O fim da história
por André Rodrigues Pádua
Você não vai acreditar no que aconteceu ontem… totalmente inesperado. Eu tava no mercado terminando de buscar sabão em pó, amaciante e detergente, e ia passar no caixa. A fila daquele jeito, muito lotado, sem condição, e eu com pressa fui pro caixa eletrônico porque era pouca compra…
bzzz… bzzz… – fez ele no bolso da calça, pedindo que a mão viesse para acalmá-lo.
É… eu ia… ia passar no caixa eletrônico, né, não era quase nada mesmo. Mas foi o maior azar, porque tava em manutenção. Tive que entrar na fila, foi uns dez minutos esperando. Quando chegou a minha vez – um porre! esqueci da comida da cachorra. Aí pedi licença pras pessoas atrás de mim na fila, a mulher me olhou com a cara horrível e o funcionário disse “vai, mas vai rápido, corre!”.
bzzzz…. bzzzz… zzzbzzzz… – ele foi ficando mais enfático. Queria ser visto.
Então… o que eu tava falando mesmo? Caixa eletrônico consertando… não; era comida da cachorra né? Hmmm… ah, não, lembrei. O menino disse, vai rápido, corre, e eu saí correndo mesmo, dentro do mercado, e peguei o primeiro pacote de ração que apareceu na minha frente. Só quando ele estava passando no leitor de código de barras, na hora de pagar, que eu vi que era de filhote. Aí teve que ser isso mesmo. Mas vai escutando… eu na maior pressa e já um pouco estressado, fui passar o cartão e deu não autorizado. Pedi pra tentar de novo, deu errado mais uma vez e…
bzzzz… bzzzz… bzzzz… BzzzZzz!!! – Foi então que ele começou a berrar.
Éé… então, o cartão não passou, eu fiquei ali muito sem graça… Bzzzz… eu ali sem graça e o pessoal achando bem ruim, aí você não acredita… bzzzz, bzzzz, Bzzzz… nossa você não faz ideia de quem foi que apareceu… bzzz, bzzZz, BzzZ, zZBzzz… justo naquela hora ela apareceu, é… sabe quem…? BZZZZZZZZZZ!!!
Naquele momento, ele saiu do bolso com um ar triunfante. Contudo, por precipitação, se perdeu entre os dedos vacilantes e, desenganado, acabou indo fatalmente beijar o solo. O fim da história pôde respirar em paz.
por Murilo Caliari
Escreve no meu texto.
O que?
Escreve no meu texto, seu maluco, você ouviu.
Eu...
Vai logo, rapido. Antes que eles vejam.
Quem? Ver?
Eles. Esses caras que ficam seguindo cada letrinha e juntando em palavra, onomatopeia, prosódia, pegando rabeira na nossa onda.
Murilo, não tô vendo ninguém.
Tá sim, Aluá. Não dá mole. Cada palavra que você geme eles copiam com os olhos.
Não seria melhor então nós dormirmos, ou... Quero dizer, ficar debaixo do edredom? Aí ninguém vê nada.
Nãão, meu caro, abstraia. Eles sacam os sons, é medida fonética. A gente só faz o movimento quando escrito.
Por que?
Porque somos palavras seu besta. Que podemos fazer além de dançar nos olhos desses bisbilhoteiros?
Eu não tinha pensado nisso. Você ainda quer que eu escreva no seu texto? Achei a situação um tanto irreal. Não entendo como pode sentir prazer dentro disso.
É uma coisa que meu avô fazia pra me sacanear e eu internalizei, entendeu?
Entendi um pouco agora. Mas então vou te pedir um favor.
Tá, pede. Anda.
Eu quero que você não leia nenhuma palavra até amanhã. Fecha os olhos, ouve a janela, calcula a distância do alarme do vigia noturno, resmunga e vê o cachorro confuso. Fixa no seu proprio olhar e aí esquece de mim.
Tá bem. Esqueço. Mas se vejo algo bonito, é porque um dia eu tive desejo. E eu vi um amigo que cantava exatamente a sua musica.
Você é uma cabeça oca. Não consigo entender nada que você fala.
Ótimo, então vamos dormir. Não é tão importante entender o porquê ou “como”. Basta saber diferenciar o que é eu e o que é você. Mesmo que fiquemos meio embolados no que foi visto e no que se vê. Qual é o sonho e quem é que sonha. Qual a idéia e qual meio ela se agarra pra ser veiculada. Aí já basta, meu bem. Dorme rápido, amanhã fará sentido.