O 23º Congresso Internacional de Antropologia Iberoamericana, realizado na Universidad Católica del Norte e na Universidad de La Serena, ambas do Chile, reuniu pesquisadores do Brasil, México, Argentina, Venezuela, Espanha e Chile entre os dias 1 e 4 de outubro. Tendo como temática o “Diálogo intercultural: religiosidades populares, música e migração”, o evento contou com a presença de aproximadamente 70 professores e pesquisadores das áreas de humanidades a fim de compartilhar conhecimentos e debater sobre temas atuais dos países envolvidos. Ano passado o congresso foi na Espanha e em 2018 será no Brasil, tendo a cada ano uma temática diferenciada. Nesta edição, entretanto, as Folias de Reis, um tema bem próximo da realidade dos que vivem ou conhecem Minas Gerais foi levado ao debate pela professora da Libertas Faculdades Integradas e pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Paula Horta.
Professora da Libertas Faculdades Integradas, doutoranda em Ciências Sociais pela Unesp e mestre em História pela USP, Ana Paula estuda as Folias de Reis mineiras há mais de dez anos: “Comecei a estudar Folias de Reis em 2004 e em 2011 defendi minha dissertação de mestrado, mas saí da academia por alguns anos para me dedicar à criação da minha filha e ao trabalho numa área que não era universitária. Quando fui convidada a dar aulas na Libertas, há três anos, retomei o sonho de voltar aos estudos de forma oficial e agora estou fazendo doutorado e devo isso muito ao incentivo e apoio da diretoria da Libertas”, conta a professora.
Mesmo residindo em Paraíso e estudando em Araraquara, ela tem participado de congressos em várias regiões do Brasil e no exterior: “Neste primeiro ano de doutoramento, já me apresentei em seis congressos, sendo dois internacionais e quatro nacionais, todos em reno-mados centros de pesquisas. Para cada congresso produzo um texto diferente, com enfo-ques distintos, mas sempre sobre festas e práticas religiosas populares do Brasil. Mês que vem estarei na Universidade Federal de São Carlos e assim pretendo fechar um ano muito produtivo”, explica Ana Horta.
Sua apresentação no Chile teve como título “Folias de Reis e uso de máscaras: superando a oposição clássica entre sagrado e profano”. Segundo ela, o enfoque preferencial foi dado ao palhaço, personagem curioso e que rende um inesgotável arsenal de interpretações. A pesquisadora explicou que a origem da figura do palhaço está relacionada à figura de Herodes e que isso é a chave para muitas reflexões. “Os próprios foliões dizem que os palhaços eram os melhores soldados de Herodes que chegaram primeiro à gruta onde estava o Menino Jesus e sua família. Tocados por Deus os soldados não conseguiram matar o Menino, tal qual estavam destinados por Herodes. Eles então se mascararam e fizeram o caminho de volta e, ao se encontrarem com outro grupo de soldados, sem serem reconhecidos os distraíram com brincadeiras e bebidas noite adentro. Esse fato, segundo narram os foliões foi responsável pela êxito da fuga para o Egito, episódio bíblico que dá origem ao Cristianismo. Os foliões levam a Bandeira como mensagem cristã, mas também levam junto os mascarados, que representam o mal e a conversão. Procurei falar sobre a relação entre Bandeira e Máscara nas Folias de Reis a partir da perspectiva da ambivalência do sagrado, considerando a primeira pertencente à esfera do ‘sagrado puro’ e a segunda à esfera do ‘sagrado impuro’, ultrapassando assim a perspectiva de oposição filosófica clássica entre sagrado e profano”, explanou.
Ainda no Chile, a pesquisadora participou de uma festa religiosa que atrai milhares de pessoas, a Festa de Nossa Senhora de Andacollo, realizada em Coquimbo. “A festa dura dias e eu estive apenas no domingo, no último dia da festa. A missa foi celebrada com a presença de uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, em solidariedade ao irmãos mexicanos vítimas de terremotos. Após a missa, presenciei uma das manifestações mais lindas de toda minha vida, em ternos de dança, musicalidade e fé. Fiquei com vontade de voltar lá nos próximos anos, estudar essa festa e escrever algo comparativo com as nossas Congadas, pois a performance corporal dos grupos é muito parecida, ou seja, a dança das Congadas e Moçambiques de Paraíso e os bailes chinos, como chamam as danças para a Santa de Andacollo, são quase a mesma coisa embora as músicas sejam totalmente diferentes”, enfatizou a professora.
Cabe destacar que o Congresso Internacional de Antropologia Iberoamericana é uma iniciativa da Universidade de Salamanca (Espanha) e é reconhecido em nível internacional em função do intercâmbio de ideias e pesquisas que promove ao reunir profissionais de áreas tão diversas como são a sociologia, a história, filosofia, as ciências da música, a religião, a política, a literatura, entre outras.
“Foi um crescimento pessoal e intelectual incrível compartilhar o que sei sobre Folias de Reis com pessoas de diferentes países que pesquisam outras manifestações culturais até então desconhecidas por mim. Voltei com muitos livros que ganhei de colegas, mas especialmente voltei mais animada a seguir firme na minha missão de estudar as festas religiosas populares do Brasil. Minha tese é sobre a influência do processo de globalização sobre os rituais e as culturas. Hoje em dia estamos vendo a espetacularização dos rituais, isso quer dizer que tudo está se transformando num espetáculo que vem sendo apropriado pela indústria do turismo e do entretenimento, pelos interesses políticos, pelo setor hoteleiro e pelo comércio. É preciso estudar e pesquisar muito esse tema tão relevante para o Brasil e para vários países ibero-americanos”, finaliza Ana Horta.