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Michelle Aparecida Pereira Lopes: uma profissional que acredita na educação e no valor do professor para a sociedade

Por: João Oliveira | Categoria: Cidades | 29-01-2018 09:01 | 5215
Michelle Lopes é professora universitária na UEMG (unidade Passos)  e é doutorada em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos
Michelle Lopes é professora universitária na UEMG (unidade Passos) e é doutorada em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos Foto: Arquivo Pessoal

Os desafios na educação não impediram que a professora de Língua Portuguesa, Michelle Aparecida Pereira Lopes, desanimasse da profissão que escolheu para a sua vida, fruto de um dom que carrega consigo desde muito pequena. Filha da costureira Izildinha Terlone Pereira Paulo e do caminhoneiro Antônio Paulo (já falecido), Michelle e a irmã mais nova, Pauliane, juntas aprenderam com os pais que a educação é o bem mais preciso que se pode deixar para um filho. Michelle também é casada com Eloil, um de seus maiores incentivadores em sua pesquisa para o doutorado em Linguística. Hoje, aos 40 anos, e dona de uma vasta produção acadêmica, Michelle comemora o título recém-conquistado sem esconder o otimismo e a fé na educação como um agente transformador da realidade em que vivemos.



 



Jornal do Sudoeste: Você nem sempre foi professora. O que fazia antes de se formar em Letras?
M.A.P.L: Eu era consultora de telefonia celular. Passei a minha vida em Paraíso, mas devido a profissão, morei por um tempo em Poços de Caldas e Belo Horizonte, mas era um período que durava entre seis meses e a ano. Porém, sempre quis ser professora, recordo que no ensino regular eu sempre levava meus colegas para casa para poder explicar a matéria... ser professora estava no meu sangue. No entanto, quando passei no vestibular, aos 17 anos, meu pai veio a falecer, então eu precisei permanecer em Paraíso, seria muito complicado para mim e para minha mãe eu ir morar fora. Então, optei por estudar aqui mesmo, fiz por um tempo Ciências Contábeis e depois Administração. Nesse período consegui estágio na Telemig e  trabalhei na área de telefonia desde então, mas nunca deixei de alimentar a vontade de fazer Letras; sempre gostei muito de Literatura e de escrever poesias - escrevo desde os 16 anos. Quando fui trabalhar em Passos descobri que lá tinha o curso de Letras, foi quando ingressei no Ensino Superior, trabalhava durante o dia e estudava a noite.



 



Jornal do Sudoeste: Essa oportunidade mudou a sua vida?
M.A.P.L: Sim, completamente. Estudando Letras eu descobri realmente a vocação, que sempre soube que tinha, mas que estava guardada. Ser professora é o que me faz mais feliz hoje. Sou professora por escolha, não porque só me restou isto. Eu amo o que eu faço, de me envolver com todas as atividades da escola: gosto da parte administrativa, gestão, formação de professores, de dar aula de Literatura, Gramática, amo dar aula de Produção de Texto, tanto que, mesmo sendo docente no Ensino Superior, ainda mantenho vínculos com o ensino regular, dando aula no Ensino Médio no Colégio Del Rey em Passos, e este ano estou voltado para a coordenação do Colégio Nesfa, em Paraíso. Escola é o que me faz feliz.



 



Jornal do Sudoeste: Você era boa aluna nos tempo de escola?
M.A.P.L: Eu sempre fui uma aluna muito comportada e já até ganhei o título de a “Santa do Ano”, porque sempre fui muito comprometida com todas as minhas atividades escolares. Para mim tinha que ser daquela maneira, eu não conseguia enxergar de outra forma, e não fazer o que me era proposto, sempre tive bom desempenho, sempre gostei de estudar e facilidade com a área de humanas. Gostava muito de História, Língua Portuguesa, Sociologia e Filosofia. Tive mais dificuldades nas exatas, mas nem por isso deixei se der uma boa aluna nelas. Sempre quis estudar Letras, pensei em fazer História, e na época em que fui ingressar no Ensino Superior em fazer Jornalismo, mas o que eu queria mesmo era dar aula, e o Jornalismo não me permitia a isto.



