por André Rodrigues Pádua
É difícil dizer se foi pressa, desatenção, algum desnível na calçada ou o excesso do sapato 42 num pé de 40. Certa mesmo, isto é, atestada pela força argumentativa da objetividade, foi a espalhafatosa consequência dos referidos inconvenientes – o tombo na via pública.
A partir daí as coisas saíram do controle. O primeiro passante não conseguiu conter o riso, que saiu com a mesma naturalidade com que se respira ou se pisca os olhos. Outro observador, mais comedido a princípio, teve o pudor afrouxado pelo gargalhar do primeiro e depressa escondeu o rosto para que ninguém notasse que também ele se aproveitava do caso (aliás, diga-se de passagem, qualquer coisa fica exponencialmente mais engraçada quando nos esforçamos por segurar a risada). Um terceiro, apressado pelo tardar da hora, sentiu as pernas tão fracas de graça que precisou parar e esperar. E nessa toada, de gente em gente, a chacota ressoou.
O que houve? Qual foi a piada? - as pessoas se perguntavam, enquanto gradual e docilmente eram contagiadas pela zombaria, à medida que se apercebiam do ocorrido. Não sem muita dificuldade, alguém, certamente mais bem servido de senso de responsabilidade, mas não menos imune à tentação da troça, ligou para a ambulância e relatou, com palavras debeladas pelo riso, que havia alguém estirado no chão. O grupo de adolescentes prontamente armou-se de celulares para registrar o próximo meme e relatá-lo, com maior ou menor grau de invencionice, em mensagens de áudio, enquanto o guarda-civil, totalmente refém da graça, se esquecia de liberar o trânsito.
- Ué, mas já fechando a essas horas? - perguntou uma senhora ao funcionário de uma loja, o qual, incapaz de emitir palavra, só conseguiu responder apontando o dedo para o local do incidente. Das janelas das casas e apartamentos nos arreadores, cabeças risonhas (ou seriam risos emoldurados por cabeças?) brotavam curiosas e se propagavam em metástase pelos bairros, transbordando os limites da cidade e alcançando as rodovias e plantações, sem escolher rumo para o contágio.
Mal se aguentando diante de toda aquela zoada, a ambulância finalmente chegou. Socorrista, paramédico, motorista e até o automóvel: todos eram improváveis vítimas da irresistível e virulenta risadaria. O único vislumbre de seriedade era justamente o do tombado, que, não fosse a dor da fratura que acabara de sofrer, era capaz que também se acabasse na gargalhada.
-Vai indo bem, mas admito que ando cansado. Por mais que me esforce, meu trabalho parece cada dia mais difícil.
-Ah, pode crê. Te entendo. Eu saí do caixa do EPA e agora tô num trampo ainda mais insalubre.
-No que você tá trabalhando, Zé?
-Arrumei serviço numa oficina, mas os cara cobra demais. Não tenho um minuto de sossego - o conhecido que entrou na história se chamava José e olhava pro lado, evitando contato visual, apesar da sensação descontraída que a ocasião propunha.
-Eu tô trampando na contadora ainda...
E assim e a conversa se desfez e seguiram caminho para se desencontrarem de novo. Zé seguiu o passo para onde ele ia.
Jefinho entrou num fluxo de pensamentos rápidos e sem importância, erguia o peso de uma cabeça cansada em que nada se agarrava. Até que quase avançou no tráfego veloz. Parou e olhou ao redor. ‘Que estupidez essa rotina, tudo automático, mal olho pra rua’.
No fundo, sabia que amanhã seria mais puxado ainda, porque teria que entregar as planilhas.
Ao chegar em casa, trancar a porta, tirar o sapato, levou a mão à cabeça. Parecia oca. Nenhum pensamento parecia inteligente ou divertido.
No fim, tomou um banho, pensou que precisava trocar o tapete do banheiro e em breve comprar outro frasco de shampoo.
Jantou uma lasanha Sadia que esquentou no microondas e logo se ajeitou pra dormir.
Não pensou no Zé, nem nos amigos que não tinha, nem na antiga namorada. Só deitou na cama e dormiu.
Teve lindos sonhos, os quais não lembrou na manhã seguinte.
E o dia raiou fumegante. Agora precisava correr para não se atrasar.
por Murilo Caliari
Antes da manhã de hoje era uma linda noite. Mais ainda antes de uma bela noite de sono, Carlos Alberto Jeferson saia do trabalho e virava a esquina.
Ao dobrar a rua, Jefinho - para dar mais humanidade à nossa seca demonstração doravante chamemosno assim - encontrou um conhecido de longa data.
-Olá Jefinho, como vai essa força?