CRÔNICA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO:

Pedro de Alcântara e a música Ontem ao Luar

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 23-10-2017 09:10 | 8009
Heloisa de Alcântara, acompanhada de seu marido,  concedeu entrevista à revista O Cruzeiro, em 1971,  explicando que o seu avô Pedro de Alcântara era autor da melodia de Ontem ao Luar. As partituras orginais estavam com a Tia Carmelita, em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais
Heloisa de Alcântara, acompanhada de seu marido, concedeu entrevista à revista O Cruzeiro, em 1971, explicando que o seu avô Pedro de Alcântara era autor da melodia de Ontem ao Luar. As partituras orginais estavam com a Tia Carmelita, em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais Foto: Reprodução

Pérola da memória poética brasileira, a belíssima letra da música Ontem ao Luar foi escrita pelo poeta e músico Catulo da Paixão Cearense, sendo a melodia de autoria do flautista e compositor carioca Pedro de Alcântara, nascido no ano de 1861. Desde as primeiras gravações da década de 1930, a música conquistou grande sucesso na voz de interpretes famosos como Vicente Celestino, Paulo Tapajós, Altemar Dutra, Fafá de Belém, Marisa Monte, entre outros. 
Em 24 de julho de 1971, a revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro, campeã de circulação nacional daqueles anos, publicou uma reportagem especial sobre o tema musical do filme Love Story, que estava em seus momentos sublimes de sucesso. Atrás das sedutoras luzes da sétima arte, havia alguma coisa errada! O tema musical do filme estava no centro de uma polêmica: era plagio da melodia de Ontem, ao Luar. 
Um detalhe da reportagem desperta a atenção do leitor atento, pois o texto da reportagem menciona a cidade mineira São Sebastião do Paraíso, onde estariam discos e partituras originais de Ontem ao Lugar, sendo preservados por descendentes do compositor. Mesmo antes de ter surgido a denúncia de plágio na imprensa nacional, muitas pessoas, ao assistirem ao filme ou ouvir o disco, pressentiam grande semelhança com a melodia composta por Pedro de Alcântara. 
Esta crônica retorna a essa história, ocorrida há mais de 50 anos, porque existe uma ligação emocional com a nossa querida terra, onde residem descendentes do ilustre músico carioca. São os membros da grande família Pinheiro de Alcântara. Um dos três filhos do famoso compositor Pedro de Alcântara, chamado João Pedro de Alcântara, casado com Carmelita Pinheiro de Alcântara, fixou residência em Paraíso, lá pelos idos de 1930, para trabalhar na agência local dos Correios e Telégrafos. 
João Pedro e Dona Carmelita tiveram doze filhos, conforme relembra um conterrâneo agraciado pelos anos longevos. Entre os membros dessa grande irmandade, tão conhecida dos anos 50, está José Hilton Pinheiro de Alcântara, locutor de belíssima voz da Rádio Difusora Paraisense, onde animava programas dominicais de auditório. Outro membro da mesma irmandade era o saudoso bancário Antônio Carlos Pinheiro que se casou com a professora Dirce Pedroso Brigagão Alcântara. 
Além do José Hilton e Antônio Carlos, faziam parte da mesma irmandade: Hélio, Wilson, João de Deus, Luiz, Pedro Sérgio, Eny, Edith, Maria Carmelita, Maria Hélia e Maria Zilda, conforme relembrou um leitor da Gazeta Paraisense, página de um grupo do Face-book, criado para relembrar histórias e memórias de Paraíso. 
A polêmica gerada pelo plágio levou a citada revista a solicitar uma análise feita por maestros profissionais, que comprovaram o fato do autor do tema musical do filme ter copiado parte da melodia de Pedro de Alcântara. Aliás, esse não foi o único episódio de plágio envolvendo os produtores do filme Love Story. Para disfarçar o delito, o produtor musical gravou em compassos diferentes, conforme comprovaram os maestros ao analisarem as duas partituras. Porém, foram unânimes em afirmar que essa pequena diferença no compasso não seria suficiente para eliminar o plágio. 
Na época da reportagem, o filme estava no auge do sucesso, em momento de glória e magia, na lista dos campeões de bilheteria que podem até seduzir, mas acabam caindo no esquecimento. O disco da trilha sonora também alcançava sucessivos recordes de vendagem. No Rio, o sucesso do filme podia ser avaliado por enormes filas formadas nos cinemas da cidade, que chegaram a exibi-lo em sessões contínuas, sempre com lotação esgotada. O livro também batia recordes de faturamento, com várias edições sucessivas, pois, entre os motivos do sucesso estava a beleza das notas musicais criadas por Pedro de Alcântara e que ficavam gravadas na memória afetiva de quem assistia ao filme.