 



Jornal do Sudoeste: Você se recorda de algum professor que a tenha motivado seguir o caminho da educação?
M.A.P.L: Lembro-me muito da Cintia, professora de História, daqui de Paraíso. Eu me apaixonei por essa disciplina por causa dela, que nos ensinava a racionar dentro da História, que não era algo decorado, era algo que tinha a razão de ser. Eu vejo muito disto na minha própria linha de pesquisa: na análise do discurso, por exemplo, um dos meus tripés é a História. Recordo-me também das aulas de Gramáticas com a Irene Barreto; das aulas de Geografia com a Kátia Mumic. Na graduação em Letras também tive ótimos professores, como em Literatura com a Heloísa Mônica, foi encantador. Com esses professores eu só me apaixonei por aquilo que eu já gostava muito.



 



Jornal do Sudoeste: Depois de formada, como foi sua entrada no mercado de trabalho?
M.A.P.L: Comecei a dar aulas antes de me graduar, em uma escola em Passos, tudo foi acontecendo. Eu queria fazer mestrado em Literatura, não tinha na região e eu não queria deixar de dar aula e ir embora. Eu sabia que tinha um conhecimento muito grande me esperando no mestrado, mas eu queria também ter muita prática em sala de aula. Eu trabalhei em escolas públicas, entre elas a Inês Miranda e também no Paraisense. Foi no Paraisense que eu me descobri mesmo como professora. Trabalhei lá por um ano e sou apaixonada por aquela escola e ali foi meu laboratório. Foi lá que eu tive a oportunidade de conhecer a Maria Isabel, uma das mantenedoras do Colégio Nesfa e um dia ela me fez o convite para dar aulas lá. Deu certo, não voltei a dar aula em escola pública mais. Nesta época também comecei a lecionar em Itamogi, onde também fui muito feliz. Entre 2015 e 2016 trabalhei na coordenação pedagógica do Nesfa, que eu deixei para dedicar a escrita da minha tese de doutorado.



 



Jornal do Sudoeste: Quando você começou a dar aulas no Ensino Superior?
M.A.P.L: Antes de fazer mestrado, fiz uma pós-graduação em Gestão Escolar na Faculdade Calafiori. Quando estava terminando, o coordenador da época me fez o convite para dar aula de Português, eu não me sentia preparada, mas eu queria muito. E assim eu comecei, em 2010, fiquei lá até junho de 2012. Foi uma experiência muito motivadora. Quando ingressei na Calafiori sabia que precisaria melhorar, daí a necessidade de fazer o mestra-do, que eu comecei no meio desse caminho. Entre 2012 e 2014 eu dei aula na pós-graduação em Ciências da Linguagem, na Fesp; em 2014 comecei como professora no curso de Letras, depois passou pela estadualização e eu permaneci. 



 



Jornal do Sudoeste: Públicos diferentes, há algo que você gosta mais?
M.A.P.L: Sim. Eu dei aula de Inglês para crianças no Nesfa, foi uma experiência muito boa, positiva, mas não é o meu perfil. Eu gosto de dar aula mesmo é no Ensino Médio e Superior. São pessoas mais velhas, mais conscientes. Eu gosto muito é do Ensino Médio, é uma fase em que esses alunos estão descobrindo coisas novas, escolhendo caminhos. É uma fase muito bonita. Apesar de haver todo um dito de que esses jovens não querem nada, eu não vejo isto, talvez seja a sociedade mesmo que não acredita nos nossos jovens, e se nós não acreditarmos, não tem como ser professor. O primeiro passo para ser um bom professor é acreditar no aluno e saber que cada um tem o seu tempo de aprendizagem. Gosto muito do convívio com o adolescente, porque ele não me deixa envelhecer, é um aprendizado para eles, mas para mim também. Sei o que eles estão assistindo, ouvindo, o que é moda, as gírias, têm horas que eu fico meio perdida, porque você não consegue acompanhar esse ritmo, é muito bom.



