A primeira parte desta crônica transcreveu parte de um belíssimo texto literário de autoria do paraisense João Fernandes Carvalho, publicado em 1935, descrevendo suas memórias e eventos ocorridos em São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste Mineiro, no contexto da primeira metade do século XX. O tema escolhido pelo autor focaliza o momento que precedeu à substituição do velho sino de Igreja Matriz pelos três novos, instalados na elegante torre construída na segunda metade da década de 1930. Nessa segunda parte, o autor relembra elementos da trajetória didática do saudoso professor Gedor Silveira, que por cerca de duas décadas, entre 1900 e 1920, exerceu as funções de professor de uma cadeira pública de instrução primária para meninos. O texto escrito por João Fernandes Carvalho é o seguinte:
“O professor Gedor Silveira era severo e bom, bigodeira solta e cabelos duros e sempre à prumo, olhos miúdos, mas expressivos, pele rija, o nosso professor primário era um tipo simpático. Possuía natural expressão de energia, cuja amplitude de observação, porém, se não abrangia raios mais amplos em torno de sua pessoa, era devido à sua grande miopia, por isso muita macaquice dos alunos velhacos passava desapercebida. Os alunos respeitavam muito o professor Gedor, um respeito cheio de muita estima e veneração. O maior peralta da turma, era o Deco, apelido do nosso prezado conterrâneo Hildebrando Nicácio, que há muitos anos está residindo em Goiás. O Salles e o Júlio de Brito eram os maiores entre os colegas.
Eu tenho aqui, bem no alto do oco, o sinal de uma lambada dada meu querido professor, sinal que vem provar que entre os peraltas, eu também era “macaco”. Mas os abusos que cometi, zombando da miopia do meu saudoso mestre, paguei com pena de Talião. Hoje uso vidros grossos como usava o meu querido professor Gedor, naqueles tempos de outrora.
Foi um professor que na sua sublime missão trouxe muitas luzes para esta terra, que há de contar sempre na galeria de seus vultos mais ilustres, a figura desse benemérito. Lembro também ao ouvir bater o nosso velho sino daqueles tempos dos inesquecíveis circos de cavalinhos, aramados em pelo coração da praça da Matriz. E os “inimigos” dos carnavais de laranjinhas cheirosas de outrora, que se espatifavam na gente atiradas por mãozinhas mimosas de mimosas namoradas. São Sebastião do Paraíso era uma cidade diferente da de hoje. Era bem menor e por ser menor apertava mais em seio carinhoso as relações de amizade de seu povo. Aqui era uma família. A política era motivo para, muito mais, unir do que dispersar os homens. Os seus chefes eram velhos compadres e amigos. Todos bem-intencionados trabalhavam para uma só finalidade, a grandeza de nossa querida terra. As ambições não possuíam a elasticidade da política moderna, separadora de homens.
Como homenagem de grande respeito cito alguns dos homens que militaram na política daqueles tempos: O Herculano, o mais velho; o Amaral, tipo de bondade; José Cândido, homem de grande capacidade e inteligência; Dr. Chico, cidadão respeitável pela sua energia; João Ferreira, um grande batalhador que soube vencer; Manoel Dutra, o homem que era amigo de todos, pela sua grande bondade; Dr. Placidino Brigagão, o médico ilustre que tanto benefício derramou em nossa terra; Zé Francisco, honestidade e modéstia; José Albino, energia e seriedade e, finalmente, o João Raimun-do, que foi um santo, pela bondade. Só por esquecimento, deixo de mencionar aqui outros ilustres vultos de nossa querida terra, militantes na política da época e todos estes varões ilustres, meus caros leitores, desceram ao túmulo, sempre acompanhados pelo soluçar tristonho da despedida, do velho sino de nossa terra.
É uma voz que vai emudecer, daqui a pouco, voz que lembra muitas carícias de namorados, lindas festas de conversões, muitas toquinhas de batizados e lembra também muitas lágrimas roladas nas horas cruentas de duras separações! Em lugar do velho sino, outros de modernos estilo substituirão, penso em torre de majestoso garbo. E nesse dia, os rojões hão de celebrar os novos sinos em altura, espocando fortes e cujos ecos de rincão em rincão, acordando a alma cabocla para a contrição da prece. São Sebastião do Paraíso, julho de 1935".