Folia na fazenda
Nunca fui uma pessoa rural, um campesino, um rurícola – como dizemos de maneira empolada no Direito. Minhas visitas a sítios, chácaras e fazendas geralmente se circunscrevem à área de churrasqueira e ao freezer dos anfitriões e nunca tive ânimo para visitar bois e vacas em pastos ou currais ou conhecer plantações de soja. Recordo-me, aliás, de um milharal que visitei acidentalmente, ao errar o caminho para um rancho de pesca de um amigo, no Quebra Anzol. Em suma, só sei diferenciar um pé de acerola de um pé de limão pelo fruto pendente, se estiver. Em uma outra oportunidade, voltava com meu amigo e colega Renato Jardim, o “Xará”, de um congresso em Governador Valadares. Paramos para beber uns guaranás no caminho da volta e a certo tempo do trajeto, da janela do carro o Xará me apontou uma plantação e perguntou o que era. Respondi-lhe que era um cafezal. “Cafezal alto, hein?” - ele indagou. Era uma plantação de Eucaliptos, descobrimos depois. Culpa dos guaranás.
O meio rural mudou – hoje, os antigos matutos que cuidavam das fazendas dos patrões como agregados estão pilotando Drones. Conheci uma senhora nordestina tratorista que com sua renda estuda dois filhos em faculdades. Há prestadores de serviço para cuidar do gado e engenheiros agrônomos são mais comuns em planta-ções do que peões. Ordenhadeiras mecâ-nicas e máquinas agrícolas substituem o trabalho de duas dúzias de trabalhadores rurais e a mão de obra no campo, que era comum, se tornou rara – e cara.
A agricultura de subsistência, que já foi um caminho para a manutenção do homem no campo, hoje é insípida. Ficam os pais, os filhos vão-se embora porque não há trabalho (ou renda) para todos. As grandes empresas de agropecuária dominam o setor e o commoditie rural se transformou em um produto econômico, um investimen-to. Pessoas compram e vendem planta-ções que nem foram plantadas. Pegam dinheiro emprestado dando como garantia uma produção de grãos que ainda não veio, gado que ainda não foi parido, terras ainda por cultivar, fazendas que não foram formadas.
Reforma agrária já era
Como está hoje o mercado e, sobretudo, o trabalho no campo, não há mais sentido algum em se falar em reforma agrária – ao menos, não nos moldes em que é apregoada e difundida por seitas políticas, com ou sem movimentações e conflitos. O homem do campo quer viver de renda, quer que seu dinheiro trabalhe para ele, e o ânimo de permanecer na terra não atravessa mais gerações e gerações de trabalhadores rurais. Perdemos o trem da História e não há mais chance de nos tornarmos o que os Estados Unidos foram no começo do Século XX: agregando o progresso das linhas férreas aos investimentos capitalistas de banqueiros, os governos americanos criaram políticas direcionadas à economia pública que tornaram a pequena propriedade rural uma atividade rentável, complexa e de produção intensiva.
Não é que no país a coisa não funcione. Muito antes pelo contrário, um político disse certa feita (e com razão), que o Brasil do interior é o Brasil que deu certo. Mas por outros motivos, porque a atividade agropecuária virou empresa. Como não fizemos nosso dever de casa lá atrás, e como nossa reforma agrária atrasou em um século o desenvolvimento do campo, agora não há mais oportunidade política ou econômica para tanto. E a saída, muito bem encontrada, é atrelar o mercado de capitais à atividade agropecuária, a tecnologia e a terceirização agregarem-se ao trabalho nas lavouras e na pecuária. Está dando certo, por outros caminhos.
Trump 2024?
Pesquisas eleitorais dizem que Kamala Harris vai ganhar de Donald Trump as eleições presidenciais norte-americanas. Na terra das cédulas de papel, com contagem manual e voto facultativo, tudo é possível. E de novo seguimos não acreditando no resultado – se der a democrata Kamala.
Reparem que ninguém mais fala em Joe Biden, figura da velha política americana que somente serviu para agregar a esquerda e destronar Trump quatro anos atrás. Conseguiram, e Biden foi o candidato mais votado da história dos Estados Unidos, em números reais. Mas é um governante desastrado que deixou que as rédeas da economia passassem a ser conduzidas por pressões internacionais, não consegue conter guerras e não tem diálogo com potências estrangeiras, principalmente quando estas são suas adversárias ideológicas – é claro, estou falando da Rússia e da China. A Rússia de Putin, ex-chefe da KGB soviética que a grande imprensa ousa chamar de “ditador fascista de direita”. É tão errado que é ridículo, mas há os que acreditam.
