196 ANOS PARAÍSO

O caso do meu tio

Por: Redação | Categoria: Cidades | 25-10-2017 10:10 | 1768
Sebastião Pimenta Filho é um colecionador de  história
Sebastião Pimenta Filho é um colecionador de história Foto: Arquivo: Nelson P. Duarte

A meu ver, não se pode criar personagens a não ser que se tenha estudado muito o comportamento humano, da mesma forma que não se pode falar uma língua a não ser que ela tenha sido aprendida a fundo. Não tenho facilidade para inventar, contento-me em narrar.
Incito o leitor a se convencer da veracidade desta história. Este incidente aconteceu na região rural de Paraíso. Assim, veja como os detalhes chegaram ao meu conhecimento. O personagem, médico obstetra que passo relatar tratava-se de meu tio, irmão de minha mãe.
Certa ocasião ele contou-me a seguinte história: “Foi numa noite de inverno gélida com ventos que uivavam nos telhados, quando foi acordado pela empregada dizendo que havia um homem à minha procura. Uma consulta? Perguntei. Não senhor. Creio que ele deseja que o senhor o acompanhe a algum lugar. E parece muito agitado”.
Meu tio disse ter descido as escadas ao encontro daquele senhor que lhe fez um pedido: “Gostaria que fosse ver minha esposa. Tenho um carro de praça esperando à porta. Qual o problema? Um parto”, respondeu-lhe.
A paciente estava em um sítio a vinte quilômetros de Paraíso. “Sem perda de tempo peguei minha maleta com todo instrumental e medicamentos e partimos. Chegando ao local deparei-me com a parteira e a parturiente desolada. Depois de horas tentando reverter o quadro, o marido entra no quarto e disse simplesmente: se minha esposa morrer o senhor também não sairá vivo, e engatilhou o pequeno revólver que trazia no bolso do casaco. Então insisti em leva-la para a Casa de Saúde, em Paraíso, mas ele negou categoricamente.
Não tive outra alternativa, continuei o trabalho. Depois de certo tempo a criança nasceu para meu alívio e da pobre esposa. Ao sair disse-lhe: “Cuide de sua patroa e dê-lhe esses medicamentos quando ela acordar”.
O carro estava à porta, e o psicopata, se assim posso defini-lo, disse ao chofer: Leve o doutor à sua casa, ele precisa de cuidado. Diga a sua família que ele sentiu “mal estar” quando atendia a um doente.
Finalizando, meu tio disse ter sido o pior momento que passou em sua profissão.
Os que conheceram meu tio sabem de seu desprendimento, modéstia, julgamento e sua intuição fora do comum que deixou memória que perdura até hoje nos que foram seus clientes, nos anos 50.
É bom recordar que meu tio foi um dos fundadores da Casa de Saúde, e o prédio ainda existe. Está localizado à rua Dr. Placidino Brigagão, esquina com a rua Genaro Joele.
Relato de minha memória. 
(Do livro “O Retorno da Caneta Tinteiro”.
SEBASTIÃO PIMENTA FILHO, membro da Academia Paraisense de Cultura.