• CONVERSA FORA •

Situação e oposição | Oração Elétrica

por Murilo Caliari e André Pádua
Por: . | Categoria: Do leitor | 09-10-2024 04:27 | 59
Foto: Arquivo

Situação e oposição,

por André Rodrigues Pádua

Proclamado o resultado, ele havia sido o mais votado. E agora, sob a mira dos ouvidos do público, o candidato era instado a se pronunciar na imprensa:

— Candidato, o que podemos esperar de seu governo?

— Compromisso, seriedade e trabalho, independentemente de ideologia.

— Candidato! Candidato! Alguma previsão sobre a equipe de governo?

— Ainda não é possível dizer muita coisa. Mas asseguro que serão nomes estritamente técnicos, sem partidarismo. Só vai assumir quem realmente for competente e eficiente para trabalhar com o povo.

Corria tudo bem naquele caldo de pergunta e resposta: lá puxando cá, açúcar no azedo, verão em julho e dá-lhe mais água na caipirinha. Até que chegou um para esquecer a panela no fogo:

— Candidato, o senhor é situação ou oposição?

— Nem um, nem outro. Sou pelo povo.

— Nada feito. Se o senhor não é situação, então só pode ser oposição. O seu eleitor sabia que estava votando na oposição?

— De jeito nenhum. Não sou, nunca fui e nunca vou ser oposição.

— Então o senhor é situação e concorda com o programa do governo anterior. Sendo assim, por que se candidatou e não deu oportunidade à reeleição?

— Eu não concordo com o programa do governo anterior. Quem foi que disse isso?

— O senhor é que está dizendo, ao afirmar que não é oposição.

— E não sou mesmo. Sou, mais propriamente, oposição à oposição.

— Então é situação.

— Claro que não.

— É o que então?

No embalo da fumaça que já quase lhe saía pelas ventas, o candidato viu a oportunidade de lapidar uma máxima:

— Olha, pra acabar de vez com o assunto: eu me oponho ao que não estiver bem situado. Resolvida a questão?

— Está bem, quem sabe. Mas antes, uma última pergunta, candidato: o senhor prefere arroz ou feijão?

Amargando uma indigestão, o candidato pulou o almoço do dia seguinte.

 

Oração Elétrica,

por Murilo Caliari

Pegue a senha, espere a sua vez, não reclame da fila, registre a experiência em notas, melodias mentais.

Olhe ao redor, vá ao banheiro, varra o chão com os olhos, atraia a cena futura antes de cogitar o tédio, ouça seus bolsos, as chaves, aperte o botão que esguicha água, lave o rosto, não pense nas palavras, use delas como apetrecho e atalho,

assim é possível montar o arreio da serpente que o conduzirá aos túneis secretos e às portas escondidas dos ladrões.

Você será bem-vindo se ninguém pensar em

você irá seguir aonde quer que vá o jato do seu espirro,

caso não encare o olhar vidrado das paredes orelhudas, seu perfume será o suor de seu sangue,

ninguém é capaz de prever seus passos, infil-tre o caos como

água da chuva e o gotejar do teto não atrapalhará suas leituras internas.

Esconda um livro atrás das pálpebras, seja suas páginas e travesseiro, carregue sempre seu irmão na barriga e converse com ele por telepatia antes de abrir os ouvidos,

caso o lustre caia em pedaços, tome controle do volante e mantenha a marcha enfrente à névoa, assim é possível

voltar para os bolsos onde moram latas borbu-lhantes e os rochedos ficarão para

trás.

Invista nas cores das roupas, embaçar a visão é o grande truque para alcançar

a composição total do farol, mesmo enquanto haja sequestradores do humor e da subjetividade rondando os perímetros humanos, trate sério o ladrão de ondas e imagens que

atravessará a sua rua e descubra seu jeito de afugentar ameaça, desvie o tropeço e cuspa

fumaça na boca.

Ninguém poderá observar o ruído que escorre da sua caligrafia. Atrase o vigia na velocidade dos gestos, trabalhe a roupagem dos movimentos na sofisticação da textura delicada da natureza do vento parado

Assim você encontrará a árvore

de sua voz, na invisibilidade da reta prescrita haverá o barulho do rio de batismo, onde

você entrará outro e sairá o mesmo e serás anfitrião de si mesmo,

Os demônios que investirem contra a sua imagem serão torturados pela saliva,

Os gnomos que tramaram

estrangular seus cadarços serão pisados pelos próprios pés, Qualquer ardil voltado ao seu sofrimento será convertido em espelhos quebrados e sua figura permanecerá

protegida pelos amuletos erigidos nos jardins e altares de sua voz,

Serpentes, anjos e escadas rolantes veladas por cortinados de aço inoxidável encantados nos sorrisos de cílios pendurados na aparição das borboletas alimentadas por diamantes elétricos,

Então dançaremos com os cometas e trombas d’água e os tornados irão olhar por nós e você

será meu berço na terra e seu calor serão meus dedos no céu, minha irmã de invenção

a casa dos filhos das rodas celestes no campo das flores, onde minhocas felizes mordem o chão, onde dormem os sonhos das sementes molhadas no brejo, onde perto dos leitos coacham

Os sapos que já foram girinos e junto da vibração dos peixes alados sopram bolhas de vida e se alimentam do fogo do sol