Memória coletiva é tudo aquilo que o passado soube preservar para as futuras gerações, por vários meios e motivos. Nela estão incluídas histórias orais, objetos culturais, lembranças e textos de autores que escreveram sobre a terra natal. Com esse entendimento, retornamos aos lugares públicos de São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste Mineiro, no contexto da primeira metade do século XX, para focalizar a velha Rua dos Carros. Essa foi a antiga denominação da atual Avenida Delfim Moreira, que interliga outras duas importantes avenidas da cidade, permitindo o trânsito direto entre a Mocoquinha e Casa da Cultura, onde funcionou a Estação da Mogiana. Não é de hoje que a referia rua permitia transitar, sem passar pelas ruas mais próximas do centro.
O nome atual foi instituído no final da década de 1910, para homenagear o ilustre político mineiro que presidiu o Estado, entre 1914 e 1918, preparando-se para, logo depois, ser Presidente da República, por seis meses, em substituição ao Presidente Rodrigues Alves, que faleceu antes de tomar posse.
Mesmo depois da atribuição da nova denominação, o povo continuou usando o velho nome, até por volta da década de 1960. O antigo nome devia-se ao fato da mesma servir de passagem dos carros de bois, um dos mais antigos meios de transporte, muito usado no meio rural, puxado por juntas de bois presos por uma peça de madeira chamada canga, adestrados para fazer esse tipo específico de serviço. Até hoje, existem esses carros que costumam aparecer em festas culturais de diversas cidades. Estão praticamente extintos da rotina moderna de serviços agrícolas, embora sejam comuns, em certas regiões mais remotas.
Por volta de 1930, parte da produção das fazendas da região era transportada nesses carros lentos e “cantadores”, devido ao rugido do eixo de madeira girando no cocão. À frente ia o carreiro, conduzindo com comandos precisos o movimento dos animais, cada qual chamado pelo seu nome. Um antigo morador da Mocoquinha, quase nonagenário, com quem tive o prazer de conservar, lembra do tempo que os sitiantes estacionavam seus carros nas proximidades da Avenida Wenceslau Braz, onde soltavam os animais nos campos das imediações. Enquanto os bois pastavam e descansavam, seus proprietários iam ao centro da cidade, fazer compras e vender seus produtos.
Memórias da Rua dos Carros estão no livro do saudoso engenheiro Harley Silva Machado, Velhos Tempos no Paraíso, prefaciado pelo coronel Expedito Orsi Pimenta, advogado e professor universitário em Belo Horizonte. Ambos foram colegas de infância e compartilharam uma época de transição na história da cidade. Quase todos os velhos coroneis, líderes políticos, haviam falecido e começava os primeiros passos rumo ao processo de industrialização e de diversificação da principal base econômica que foi a cafeicultura, desde as primeiras décadas do século XX.