 



Jornal do Sudoeste: Como você avalia a Educação no país hoje?
M.A.P.L: Todo o investimento que se faz em educação, não é possível que os resultados sejam colhidos a curto prazo. Então, acredito que só vamos conseguir emitir uma opinião embasada sobre a reforma do Ensino Médio, por exemplo, no mínimo daqui há cinco, quando esses alunos que estão vivendo essa nova fase forem prestar vestibular ou ingressar no mercado de trabalho. Porém, não sou a favor, por vários motivos: exigir que um aluno entre 13 e 14 anos faça uma escolha de área de conhecimento, acredito que eles não têm essa maturidade e que essa escolha seja certeira para a vida deles; também não vejo com bons olhos que cada vez mais você se torne especialista em uma única área e, ainda que Português e Matemática se mantenham em qualquer que seja a escolha desse aluno, um bom profissional precisa da formação humana, precisa da História, da Filosofia, da Sociologia. São conhecimentos que não podemos negar aos nossos jovens. Se queremos construir uma sociedade mais justa, humana, eu não posso negar isso, seja esse aluno de qual área for. Talvez hoje um aluno não perceba para a vida dele a relevância que é estudar História, mas talvez daqui a 10 anos, fará falta para o seu conhecimento.



 



Jornal do Sudoeste: Há diferenças no ensino público e particular?
M.A.P.L: Há muitas diferenças, em investimento principalmente, porém, isso nem sempre reflete no trabalho que o professor está fazendo em sala de aula e nem no interesse do aluno. Eu sou uma otimista da educação e acredito que é possível construir outro mundo a partir dela. Eu até me emociono com isso porque tive alunos excelentes na escola pública, alunos que batalharam e que conseguiram ingressar em universidades, que estão estudando, fazendo seus cursos. Eu tive a experiência de dar aula no Senac, no projeto Pronatec. Eu tive turmas de técnicos em Administração que me ensinaram muito. Eram alunos com condições econômicas muito controversas, que se eles acreditassem naquilo eles não conseguiriam seguir seu caminho. Essa turma me fez repensar todo o meu papel de professora dentro da sala de aula e aprendi que eu não posso desacreditar o aluno nunca. Ao contrário do que pensam que o aluno não quer estudar, ele quer sim. Também tive ótimos colegas de profissão na escola pública, que tem uma imagem de desvalorização, mas não vejo isso, eu vejo professores muito talentosos e alunos muito bons. E do mesmo jeito que há alunos bons na escola pública, há alunos desmotivados no ensino particular. Um professor que acredita no seu aluno, o motiva muito mais que qualquer recurso tecnológico ou físico que a escola tenha.



 



Jornal do Sudoeste: E a desvalorização do professor, como você encara isto?
M.A.P.L: O professor é desvalorizado, sim, não tem como negar. Infelizmente, acontece, mas talvez essa desvalorização seja algo que alguém colocou na sociedade para dizer que aprender não seja tão necessário. Passa-se essa imagem da desvalorização do professor e quando ele entra na sala de aula é claro que será mais difícil ter o respeito do aluno, será mais difícil o aluno acreditar que aquilo que o professor está ensinando será útil para a vida dele e é mais difícil motivar alguém a aprender. Falo muito isso, o professor tem que acreditar nele também, não precisa esperar essa valorização do outro. Eu sou professora e sei do meu papel na sociedade. A valorização começa em mim.



 



Jornal do Sudoeste: Você nunca desanimou?
M.A.P.L: Sim, muitas vezes. Houve momentos em que pensei, poderia ter ficado com a outra profissão, mas eu paro para pensar se o que faço tem valor para a sociedade. É isso o que gosto de fazer, é o meu dom, então eu sigo. Sempre temos que fazer essa reflexão. Ser professor é uma profissão de aprendizado e reflexão constante. O professor precisa se fazer uma alta avaliação, e nisto repensar o papel dele perante a sociedade.



 



Jornal do Sudoeste: Você também lida com a formação de novos professores, como é isto?
M.A.P.L: Formar professores é uma outra paixão minha. Entre professor e aluno que vai ser professor no futuro, a primeira coisa é fazê-lo acreditar na profissão que escolheu. Geralmente o aluno chega a um curso de licenciatura, e diz, esta era a terceira opção dele. É muito triste ouvir isso no primeiro dia de aula. Então, a primeira coisa é despertar no aluno a vontade de fazer realmente uma licenciatura, mostrar como o papel dele na sociedade é importante e, principalmente, desfazer esses discursos que contradizem o que o curso de licenciatura quer mostrar para ele. Não é contar uma história, é abordar a realidade, problematizar a educação, as situações com as quais ele vai lidar na sala de aula, seja teórica ou não, e eu acredito que a licenciatura tem que estar muito presente na comunidade na qual aquela universidade faz parte. Por isso gosto muito de desenvolver projetos de extensão, para levar meus alunos, futuros professores, para dentro da realidade da educação. Isso é muito importante em um curso de licenciatura.



