Certa vez alguém perguntou a Ludwig van Beethoven - o grande pianista e compositor austríaco, autor de mais de cem peças musicais, entre elas as célebres nove sinfonias - se ele havia perdoado a seu pai.
Beethoven ficou alguns momentos em silêncio, lembrando-se das infindáveis noites em que seu pai chegava em casa altas horas, embriagado, em companhia de diversos amigos, e o tirava da cama, criança ainda, para que ele tocasse piano enquanto eles bebiam. Rememorou o sono e a canseira que às vezes tomavam conta dele e dos maus tratos que recebia quando alguma coisa não saía do gosto do pai, e disse com sabedoria:
- Não apenas o perdoei, como sou muito grato a ele por ter-me ajudado a penetrar no mundo da música. Naquelas horas de sofrimento, eu procurava concentrar-me apenas na música e com o tempo só ela passou a importar para mim.
Essa intimidade com a música foi particularmente importante para ele, porque, tendo apresentado ao público sua primeira sinfonia perto dos 30 anos, pouco tempo depois começou a sentir os sinais alarmantes do problema de audição que o deixaria, no vigor dos 32 anos de idade, completamente surdo.
No entanto, ele não parou de compor. Parecia que a música estava dentro dele, que ele a ouvia em pensamento, e foi no seu isolamento, no seu mundo de silêncio, que ele compôs suas músicas mais importantes.
Costumamos lembrar-nos da dor apenas como sofrimento, como uma época triste que gostaríamos de apagar de nossa lembrança, esquecendo-nos do quanto ela nos ensinou. Que seria do diamante se não fosse o buril, que lhe corta a fronte em dezenas de facetas, tornando-o uma joia lapidada apta a brilhar nas festas importantes?
Que seria da semente, se não fosse a escuridão da terra, que a abafa, que a constrange, até que ela lance os primeiros brotos da gigantesca árvore? Não será o trigo, quando se vê na magnificência do pão que mata a forme de milhões de pessoas, grato ao moinho que o transformou em pó, grato ao forno que o cozeu?