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Rivelino de Castro Maia: Bombeiro como a melhor opção de vida

Por: Heloisa Rocha Aguieiras | Categoria: Cidades | 13-03-2017 13:03 | 2530
Subtenente Maia diz que a corporação paraisense é privilegiada na qualidade de seu contingente
Subtenente Maia diz que a corporação paraisense é privilegiada na qualidade de seu contingente Foto: Heloisa Rocha Aguieiras

O subtenente e subcomandante do 2º Pelotão de Bombeiros Militares em São Sebastião do Paraíso, Rivelino de Castro Maia, passou por todas as funções dentro  da corporação e imprimiu a sua marca registrada, uma combinação de seriedade com simpatia; humanismo com coleguismo, e isso faz dele uma personalidade ímpar dentro da instituição e por onde passa. Um homem devotado ao que podem ser considerados os seus pilares de sustentação: Deus, a família e o trabalho.

Jornal do Sudoeste – O seu nome foi uma homenagem ao jogador de futebol?
Rivelino de Castro Maia – No momento em que eu nasci, em 1973, meu pai estava seguindo o jogo pelo famoso radinho de pilha que todo brasileiro tinha, e o jogador Rivelino fez um gol pelo Corinthians. Nem por isso sou corintiano, tenho mais juízo que meu pai teve (diz em tom de brincadeira), aliás, não tenho um time de minha preferência.

Jornal do Sudoeste – Quais são suas origens?
Rivelino de Castro Maia – Meu pai, Otaviano da Silva Maia, foi encanador, faleceu em dezembro de 2015. Foi um grande homem. Minha mãe, Rita da Trindade Maia é uma das grandes paixões de minha vida e vive em nossa terra natal, Ouro Preto. Somos lá daquelas montanhas onde se deram os primeiros brados de liberdade e onde vivi até os 20 anos; adoro aquela terra, lá as pessoas respiram história, vemos casas que pertenceram a nomes de destaque que fizeram os fatos de nosso passado, onde moraram os Inconfidentes.

Jornal do Sudoeste – Como é a família que você construiu?
Rivelino de Castro Maia – Sou muito bem casado com a Valdenice e tenho três filhas: A Núbia, que tem 17 anos e meio; a Rayla de 12 anos e meio e a Brenda, com nove anos. Sou muito ciumento com as três, ou melhor, sou é zeloso. Estou em uma família de mulheres e elas me classificam como conservador, sério e sargentão, mas sabem explorar meu lado amoroso. Sou daqueles que faz questão de que todos almocem juntos à mesa, desliguem a televisão e o whatsapp, quero preservar o que é para mim um momento sagrado. Acredito que um dos males mais sérios de nossa sociedade é a desestrutura familiar e eu prezo demais por minha família.

Jornal do Sudoeste – Por que você escolheu ser bombeiro?
Rivelino de Castro Maia – A maioria dos colegas diz que tinha o sonho de infância de ser bombeiro. É a figura do herói na imaginação de muitas crianças. Atualmente o jovem não tem esses ícones como exemplos. Mas eu entrei nos Bombeiros para ingressar no serviço público. Sou formado pela Universidade Federal de Ouro Preto em Metalurgia, me formei na era Collor, com um cenário de insegurança. Entrei nos Bombeiros esperando que se vencesse a crise no país, mas me apaixonei pelo serviço. Com um ano na corporação eu já sabia que era isso que queria para minha vida. Consegui aliar os benefícios da carreira do serviço público com a possibilidade de ajudar o outro. Não entrei para ser Bombeiro por sonho, mas permaneci por opção.

Jornal do Sudoeste – Como foi o restante da construção de sua carreira?
Rivelino de Castro Maia – Fui designado para atuar em São Sebastião do Paraíso. Vim aborrecido porque queria ir para Ouro Preto ou perto, mas logo comecei a namorar minha mulher, porém a ideia era casar e voltar para lá, mas fui ficando aqui, inicialmente, por causa dela. Logo tive a felicidade de fazer o curso de sargento, após um ano de atuação e fui subindo nos patamares da carreira com relativa rapidez. Sou bombeiro há 23 anos.

