais diversos objetos antigos que se possa imaginar. Aparelhos telefônicos, relógios, instrumentos musicais, equipamentos como fax, celulares, impressoras, computadores, rádios, tevês, ferramentas, brinquedos, utilidades domésticas e outras construções próprias do inventor que ele guarda com carinho e faz questão de mostrar para os amigos e curiosos que o visitam para conhecer este velho e novo mundo que possui.
“Eu gosto de todas estas coisas antigas, é um pedaço de mim, faz parte da minha história e da minha vida”, comenta. As mais variadas peças são centenas de objetos diversos, cada um possui sua história. Alguns são presentes dos amigos que sabedores do seu gosto por antiguidades fazem questão de ofertar seja lá um disco de vinil, um aparelho de som ou até mesmo um brinquedo de criança, desde que antigo de preferência, que logo será reservado um espaço na coleção para ser guardado e apreciado com gosto no dia a dia e junto com cada visita que chega para conhecer o local.
Em nossa passagem pela casa de seo José chamaram a atenção algumas de suas construções como o encanamento que numa ponta tem uma lâmpada. A peça não tem um nome próprio, mas é interessante. De um lado, o registro de uma torneira que quando aberta acende a luz que está na outra ponta. São dois modelos distintos que ele demonstra com prazer, com emoção e alegria. “Fiz da minha cabeça, é apenas um enfeite, uma brincadeira que fiz utilizando estas peças os canos, as torneiras e as lâmpadas”, explica.
Para quem gosta deste tipo de antiguidades tudo isso tem um valor inestimável, imensurável. Tudo vale à pena e é recebido sempre de bom coração, seja uma caneta, ou um frasco de perfume mesmo que vazio. A essência vai continuar exalando mesmo que o líquido não exista mais, porque um objeto simples, modesto, pode ter um valor sentimental gigantesco.
Da mesma forma objetos raros e caros comercialmente, podem adquirir valores insignificantes que podem chegar até o desprezo total. Mas para quem tem este sentimento na alma cada peça tem sua história, sua importância. Ela merece ser preservada, conservada e se possível eternizada para a contemplação de muitos que se assemelham na admiração ou para o espanto e perplexidade de quem não entende a razão da beleza e da leva daquele existir.