Virgilio Pedro Rigonatti *
A cidade de São Paulo no final do século XIX, como vimos em crônica anterior, recebeu os ricos barões do café e os milionários exportadores e importadores, fugidos da febre amarela que grassava nas cidades de Campinas e Santos, respectivamente.
Além dos palacetes para abrigar seus familiares, cada qual fazendo um maior e mais bonito que o do outro, os novos e poderosos moradores investiram para equipar a cidade com novas edificações para escritórios, teatros e outras finalidades necessárias para atender a demanda de crescimento que agitava o modesto povoado.
Como a cidade carecia de bons artesãos e profissionais de modo geral, recorreu-se a convidar europeus para suprir a falta de mão de obra especializada. Ao mesmo tempo, prevendo um ritmo acelerado de crescimento, foi criado o Liceu de Arte e Ofícios para a formação de profissionais. Para abrigar a escola foi erigido um enorme prédio ao lado de um parque já existente e organizado nos, então, arredores da cidade, em frente à estação da estrada de ferro que cortava a cidade.
Esse prédio foi projetado pelo escritório do engenheiro Ramos de Azevedo, que havia se formado na Europa e que faria enorme sucesso, sendo responsável pela criação dos projetos de vários prédios, como do Teatro Municipal, que marcaram uma época e, até hoje, muitos embelezam a paisagem paulistana.
Neste prédio do Liceu, foi montado um museu de arte para abrigar as criações de artistas consagrados e de novos talentos, recebendo o nome de Pinacoteca. O edifício em si já é uma obra de arte. Com paredes de tijolo aparente e pé direito alto, é um encanto, causando admiração. Com o tempo o museu ocupou todo o espaço e promove e expõe, além das obras de seu acervo, a arte de diversos criadores em caráter temporário. Muitas exposições são de arte contemporânea que estimula a interatividade da obra com o visitante. Muitas delas exploram e desafiam os sentidos do observador, provocando reações mentais interessantes, prazerosas e estimulantes. Vale a pena uma visita e curtir as intrigantes e instigantes criações.
A Pinacoteca abriga uma charmosa lanchonete com uma área externa de onde o visitante poderá se recompor tomando um cafezinho admirando a beleza do Parque da Luz.
Bem em frente ao museu, ergue-se majestosamente o prédio da Estação da Luz. Construído por engenheiros ingleses, a edificação segue o estilo britânico, com direito, inclusive, a uma réplica do Big Ben, famoso relógio londrino.
A estação foi erigida para atender a crescente demanda dos seus novos moradores. Os comerciantes santistas subiam ao planalto para passar os finais de semana com a família, retornando às segundas-feiras ao trabalho. Os fazendeiros de café demandavam suas propriedades no interior, indo a sós para inspecionar os trabalhos de suas lavouras ou acompanhados pela família para passar as férias no campo.
Com gente tão importante assim, impunha-se uma obra imponente para deixar patente a relevância que a renovada cidade alcançava no cenário nacional.
Por suas belas e aristocráticas dependências, passaram artistas nacionais e internacionais, troupes famosas europeias, políticos, diplomatas, diversas autoridades e até reis.
No tempo que a estrada de ferro era o único meio de transporte confortável disponível – a alternativa era lombo de cavalo, ou mulas, e carroças – as dependências da Estação da Luz vivia coalhada de figurões que viajavam de primeira classe ou leitos, tendo direito ao aconchego de um vagão restaurante de luxo. O povo demandava, também, a estrada de ferro, viajando desconfortavelmente em bancos de madeira, a segunda classe. Porém todos se encontravam na Estação de Luz, saindo ou entrando, naturalmente por escadarias diferentes de acordo com as condições das passagens.
Eu, particularmente, guardo ótimas e saudosas recordações desta gare. Crianças, eu e meus irmãos, levados por nossa mãe, Maria Clara, começávamos nossa viagem à Itamogi pelas dependências da Estação da Luz. Chegávamos pelo trem suburbano e subíamos as escadarias para alcançar a passarela que nos levava à outra plataforma para pegarmos o trem da Paulista. Esta companhia transportava os passageiros para o noroeste do estado de São Paulo. Nós descíamos em Campinas e fazíamos baldeação para a Mogiana, ainda com a famosa Maria Fumaça, que seguia para Casa Branca, subdividindo-se então na composição que seguia para Ribeirão Preto e outra para Passos. Esta nos levava até nosso destino.
A imponência do prédio da Estação da Luz nos deixava deveras maravilhado e algo intimidado. Sentimentos que também tocou minha mãe quando desembarcou, em 1945, nestas dependências pela primeira vez, chegada, ela e meu pai, logo após seu casamento em Itamogi, de acordo com suas próprias palavras.
Com o advento dos automóveis, melhoria das estradas e a concorrência da aviação civil, o trem foi perdendo sua importância para as viagens longas. Hoje, muitas localidades não têm mais estradas de ferro, substituídas por automóveis e ônibus confortáveis que levam bem menos tempo para atingir suas localidades. A estação abriga, atualmente, os trens que servem a região metropolitana e, no subsolo, os vagões do metrô.
A estação da Luz não manteve o charme dos românticos tempos que a estrada de ferro era, praticamente, o único meio de transporte. Hoje, suas dependências são tomadas por levas de trabalhadores que chegam ao trabalho ou vão para a casa no subúrbio, cansados e viajando em trens desconfor-táveis e lotados.
Entretanto, o prédio mantém sua altivez e imponência. Em suas dependências, abrigou o Museu da Língua Portuguesa, que sucumbiu a um terrível incêndio, incinerando todo o material exposto.
O conjunto formado pela Pinacoteca, Estação da Luz e o Jardim da Luz traz um encanto especial para a cidade, que, se não é considerada um exemplo de beleza, abriga encantadores locais que merecem ser visitados e admirados.
* Virgilio Pedro Rigonatti, Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca