OPINIÃO

Quando a opinião pública não importa mesmo

Por: Redação | Categoria: Do leitor | 14-09-2024 00:01 | 75
Foto: Arquivo

Nadjanaira Costa*

E agora, quem poderá apagar as chamas? Refiro-me aos inúmeros focos de incêndio que se espalharam pelo que ainda resta dos biomas brasileiros, em meio ao desmatamento crescente, que soma 4,48 milhões de hectares somente no primeiro semestre de 2024, de acordo com o site Mapbiomas. Não serão suficientes batalhões de bombeiros, ambientalistas ou moradores das regiões afetadas para combater esses focos. As chamas dos descasos públicos não se resumem somente aos incêndios, sejam criminosos ou resultantes do excessivo calor que insistimos em ignorar frente à devastação do meio ambiente. Quem sabe esse fogo é de palha que não foi apagada devido à indiferença e desconsideração do poder executivo sobre a relevância da opinião pública, fortalecendo a democracia e se inserindo na preservação da natureza.

Considero inferir que as chamas que consomem áreas verdes de São Paulo, Minas Gerais, Rondônia e outros estados estejam acesas há muito mais tempo e prestes a se alastrarem, pelo fato de ignorarmos que a opinião da sociedade organizada deixou de ter importância, mesmo diante da liberdade de expressão conquistada ao longo da história. Afinal, quando os barões americanos da ferrovia propagaram o mote "o público que se dane", em uma época que nascia o trabalho de um dos precursores da profissão de Relações Públicas, Yve Lee (1877-1934), não dá para imaginar que, em pleno século XXI, essa máxima do passado teria mais força que o valor da sustentabilidade e do futuro que precisamos preservar.

Elucido a questão com inquietações que fazem arder os neurônios: os focos de incêndio são consequências naturais do aquecimento global, ao mesmo tempo que refletem o descaso de autoridades que, em meio ao caos da sociedade de consumo e dos aprendizados constantes sobre sustenta-bilidade, decide desmatar áreas importantes para construir pistas de corrida de carros. A velocidade dessas ações desmedidas surpreendeu até mesmo os ninhos e seus pássaros que foram ao chão já sem vida, como inúmeros veículos de comunicação mostraram, no primeiro semestre de 2024.

E a opinião pública, os ambientalistas, moradores, a sociedade, o que fizeram diante disso? A rapidez com que se executou a derrubada das árvores foi mais instantânea que os resultados concretos para angariar recursos para a capital degradada. O que faz agora a sociedade que agoniza com o tempo seco, as queimadas e as fuligens? Fica sem poder de voz e incrédula diante das chamas que destroem parques, matas e mananciais, que levaram anos para se estabelecer em meio à selva de pedras, onde clamamos para ser mais verde.

A opinião pública é uma conquista democrática e, como sintetizam alguns autores como Jürgen Habermas (1929), que propôs o modelo racional de interação, não é possível pensar na democracia sem levar em consideração a comunicação que ela possibilita, em todas as suas formas e condições, com todos os seus públicos. É nesse espaço dialógico e de permanente interação que a opinião pública emerge, sendo formada por meio do debate racional e crítico entre cidadãos, dando lugar a decisões conjuntas entre poder público e sociedade. Na atualidade, essa sociedade, à revelia, experimenta, na pele, que a opinião pública não importa mesmo.

* Mestre em comunicação, professora universitária, moradora da região da Pampulha, Belo Horizonte/MG
(Hoje em Dia 13/09/2024).