 



Jornal do Sudoeste: Você tem um feedback dos seus ex-alunos de licenciatura?
M.A.P.L: Tenho contato permanente com meus ex-alunos. Em Passos, no Colégio Del Rey, tenho uma colega que foi minha aluna e se formou em 2016. Isso é muito interessante. Muitos deles precisam passar pelo estágio e essa ex-aluna, por exemplo, foi fazer o estágio, depois foi contratada e já estava dando aula em uma escola quando se formou. Então, às vezes, fazer um estágio pode parecer difícil e trabalhoso, principalmente para aquele aluno de licenciatura (que geralmente é um curso noturno) que precisa trabalhar. Não é possível pegar o diploma sem passar por isso, é o estágio que faz o aluno conhecer a realidade com a qual ele vai lidar. É lição de vida. Eu tive a oportunidade de coordenar o estágio de Letras durante dois anos, e foi uma troca de experiência emocionante.



 



Jornal do Sudoeste: O que significa para você ser professora? Pretende fazer um pós-doutorado?
M.A.P.L: Ser professora é minha vida. Tanto que é o que está em primeiro lugar em tudo, se eu precisar abrir mão de outras coisas para poder pegar aula, eu consigo fazer isto sem a menor preocupação. Ser professora é conseguir desenvolver o dom que me foi dado, acredito muito nisto; é ensinar, levar o conhecimento, motivar o outro aprender. Para mim o mais emocionante é quando estou explicando e vejo o olho do aluno brilhar porque está aprendendo, não tem preço, é a melhor coisa. Eu pretendo descansar um pouco, mas não afasto a possibilidade de fazer um pós-doutorado, só tenho que pensar num projeto que dê continuação a pesquisa que iniciei ainda no meu mestrado. Com certeza vou continuar pesquisando algo relacionado à constituição do corpo da mulher como sujeito social.



 



Jornal do Sudoeste: Você também é poetisa, o que a poesia significa para você?
M.A.P.L: A poesia é minha companheira de vida. A poesia alheia me conforta, busco refúgio nela. A minha poesia é fruto de muita reflexão de vida, então, quando ela me chega, preciso externá-la.



 



Jornal do Sudoeste: E qual o balanço que você faz desses 40 anos de vida?
M.A.P.L: Eu acredito que eu vivi tudo o que eu tinha para viver, seja positivo ou negativo. Adquiri o conhecimento que eu precisava para chegar a esses 40 anos e gosto mais de mim hoje do que eu gostava aos 20. A maturidade é a melhor coisa que o ser humano pode ter. É você saber se portar diante da vida. O que eu mais aprendi nesses 40 anos é que tudo tem o tempo certo para acontecer, você não consegue e nem adianta antecipar certas coisas... há momentos na sua vida que parece que passou um furacão, e eu aprendi que nessa hora a gente tem que respirar e entender que aquilo vai passar, não é a hora de tomar decisões precipitadas. Eu aprendi a pensar mais sobre as coisas, a planejar o que falar, o que eu queria fazer, profissional e familiarmente. Aprendi que nada no mundo vale a família, ela é a mais importante de tudo. Hoje, minutos que eu passo com a minha mãe, com a irmã, meus sobrinhos, amigos, têm um valor que nunca teve. Isso você só aprende com o tempo. O envelhecimento é a coisa mais democrática que existe, irá atingir a todos, mas é preciso envelhecer com felicidade, sabendo que isso te traz maturidade, conhecimento de vida, histórias e não desanimar. A maturidade é aceitação: do corpo, do que você tem, do que você não pode ter. A palavra dos meus 40 anos é aceitação. Há um conto do Guimarães Rosa, O Burrinho Pedrês, que nos ensina que não adianta enfrentar a correnteza, às vezes é preciso se deixar levar para chegar ao outro lado; nessa travessia os cavalos fortes acabaram morrendo ao tentar enfrentar a correnteza, ao passo que o burrinho se deixou levar, fazendo uma travessia na transversal, chegando ao outro lado. O que a vida faz com a gente é exatamente isto; ensinar que a melhor travessia é você deixar se guiar pela correnteza naquele momento.