por André Rodrigues Pádua
Não há coisa que a gente tente para a qual não apareça alguém nas redes sociais nos testando a fé.
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Afora as questões éticas envolvendo toda essa venda de fumaça, cada dia eu entendo menos o mal-estar de toda a gente com os ponteiros. Mais, fico temeroso de onde esse tipo de raciocínio pode levar: logo logo aparece um querendo nos convencer de que o que é mesmo bom é pular do berço direto pro caixão.
partes 4 e 5
por Murilo Caliari
Ontem enchi a cara. Tenho umas economias guardadas. Elas são reservadas para a embriaguez. A melhor companhia que encontro agora são as latas boêmias. O moço da adega me disse, depois que comentei a respeito do término, ele me disse: “só sofre de amor quem não tem dinheiro pra beber”. Pois que eu arranje dinheiro urgente, a dor não cessa e preciso encher meu copo.
Estive emaranhado nas memórias do início da relação. Quando ela morava na Avenida do Café e andávamos até os hortifruts. Quando ela me acompanhava nas bancas de revista e eu comprava um gibi da Mônica. Quando nós cozinhávamos comida saudável e eu fumava na janela. Ela nunca gostou do cheiro do cigarro. É como um repelente a fumaça tóxica. Afasta os mosquitos e as pessoas que mais gostamos. Eu sinto muito por tudo que aconteceu depois. E depois de sentir tudo de novo, como se fosse pela primeira vez, solto a caneta e com os cotovelos na mesa, suspendo o peso da minha cabeça na palma das mãos.
Vendi meu notebook e minha biblioteca no mercado livre ponto com. Os arquivos que tenho ficaram armazenados no hd externo que comprei na blackfriday por 90 reais. Meu computador, vendi por 1200. Dois meses de comida mais ou menos. Pensando em gastar 20 reais por dia no máximo, daria 2 meses. As bebidas são outro assunto. Decidi que não vou procurar casa de aluguel. Pensei em beneficiar meu amigo dono do hotel com presentes manufaturados. Quem sabe assim ele estende meu prazo.
Tenho trocado mensagens com Isadora. Ela mora na Argentina. Pretendo ir pra lá. Estudar, morar.
O país está vivenciando uma crise econômica. Ao menos, está melhor que o Brasil que enfrenta a crise sanitária sem sossego.
Hoje é domingo, e pra sair do sedentarismo, desci o elevador e virei a esquina. Pedi para o recepcionista do Othon Palace me deixar visitar o terraço. Não havia um único hospede lá. Pedi café expresso para o garçom. Trouxe meu caderno, a câmera. De lá pude ver o museu da moda. A faculdade de Direito, a rua a Bahia. Ouvi dizer que este hotel Othon Palace não vai durar muito tempo. Boa notícia para o San Marino que tem inovado e recebido mais clientes a cada temporada. Eles estão investindo em bons cafés da manhã.
No café da manhã, no San Marino, pego o jornal, dou uma rápida passada de olho nas manchetes, enquanto levo o garfo com manga fincada à boca. Nada prende minha atenção. Minha obsessão é o que não deu certo. Meu namoro, perdido no túnel do tempo. Ela vivendo a vida dela. Eu projetando meu futuro. Querendo provar ser forte na dor desse coração partido com faca de serrinha.