Bons de briga
Biden não sabe mandar dentro ou fora da nação que comanda. Há líderes bons para a paz e líderes bons para a guerra. Joe Biden é ruim em qualquer hipótese. Churchill, por exemplo, só se tornou primeiro ministro britânico para combater a Alemanha Nazista. Derrotado o nazismo, o retiraram do poder – era bom para a guerra, não para a paz. Era bom de briga, mesmo caso de George Bush pai, que derrotou Saddam Hussein na primeira guerra do golfo e, então contido o tirano, perdeu a reeleição americana para Bill Clinton. Trump foi um presidente bom para conter conflitos através de uma ferramenta muito bem utilizada outrora e também por um seu predecessor republicano na Casa Branca, Ronald Reagan: dissuasão.
A dissuasão é a arte guerreira de inibir a reação do adversário político ou bélico pela demonstração de força, e não necessariamente pela utilização desta mesma força. Como dizia Guimarães Rosa em bom mineirês: o rastro da onça é mais eficaz que seu bote. Reagan se aparelhou de armamento nuclear até a tampa, investiu na “Guerra nas Estrelas”, instalando satélites para fins militares ao longo da órbita terrestre, para demonstrar que ninguém podia com o poder armado norte americano. Com isto, fez ruir o muro de Berlim e desbaratou a extinta União Soviética.
Trump mostrou ao mundo árabe, aos norte coreanos e à China que não haveria obstáculos instransponíveis ao governo americano na condução de seus interesses externos. Disse aos israelenses para se conterem, porque não haveria ajuda bélica ou econômica dos EUA em caso de conflito armado entre judeus e árabes no Oriente Médio. Combateu o bom combate frente ‘a concorrência econômica predatória chinesa e se armou, de argumentos, boa política, mas também de armas. Dissuasão. É um conceito diverso da guerra preemptiva. Nesta, o governo ataca primeiro, sabedor da hostilidade potencial do país inimigo. Vimos Putin fazer isto na Ucrânia. Aliás, estamos vendo. E criticando, porque guerra é um péssimo negócio para a política e a economia.
Pesquisas eleitorais
Volto à Kamala x Trump. Nove entre cada dez americanos que conheço declaram o ex-presidente como seu candidato e afirmam que irão votar no republicano para o seu retorno à Casa Branca. Ainda assim, a democrata Kamala Harris segue à frente das intenções de voto segundo as pesquisas eleitorais mais recentes.
Waaaal, como diria Paulo Francis. Pesquisas eleitorais dão o que o cliente que contratou quer que dê – me ensinou isto uma velha raposa da política mineira. Depois, quando os resultados diversos são inevitáveis e se vê que a mentira pesquisada terá pernas curtíssimas, o instituto de pesquisas surge com a história incrível de “reviravolta inesperada” nos resultados. Balela. E também não posso culpar quem vive disso, os estatísticos e influenciadores que de dois em dois anos faturam pesado com as eleições. A legislação eleitoral brasileira padece de dois males, um deles que também assombra o mundo político americano: em primeiro lugar, pesquisas eleitorais são formas de propaganda partidária e devem ser assim tratadas pelas leis e tribunais; em segundo lugar, políticos podem e devem ser apoiados, inclusive financeiramente, sem restrições por quem quer que seja, exceção óbvia à jornalistas e juízes e promotores eleitorais. Ou seja, só deve ser imparcial quem é obrigado por lei ou pela ética a sê-lo. Com apoio irrestrito acabam os apoios na surdina, por debaixo dos panos. Deste mal os EUA não morrem, porque lá toda empresa ou conglomerado tem seu candidato que apoia abertamente, inclusive as grandes cadeias de informação e entretenimento. Mas, nos Estados Unidos como no Brasil, tratar pesquisas eleitorais e seu resultado como notícias imparciais e como meios de informação ao eleitorado, e não a óbvia propaganda política que são, torna estes estudos imunes à seriedade que o confronto com a realidade sempre provoca.
Donald Trump é histriônico, chato, pare-ce um personagem de Cartoon, de desenho animado. Na América, é um prato cheio para comediantes e imitadores, com caricaturas que ele próprio, Trump, compartilha e aceita de bom grado. Ele ri de si mesmo, mas tocou a América por quatro anos com mão de ferro, pôs a economia americana nos trilhos, dissuadiu desafetos, impediu guerras, coibiu a imigração ilegal – que afeta o mercado de trabalho, a segurança e a economia dos EUA. Muitas vezes, na política, temos que optar pelo mal menor.
O dito pelo não dito
“Eu não me oponho a todas as guerras. Eu me oponho às guerras estúpidas”. (Barack Obama, político e ex-presidente americano).
RENATO ZUPO, Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Professor, Escritor, Palestrante.