A constituição do corpo da mulher diante da sociedade e os reflexos disto ao longo da história do século XX e XXI foi o objeto de estudo na tese de doutorado da professora Michelle Aparecida Pereira Lopes. O que nasceu como uma curiosidade a partir da aceitação do termo plus size ao invés de gordo (ambos para se referirem ao mesmo objeto), tornou-se uma pesquisa aprofundada que revelou os efeitos que a mídia causa diante da imagem do corpo feminino.
O processo de pesquisa não foi fácil e até a conclusão e defesa da tese, em dezembro do último ano, ela precisou de muita dedicação. “Foi um processo muito prazeroso, porém foi muito demorado, precisei me dedicar muito. Para fazer uma pesquisa histórica para o doutorado, como eu fiz, precisei abrir mão de muita coisa, principalmente do convívio familiar. Em 2017, o ano que eu escrevi a tese, foi o ano que deixei tudo em segundo plano. Mas quando você vê o trabalho pronto, é surpreendente e muito satisfatório”, conta.
O objeto de sua pesquisa foi o corpo feminino que a sociedade enxerga como um corpo gordo ou obeso. A ferramenta para a pesquisa de Michelle, conforme ela explica, foi a linguagem: como esse objeto é nomeado, como foi conceituado, categorizado, objetivado e colocado socialmente. “O meu trabalho é em cima de enunciados midiáticos desde o início do século XX até século XXI e que dizem respeito a essa objetivação, categorização, nomeação e valoração do meu objeto teórico que é o corpo feminino gordo”, elucida.
Para realizar esse trabalho, a doutora focou em um dos conceitos do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) conhecido com “dispositivo”. “Ele diz que um dispositivo é uma rede socialmente constituída a partir de áreas do saber. Foucault diz que a sociedade cria esse dispositivo para controlar ela mesma. Logo, meu objetivo de pesquisa foi esse controle do corpo feminino”, acrescenta.
Diante disto, Michelle chegou à conclusão de que o controle sob o corpo feminino só aumentou ao longo da história, tanto que, segundo destaca, hoje temos essa configuração contemporânea até sob as medidas desse corpo e de suas medidas.
“A configuração desse dispositivo no início era uma, naquele momento em algumas esferas a gordura feminina era muito aceita por ser justificada pelo papel social da mulher, que era ser mãe e cuidar dos filhos. Ao longo do tempo isso foi mudando, porque houve mudanças também no papel social da mulher e a partir daí vamos tendo em cada momento outros discursos que vão se moldando a esse dispositivo para transformar o controle, que no início do século XX podemos dizer que estava mais voltado a controlar o comportamento da mulher daquela época para como ela se comporta hoje em dia”, explica.
Michelle ressalta que esse dispositivo não controla hoje somente o comportamento feminino, mesmo porque já houve diversos movimentos de emancipação feminina, de reivindicação dos direitos da mulher e até de direitos sob si mesma, no entanto o controle ainda acontece de forma mais velada, como no peso do corpo, nas medidas da silhueta e se estende na sociedade muitas vezes por conta da mídia.
“A mídia divulga as escalas de silhueta, de incide da massa corpórea (IMC), o que é uma alimentação saudável, 20 maneiras para perder peso e por aí vai. A conclusão é que o controle sob o corpo feminino só aumentou”, acrescenta. Mas não foi somente isto que a pesquisa revelou, a doutora apontou também outras questões, como o papel do governo diante de ações que levaram ao aumento dos índices de obesidade e sua ineficácia para combater esse mal, criando uma imagem de que a pessoa é gorda por uma escolha, e não pela falta e opções ou acesso a uma alimentação saudável, por exemplo.
“Focault fala também que dentro dos dispositivos existem, por exemplo, um biopo-der, que é uma estratégia bio-política para o controle social do corpo da sociedade. E se voltarmos para a nossa con-temporaneidade, nós observamos muito isto, por exemplo, em campanhas nacionais contra a obesidade. Umas das coisas que minha pesquisa apontou é que no governo de Juscelino Kubitschek, na década de 50, houve a abertura do mercado para o capital estrangeiro, então tivemos não somente uma onda de desenvolvimento, mas mudanças nos hábitos de vida como a entrada de eletrodomésticos e de uma alimentação pronta, congelada, enlatada e é claro isso é mais calórico”, destaca.
Conforme Michelle, naquele momento a sociedade comprou esses novos hábito e não se pensou nos reflexos disto a longo prazo, resultando em índices de obesidade cada vez mais elevados de lá para cá. Conforme a professora, hoje o governo realiza medidas no combate ao que se diz respeito a obesidade, mas não são medidas eficazes e que criam a impressão de que a pessoa é gorda por opção.
“O que era inicialmente para falar somente do corpo feminino, que está presente na minha pesquisa desde o mestrado e como ela se constitui socialmente, a pesquisa apontou tudo isto. A pesquisa é algo tão fantástica que você vai descobrindo coisas que você nunca pensou que faria parte do seu objeto de estudo e fazem, principalmente porque é uma pesquisa da área da linguagem, do discurso e o discurso está em tudo”, completa.
MICHELLE LOPES
Os anos de estudo - mestrado e doutorado - e a experiência no Ensino Superior renderam a Michele uma vasta produção acadêmica, entre elas um livro publicado, intitulado “Adolescentes em rede: discurso na rede social Tumblr; uma obra organizada por ela e pela professora Ana Abdul, intitulada “Práticas extensionistas: formação humanizada no ensino superior” ; um artigo em revista científica e quatro artigos completos em anais de congresso. Ao longo do mestrado e doutorado também participou de inúmeros congressos em todo país, apresentando sua pesquisa em universidade federais, estaduais e particulares. Também atuo como parecerista “ad hoc” de revistas científicas da área de educação a linguagens.