Jornal do Sudoeste – Qual o caso que mais marcou você nesses anos?
Rivelino de Castro Maia – O bombeiro é uma somatória de profissões. Somos médicos, enfermeiro, psicólogo, veterinário e apagamos fogo. Há aquelas ocorrências positivas, que afagam nossa alma, como a realização de partos e vamos rapidamente ao extremo oposto, como quando alguém morre em nossos braços. Já fiz seis partos, há duas pessoas que não se esquecem disso e na data dos seus aniversários vão me visitar. As mais difíceis ocorrências são aquelas com vítimas presas nas ferragens em acidente, as que ficam conscientes e com a vida por um fio. Essa pessoa nos olha profundamente, se agarra à nossa farda e pede para que não a deixemos morrer porque ela precisa se encontrar com um filho. Com a nossa experiência e pelos ferimentos, sabemos que é grave, que ela vai desmaiar e vai falecer em minutos e nosso trabalho ainda vai demorar mais de meia hora. A gente assiste a isso, lutando contra a morte, já passei por isso inúmeras vezes. Lembro muito bem de um caminhão de carregamento de galinhas que tombou entre Guaxupé e Muzambinho e o motorista que era de Patos de Minas, estava preso nas ferragens e pediu, por duas horas, para não deixá-lo morrer e não conseguimos tirá-lo do acidente com vida. As ocorrências envolvendo crianças também marcam muito, pois nos lembram de nossos filhos. Recordo de uma criancinha especial, que estava com obstrução respiratória devido à secreção, pois repirava por sistema de traqueostomia. A mãe nos ligou desesperada e tive a felicidade de fazê-la voltar a respirar em meus braços, mantendo-a viva até chegarmos ao médico.

Jornal do Sudoeste – Como você avalia a equipe dos bombeiros?
Rivelino de Castro Maia – Dou graças por atuar como bombeiro e por estar trabalhando com essa “família Bombeiro Militar”. Tivemos muitas baixas há pouco tempo com aposentadorias de colegas que ajudaram na minha formação. O material humano de Paraíso é especial. Ninguém aqui é bombeiro para ter um emprego. O pessoal se desdobra. Um exemplo é o que aconteceu nessa semana, com o trabalho normal da escala, com a equipe das 24 horas e outra equipe, que estaria de folga, e ficou vários dias  embrenha-da na mata, à procura de uma pessoa desaparecida, trabalhando com bom humor, alegre, traçando metas. Atualmente a corporação atende a 11 cidades. Ficam cinco bombeiros no plantão, sendo um no telefone e quando há picos, quando acontecem dois ou três acidentes no mesmo momento, e esse bombeiro deixa o telefone para atuar no socorro junto com seus colegas. Por isso, reclamam que a gente demorou a atender, reclamam que demoramos a chegar ao local, afinal estávamos atendendo à outra ocorrência. Sabemos que a pessoa perde o controle no envolvimento de perigo, não será amável conosco se estiver vendo a mãe sofrendo com ferimentos em um acidente, por exemplo. Afinal, essa pessoa supõe que a ineficiência do estado atinge a nós, os bombeiros, mas não nos atinge, e sempre relevamos quem nos trata dessa forma nessas horas.

Jornal do Sudoeste – São centenas de atendimentos telefônicos.
Rivelino de Castro Maia – A mulher liga para reclamar do marido; tem a que liga dizendo que quer se suicidar, a que telefona para contar que está infeliz; o jovem que está se drogando. Quando estoura o cano de água, o cidadão liga na Copasa, que não atende às duas horas da manhã, então ele liga aqui e quer que a gente dê um jeito no cano. O fio de energia elétrica arrebenta, ligam na Cemig, aí dá ocupado, ligam em seguida nos bombeiros e dizem que a gente tem que consertar. Casos de cachorro atropelado, do vizinho com som alto, tudo isso chega para nós. Os únicos telefones disponíveis 24 horas na cidade são da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Ligam nos bombeiros para desabafarem, querem e precisam ser ouvidas.

Jornal do Sudoeste – E quem cuida da cabeça de vocês?
Rivelino de Castro Maia – Temos acesso a psicólogos no nosso núcleo em Passos e outros profissionais da área de Psicologia credenciados em Paraíso. Somos uma corporação forte e pecamos por isso, pois abusamos dessa capacidade. Li uma reportagem que dizia que a profissão mais perigosa do mundo é a de bombeiro, até mais que a de astronauta. Estamos expostos a riscos como a de uma explosão, a uma queda, contaminação por vírus, câncer no futuro por inalação de fumaça tóxica e sofremos com distúrbios psicológicos traumatizantes. Se o bombeiro não crê em um ser superior e não tem uma família estruturada, fica muito difícil de enfrentar o seu dia a dia.

