CRÔNICA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO:

Um artigo do Monsenhor Felipe

Parte 2
Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 31-01-2018 13:01 | 4516
Foto: Reprodução

O objetivo desta crônica consiste em continuar a transcrição de um belíssimo artigo de autoria do Monsenhor José Felipe da Silveira, pároco da Matriz de São Sebastião do Paraíso, por um período de 25 anos, de 1914 a 1939. Trata-se de um artigo publicado na imprensa local em 28 de agosto de 1936, retratando o momento que precedia a instalação dos três grandes sinos na nova torres da Matriz da cidade, cuja história transcende a parte material da narrativa e revela valores e crenças da época. 
"Se os povos, até hoje, não chegaram à realização completa dessa harmonia espiritual, que sublima os sentimentos e estabelece entre todas as camadas sociais, o equilíbrio econômico e a relativa felicidade no mundo, não cabe à religião a culpa do insucesso, mas a obstinação e ao orgulho dos homens que têm olhos e não vêm, têm ouvidos e não ouvem. Os recentes acontecimentos europeus [início dos conflitos que, três anos depois, levaram à Segunda Guerra Mundial], profetizados há 40 anos, pelo gênio de Leão XIII, outra coisa não são senão a consequência do descaso com que os responsáveis pelo governo das nações têm tratado as leis divinas e permitido o envenenamento da mocidade, pelas doutrinas materialistas pregadas do alto das cátedras universitárias. 
Os corifeus [antigos líderes religiosos que nem sempre acatavam as orientações do Papa] da impiedade tiveram campo livre para semear o joio da ciência sem Deus, criando assim um ambiente propício a todos os desvarios, abrindo uma porta larga à incursão de todos os desesperos sociais. Façamos ao menos, de nossa parte, o que pudermos, cuidando das coisas ter-renas, sem olvidar as celestes. Erigindo um templo, declaramos, pública e solenemente a nossa convicção e confessamos, diante da história, que a civilização verdadeira é a que origina nas fontes puríssimas do Coração de Jesus e se desenvolve dentro do quadro sobrenatural do Evangelho, lei eterna da justiça, do amor e da paz social. 
Os sinos hão de recordar, no alto dessa formosa torre, as gerações vindouras, os votos do batismo e o dia feliz da primeira comunhão, os exortando, diariamente, à prática da virtude e a perseverança final nos santos propósitos de uma vida sinceramente cristã. Eles têm a sua linguagem. Cada qual exprime um santo pensamento na sua significativa inscrição latina. O maior deles - Antônio - diz: "Ó Cristo, Rei e Redentor, sejam-vos dados louvor, honra e glória". O médio - Jaime - diz: "A minha voz é uma voz de vida, eu vos convido ao santo Sacrifício; Vinde." Finalmente, o terceiro - Tomé - suplica, com as palavras de Jesus, que Deus suscite sacerdotes animados de zelo apostólico, dignos operários evangélicos para o cultivo das almas que se destinam à glória do céu. 
A data de ontem foi, pois, um dia de festa para a honrada família Pimenta que se reuniu toda em torno do velho rijo chefe. Eu disse, um dia, em São Paulo, ao coronel Antônio Pimenta de Pádua, que ele tangeria, primeiro, os signos que o coração adamantino de sua filha oferecia, como preciosa joia ao tesouro artístico da paróquia. Meu velho amigo duvidada da afirmação, em vista de seu precário estado de saúde. Mas a divina Providência, que lhe acrescentará ainda muitos anos de vida, aos 89 que já venceu, permitiu que o venerando paraisense viesse ontem visitar, vigoroso, a terra que ele tanto ama e tangesse os signos sagrados pela mão do Pontífice. 
Estão satisfeitos os desejos ardentes da excelentíssima senhora dona Dolores Pimenta, a quem, a paróquia inteira, pela voz do seu obscuro pároco, rende hoje as mais profundas homenagens. Resta agora, que saibamos realizar o que significam esses sinos admiráveis, e que ouçamos, através de sua voa potente, de suas harmonias suaves e surpreendentes, a voz de Deus, que nos exorta ao trabalho fecundo, à prática do bem e aos trabalhos da paz, da concórdia e da verdadeira fraternidade. 
No melhor de seus livros - "As Artes", o grande escritor Hendrik Willen, escreve que "a música narra a história", depois de haver contado, páginas antes, que os carrilhões constituíram uma das mais antigas formas de música da comunidade. Os sinos, em toda parte e em todas as épocas, são a "hora das localidades", cujas populações governa, quer tangendo canções de choro, quer nas suas vibrações de alegria e é por isso que os literatos, escritores e, principalmente, os poetas, sempre consagraram a eles parte do seu pensamento. 
O que aconteceu, entre nós, em outras terras também aconteceu - os sinos das igrejas mereceram, sempre um hino de alegria, porque eles que batem os mesmos sons de muitos anos atrás, parecem narrar a história da cidade do passado."