A reportagem foi publicada no momento em que os produtores do filme estavam envolvidos em processos internacionais, relacionados a autoria de temas musicais. Foi divulgado que os brasileiros podiam também entrar na disputa jurídica, pois, naquele momento não havia mais dúvida de que Ontem ao Luar, conhecida por várias gerações de brasileiros, tinha sido plagiada pelos produtores do filme. Peço desculpas ao leitor para expressar um juízo de valor, reforçado ao longo dos anos: atrás de um aparente sucesso pode haver o mais profundo fracasso. As luzes podem seduzir!
Naquela época, uma das netas do compositor Pedro de Alcântara, Dona Heloisa, e seu marido procuraram a redação da revista para registrar a correta autoria da música, cuja letra era de autoria de Catulo da Paixão Cearense, mas a melodia era de autoria de Pedro de Alcântara. Anteriormente, outra reportagem publicada na mesma revista fazia referência apenas ao autor da letra, e tal retificação deveria ser feita por uma questão de ética autoral. O que motivou a revista a fazer a reportagem sobre o tema.
Professora primária e formada em Enfermagem, Dona Heloisa morava no Rio de Janeiro. Herdara do seu avô paterno o gosto pela música, pois desde a infância tocava violino e bandolim. Seu marido, Sebastião Bernardi era oficial farmacêutico do Exército. Para o editor da revista, a única intenção do casal era solicitar a retificação da autoria da melodia, afirmando que eles não tinham outras pretensões, tal como mover processo de indenização e nem mesmo fazer sensacionalismo com o assunto. 
Pedro de Alcântara nasceu quando ainda brilhavam as luzes sedutoras da corte do Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1861. Faltavam ainda quase três décadas para o advento dos primeiros passos do regime republicano. Desde a infância, revelou vocação diferenciada pelas letras musicais. Tornou-se flautista entre os maiores do seu tempo e teve a glória de deixar seu nome na história da música brasileira. Com apenas 15 anos, tocou em público, pela primeira vez, numa missa solene celebrada no Outeiro da Glória, em 1881. Estava presente essa oportunidade nada menos que o Imperador Pedro II, que se encantou com a maestria do jovem músico e a suavidade das notas musicais proferidas com sua flauta de prata. 
Em 1886, Pedro de Alcântara casou-se com Dona Elvira de Souza Alcântara e o casal teve três filhos: uma menina, falecida ainda na primeira infância, e os meninos João Pedro e Sérgio, que herdaram a paixão pela música. Sérgio de Alcântara, de quem Dona Heloisa Bernardi era filha, tocava violino e acompanhava o pai em concertos. 
Antes de se dedicar à carreira de músico, Pedro de Alcântara foi funcionário dos Correios e Telégrafos, no Rio de Janeiro. Deixou esse emprego para se dedicar à sua vocação maior que era a música. Apresentava-se em teatros, cinemas e bailes e foi conhecido como excelente flautista. Apresentava-se nos cinemas Odeon, Americano e Atlântico e sua casa era frequentada por músicos, como Quincas Laranjeiras, Ernesto Nazareth, Villa-Lobos, Catulo da Paixão Cearense, entre outros. Seu último concerto foi na cidade mineira de Sete Lagoas, em 3 de agosto de 1929, quando estava acompanhado do seu filho Sérgio de Alcântara, no violino, e de Geralda da Mata ao piano. Poucos dias depois, faleceu na mesma cidade, em 29 de agosto de 1929.
Convidado a expressar seu parecer sobre o plágio, o maestro Eleazar de Carvalho afirmou que as notas eram exatamente as mesmas, observando que apenas os “acidentes” não conferiam. O tema musical do filme era uma cópia ipsis verbis da melodia composta por Pedro de Alcântara. Afirmou que havia algumas modificações de notas nos acordes do filme, pois, Pedro de Alcântara, em Ontem ao Luar, usou o compasso binário e Francis Lal, no tema musical de Love Story, fez uso do quaternário.

Registro fotográfico de apresentação do  flautista Pedro de Alcântara, publicado na revista  O cruzeiro, Rio de Janeiro, edição de 24 de julho de 1971
O Cruzeiro (Revista), Rio de Janeiro, 24 de julho de 1971
O Cruzeiro (Revista), Rio de Janeiro, 24 de julho de 1971