Jornal do Sudoeste – Você tem os dois suportes?
Rivelino de Castro Maia – Tenho. É preciso acreditar em um ser superior. Nada mais nos traduz a soberania de Deus do que questões relacionadas à morte. O ser humano pode quase tudo, luta contra quase tudo, compra quase tudo, mas não impede a própria morte. Embora eu me abata muito ao ver um bebê recém-nascido falecer em um acidente, por exemplo, entendo que isso não está em minhas mãos e é decisão de Deus. Se ainda não é hora, Deus vai me proporcionar meios para salvá-la. Sou evangélico há 25 anos e acredito que todos têm que ter um ponto de apoio. Os índices de alcoolismo, suicídio e depressão entre os militares é alto por causa das intempéries da nossa profissão. Aqueles que conseguem suplantar isso são porque têm uma religião e uma família amiga.

Jornal do Sudoeste – Sua carreira é muito profícua e está atuando no comando interinamente. Como você avalia isso?
Rivelino de Castro Maia – Sou metódico e disciplinado. Galguei todos os postos dentro da minha classe, que é a dos Praças. Tive a felicidade de ir bem todos os cursos e concursos que fiz, sempre fiquei entre os dez primeiros. Entre 800 candidatos em Minas, fiquei em quarto. Isso aliado a comandantes que sempre reconheceram os meus esforços, fizeram que eu fosse promovido nas primeiras turmas. São poucos os subtenentes que chegam a essa fase após 26 anos de carreira. Como sou subcomandante, estou respondendo nas férias do comandante Monteiro por cerca de 40 dias e para mim, isso é um prêmio. Noventa por cento de todos os Praças não conseguem chegar entre os quatro primeiros de seu pelotão.

Jornal do Sudoeste – Mas não foi fácil chegar onde está hoje?
Rivelino Castro Maia – Não mesmo. Eu me lembro das noites que passei em beira de represas por causa de afogamentos, plantões noturnos e naquele momento eu pensava que não teria uma compensação. Atualmente, percebo que essa compensação veio com o tempo, estou colhendo. A maior satisfação hoje é que tenho uma autonomia limitada e consigo tomar decisões, algumas ações em relação à tropa - porque temos que considerar o bombeiro que é aquele que queima a cara no fogo – afinal trabalhei no operacional por 23 anos, tenho como avaliar, arbitrar e me colocar no lugar de cada um. Sou um comandante essencialmente operacional; sou um homem de rua. Nessa ocorrência do desaparecimento de uma pessoa, eu fui no primeiro dia e os soldados se sentiram privilegiados. Consegui conversar com a família, fazer o trabalho do assessor de imprensa, dizendo de nossa preocupação com a dor daquelas pessoas, com a promessa de empenhar uma guarnição todos os dias para ir à mata e procurar. Isso levou tranquilidade para aquela mãe. Mas sou pé no chão, não sou subcomandante, estou subcoman-dante; eu sou bombeiro.

Jornal do Sudoeste – Como você se sente tendo chegado aonde chegou?
Rivelino Castro Maia – Estou por um período comandante, mas sem estrelismo, tudo isso é passageiro, é temporário. Quando eu aposentar terá alguém nesse lugar e possivelmente vai fazer o serviço melhor, não sei se amando tanto quanto eu, mas melhor sim.

Jornal do Sudoeste – Você aponta alegrias ao longo de sua carreira?
Rivelino Castro Maia – Muitas. As brilhantes e meteóricas promoções que tive. O fato de ter passado por todas as seções, que são chamadas de “B” de bombeiro, seguido de um número que designa qual departamento é. Então, há a B1 que é o departamento pessoal; B2 é o serviço reservado; B3 é instrução; B4 é frota e combustível e B5 é assessoria de imprensa. A B5 foi a seção com qual eu mais me identifiquei, onde fiz grandes amigos. Quando encontro com amigos da imprensa, agradecem por eu ter aberto as portas dos bombeiros e ter me doado e houve recíproca. A visibilidade da corporação e a circulação da boa informação ajudaram nessas minhas promoções; foi um grande prêmio que recebi. Tive a felicidade de atuar na implantação da primeira turma do Bombeiro Mirim de Minas Gerais. Atualmente vejo engenheiros, mecânicos, alunos do curso de Medicina, que foram Bombeiros Mirim, participei da mudança do Corpo de Bombeiros para o endereço atual. Foram muitas linhas, muitas canetas, mas escrevi minha história nos bombeiros. Espero reformar, ir passear com meus netos na sede dos bombeiros e eles poderem dizer que o avô fez alguma coisa.