Este é o título do famoso poema de Manuel Bandeira. Ele pertence ao livro Poesia / Opus 10, da José Aguilar Editora, Rio de Janeiro. O termo significa ceia, pequena refeição noturna ou ceia do Dia de Natal.
No primeiro verso o Poeta, falando da Morte, usa um epíteto que ficou famoso: "Quando a INDESEJADA DAS GENTES chegar" ... Chama-se a Morte por vários nomes, mas o que Bandeira usou é fortemente expressivo. Aliás, o pequeno poema é uma obra-prima, uma lição valiosa.
Primeiro, interessante é a hipótese que MB diz, quando chegar o momento tão temido e fatídico. Ele não encara o fato, como todos; a ideia de morrer, para ele, tuberculoso desde jovem, era algo sempre esperado. Então ele nos diz que não sabe se ela será dura ou "caroável"; o adjetivo significa carinhosa, afetuosa, meiga. Ele também não tem ideia como recebê-la, mas "Talvez sorria, ou diga: /__Alô, iniludível!". É um modo muito pessoal de enfatizar a inexorabilidade da Morte.
Amo esse poema, primeiro pelas metáforas: "O meu dia foi bom, pode a noite descer". Há um jeito mais lírico de afirmar, metaforicamente, que sua vida foi bela, pode vir a Morte? Só mesmo um grande poeta!
Após um verso falando da magia da Morte ("a noite com seus sortilégios"), ele faz uma sábia confissão de que está pronto para partir, tudo em linguagem conotativa: "Encontrará lavrado o campo, a casa limpa / A mesa posta, / Com cada coisa em seu lugar". Grande poeta, magnífico ser humano! Quantos de nós poderemos, no futuro (espero que longínquo!) estarmos prontos, tão preparados, tão íntegros, tão justos?
Fiquei a pensar que este poema deveria ser um espécie de Catecismo obrigatório, de Bíblia, principalmente para os políticos. Quais, desde o primeiro escalão, de qualquer partido, estarão prontos, quando a Indesejada das Gentes chegar? É bem verdade se isso acontecesse, a Lava-Jato perderia sua serventia... Moro deixaria de ser tão endeusado. E não haveria mais a delação premiada.
Aliás, por falar em, é incrível como os grandes escritores são meio profetas. Em um artigo meu, sobre a Igreja do Diabo, conto famosíssimo de Machado de Assis, ele narra que o Diabo cria uma Igreja (e Deus permitiu!), que prega serem as virtudes pecados e vice-versa. Diz o estatuto da nova Igreja: "Se podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas legalmente tuas, por que não tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé?". Não proibiu a calúnia gratuita; "ela deve ser exercida mediante retribuição, melhor ainda se for paga". Estava criada a delação premiada!
Machado de Assis não vaticinou a situação política brasileira, nesse conto? No seu texto é Lúcifer que cria os estatutos da nova Igreja. Que Manual de Instrução seguem os políticos brasileiros? Não tenho resposta, mas é impressionante como Machado de Assis já previa, no século XIX, nosso futuro político.
Ler bons escritores é algo que nos torna mais sábios e aptos para entender nosso insensato mundo.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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