196 ANOS PARAÍSO

Duas caixas de Maria-Mole

Por: Nelson Duarte | Categoria: Cidades | 25-10-2017 13:10 | 1569
Foto: Reprodução

Participei de memoráveis carnavais. Como músico, pois na verdade nunca me apeteceu brincar nos salões, ou participar de escolas de samba, não obstante me contagiem sobremaneira. Mas mal terminava um, já estávamos de olho no próximo. Em parte, isto se explica pelo cachê que vinha “reunido”. Era voz corrente entre músicos que “a paga” do carnaval, era uma espécie de décimo terceiro salário para os que atuavam em orquestras e bandas de baile, porque dado aos costumes religiosos da época, clubes não realizavam bailes na quaresma, músicos “entravam em quarentena”, e depois de trabalhar na folia de Momo, somente no sábado da Aleluia.
Nos palcos, era uma espécie de folia traduzida no prazer de levar a alegria, e vê-la acontecer, na participação, cada qual a seu modo, na convivência com músicos trazendo a experiência de alguns carnavais, com muitas histórias, muitas risadas, daquelas de até doer à barriga, algo que não tem preço. 
A prosa boa era ao final de cada uma das quatro noites, na hora do tradicional lanche. Dentre tantas lembranças destas ocasiões, lembro-me de uma marcante, na Sociedade Recreativa Operária (Liga), pela criatividade, espírito amigo e senso de humor de membros da diretoria, à época presidida pelo sempre lembrado Argemiro de Pádua, ex-prefeito de Paraíso.
Quem o conheceu lembra-se de seu gênio alegre, expansivo. Atencioso, sempre cortês, Argemiro recomendou à pessoa encarregada, que o lanche fosse preparado para ser servido quentinho aos músicos, ao final daquela primeira noite de carnaval. E assim foi feito. Com seu gesto característico, esfregando as mãos, questionou se estávamos satisfeitos, o que foi respondido afirmativamente, pelo maestro Geraldo Borges Campos (saxofonista), seguido pelo trombonista João Marques (Zito), cantor Antonio Pereira, enfim, em coro, por quase todos. Quase, porque Argemiro fez uma pergunta direta ao meu companheiro de percussão em alguns carnavais: “E você Luiz, gostou?”
- Seu Luiz, era pessoa queridíssima. Tocou bumbo por muitos anos na Banda de Música. Funcionário municipal foi responsável pela Praça Comendador João Alves, mais especificamente pela Fonte Luminosa, por bom tempo. Por trás do semblante sério era um brincalhão de marca maior. E não perdeu a oportunidade. Em meio ao convidativo cheiro de coxinhas, pastéis, quibes e empadinhas de dar água na boca, respondeu para Seu Argemiro que não estava satisfeito, pois gostaria de comer “Maria-Mole”, pegando o presidente da Liga no contrapé. 
“Ô sô, infelizmente hoje não temos”, justificou Seu Argemiro.
Madrugada seguinte, tocamos a marcha “Zé Pereira”, anunciando aos foliões o final de mais uma noitada. E vamos nós, “refrescar a palavra” e “dar uma forrada no estômago”. Pessoal reunido, garçons solícitos, eis que chega Seu Argemiro acompanhado de alguns diretores, os mesmos que estavam com ele na noite passada, Carlos Franchi, Irineu Inácio, Benedito Crisóstomo, Seu Jorge (trabalhava no IBC). Sem deixar transparecer o próximo ato, veio a pergunta: “Pois é, Luiz, o que você pediu para comer ontem?”
- Maria-Mole, respondeu de pronto. 
Foi a conta. Entregaram-lhe duas caixas da guloseima, uma das brancas, outra de coco queimado. E o riso tomou conta do ambiente.
Numa demonstração carinhosa de amizade, possivelmente Argemiro de Pádua se socorreu com o Bar 17 (portas abertas 24 horas por dia), para conseguir as Marias-Moles. Caso contrário, com o representante da empresa “Confiança”, cujo caminhão azul se incumbia de distribuir iguarias pela região, e em pleno domingo pode ter acudido o presidente da Liga. 
Liga Operária, Clube Paraisense, Praça de Esportes Castelo Branco, cidades da região, interior de São Paulo. Foram muitos carnavais, muitas histórias.
Os salões sempre cheios embalados por marchas, frevos, ranchos e sambas, penso, foram gradativamente esvaziados pelo modismo do aché. Deu no que deu. Hoje em dia, num passe de esperteza, marqueteiros conseguiram enfiar “sertanejos universitários” na programação carnavalesca, e são anunciados com pompas e circunstâncias, até em Salvador. Preciso dizer mais?