Vim visitar a cidade onde eu nasci, mas não tinha céu. Não tinha mais nuvens. Paraíso está encoberta por uma névoa cinza que nos invade com cheiro de fumaça ao abrir a janela do quarto de manhã e que esconde o sol ao nascer e se por.
Durante meses, o serviço metrológico acusou gravidade: alerta vermelho pra qualidade do ar; alerta vermelho pra umidade relativa do ar; alerta vermelho pra todos que respiram... É o vermelho do sangue da terra, que asfixia aos poucos.
Andando pelas ruas da cidade, não havia árvores, só cicatrizes. Quando foi que a cidade dos ipês virou uma cidade sem sombras? A esperança da chuva alegra os corações, mas como sugere Espinosa, o filósofo, esperança sem razão não é boa, nos faz padecer. Para Espinosa, Deus vive na natureza! E ele não pode cuidar de nós, se nós mesmos não o fizermos. Só encontra Deus, quem cuida de si e do outro, e não se pode cuidar de ninguém destruindo o que é de todos.
Queimadas no lixão, queimadas particulares, queimadas criminosas, queimadas por não saber: nada se cria e nada se perde, tudo se transforma em fumaça e calor que impede a precipitação da chuva! Espinosa também diz que a esperança é irmã do medo.
Acredito ser hora de abandonar a esperança e se agarrar ao medo, acreditando no seu poder de transformação. A espera não levará a nada, é tempo de assumir a responsabilidade individual de cada paraisense que quer voltar a ver o céu azul, dormir bem, ver as plantas molhadas de chuva, respirar ar puro e cuidar do futuro, que parece cada vez mais nublado e incerto.
É hora de ter orgulho de nossa conexão com a terra e saber que ela não cuidará de nós se não cuidarmos dela. É hora de saber que pequenos atos importam e que ao cuidar do meio ambiente, estamos cuidamos uns dos outros, de nossos filhos e netos. É hora de celebrar prefeito e vereadores eleitos no domingo, cobrando atitudes enérgicas para a proteção do meio ambiente: fiscalização dura, ações de prevenção e proteção, tolerância zero com queimadas plantio de árvores...
Mas acima de tudo, é necessário que a população queira mudança. Queira ver de novo o céu azul, queira chuva, queira uma vida digna, queira curar aquilo que estamos adoecendo: nós mesmos, partes inalienáveis da natureza.
Gleiton Matheus Bonfante
Dr. Interdisciplinar em Linguística Aplicada (UFRJ)
Professor visitante do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense.