por André Rodrigues Pádua
Dia desses fui fisgado, no oceano virtual, por uma matéria que dizia que um professor universitário estrangeiro ficou surpreso com o fato de que uma considerável porcentagem de alunos de diversas universidades renomadas ao redor do mundo não havia lido um livro sequer, do começo ao fim, durante a graduação [aliás, você que está lendo, já terminou tudo o que precisava da faculdade?].
Não era exatamente isso, então trabalharemos com o algo mais ou menos assim. Tentei retornar a essa reportagem para fazer uma digressão com maior precisão, mas a boca do lixo eletrônico já a havia mandado para seu anônimo e absoluto trato digestivo [por falar nisso, você conferiu se recebeu alguma coisa no e-mail hoje?].
Como o leitor há de concordar - e de forma contraditória com a reação do referido professor - a constatação não foge da redundante ordem do normal [e o novo anúncio do governo, já acompanhou?]. O prazer, na leitura, decorre de encará-la enquanto atividade com dignidade própria, sem "para" e sem "quando". Sua fluência depende de uma tranquilidade desinteressada, ainda que se pretenda obter qualquer utilidade de seu conteúdo [a fatura do cartão já está paga?].
O contrassenso de tudo é que se espera que os alunos - e que a população no geral - possam galgar quilômetros de páginas e letras, ao mesmo tempo em que se lhes rouba os sapatos, isto é, o silêncio imprescindível para tanto [ah, falando em sapato, não esquece de conferir as ofertas da Black Friday]. Como fazer, nessas condições, uma leitura orientada para nada? Os reclames profissionais e econômicos exigem que não nos desviemos dos trilhos do pragmatismo [você não deveria estar fazendo alguma coisa de mais útil?] e que não nos detenhamos nas estradas barrentas das digressões, nem nos desperdicemos com os descaminhos das paisagens inventadas [assim, à toa, você não vai conseguir pagar a viagem para o Macchu Picchu]. Impõem, em suma, a dureza da linha reta, enquanto a verdadeira leitura - aquela que acolhe, nos submerge e coloca nossos neurônios a dançar - é a mais curva das atividades humanas [essa semana você precisa ir à academia pelo menos quatro vezes].
Bom, dito isso, este texto ocioso já tem durado tempo demais e nós temos outras coisas para fazer e ler [aproveita e confere se alguém te chamou no whatsapp]. Mais tarde voltamos a ele e tentamos terminá-lo. Talvez, vai saber, concluir uma crônica indolente - pra não dizer outra coisa - seja o primeiro passo para que consigamos chegar ao final de um livro [não se esqueça de atualizar sua lista de próximas obras para serem lidas].
por Murilo Caliari
Cara amiga,
Esses dias o Leandro subiu aqui na fresta e depois desci pra mostrar os ingredientes da gua-camole que ele ajeitaria pra nossa dinâmica com os convidados. Vou começar de novo...
Meu bem,
Esses dias eu andei de um lado pro outro até ficar zonzo. Enfiei a mão no bolso da calça e encontrei um papelzinho que não sei onde nem quando veio até mim. Nele, estava inscrito: A sorte está lançada.
A culpa é uma faca sem corte que te atrapalha a cozinhar. Peguei meu telefone para ligar pra você imediatamente e foi assim que percebi que ele já não funcionava. Pensei ser a fiação. Por incrível que pareça, quando apertei o interruptor a luz não acendeu. Era de tarde, não era noite. Nem lembrava como tinha parado naquela casa. Naquele quarto. E as palavras do papelzinho me saltavam aos olhos A sorte está lança-da. Que sorte estranha a minha... ter encontrado um papel no bolso. Fui lavar meu rosto, mas da torneira não saia água.
E então me lembrei de você. Tentei elaborar o meu sentimento, mas ele só parece vir manchado de culpa, irresponsabilidade afetiva, egoísmo...
Devo arrumar meu telefone, ligar o quadro de energia, abrir o registro, tomar um banho, escovar os dentes, tomar meus remédios e te pedir desculpas.
Eu me envergonho do jeito que te tratei na última vez que nós vimos. Me arrependo amargamente de não ter falado com você esse tempo todo sobre os seus e os meus sentimentos. De ter não mandado os seus textos quando me pediu. De ter sido irresponsável, machista entre outros maus adjetivos. Espero que você possa me perdoar. E que possamos reescrever outros fins.
Com ternura,
Murilo.