O genial escritor Ariano Suassuna em uma de suas divertidas palestras contou que, ao visitar uma casa de gente muito rica constatou que a anfitriã separa a humanidade da seguinte maneira: aqueles que já foram à Disney e aqueles que não foram. E coitado dos que não foram. (Está no Youtube).
Pois bem, dita madame acordou um dia destes e entrou em pânico. Em pleno outono brasileiro, um dia meio emburrado, a cozinheira não apareceu para cozinhar, a lavadeira não apareceu para lavar, a faxineira não apareceu para faxinar, a passadeira não apareceu para passar nem o motorista para dirigir. Tudo conforme previra o profeta. Será que a terra parou?
Como levar a prole para a escola que também está fechada? A dispensa está vazia, faltam brioches, champanhe e vinhos franceses, as massas italianas já estão no final, a carne argentina sumiu e os lácteos importados já acabaram. E o whisky dezoito anos, só tem duas garrafas, como fazer? Gasolina para os carros importados e blindados não tem mais. Nem mesmo os Correios trouxeram as revistas que mostram as novas tendências da moda em Milão e Paris, os espetáculos da Broadway e como anda o comércio de Nova York e Miami. Viu na televisão que nos aeroportos não têm combustível para os aviões decolarem. Como fazer para ir para seu merecido descanso nas estações de esqui de Bariloche? É, realmente a terra parou. O mundo enlouqueceu de vez. Chegou à conclusão que isto é uma baita falta de respeito com ela e seus pares.
A introdução meio exagerada acima, serve para ilustrar o posicionamento distante de uma parte da sociedade que ainda não entendeu a gravidade de nossa situação atual. Este grupo que reclama furiosamente de seu desconforto, ainda não percebeu que este movimento começa a envolver uma população cansada de falcatruas, desonestidades e mal feitos não só dos poderes públicos, mas também de parte das lideranças privadas. Parece que, uma brisa ligeira começa a se mover. Tenho certeza que vão dizer que exagero, mas é bom lembrarmos que a revolução francesa no século XVIII e as mais representativas revoluções do século XX por exemplo, tiveram como estopim também a miséria, a exploração e o descaso dos governantes. Às vezes é melhor perder os brioches e preservar a cabeça.
Quem já participou de uma única greve sabe que não é nada agradável, portanto é um recurso extremo. Se o leitor já conversou com um caminhoneiro, sabe que o seu prazer é estar na boleia rasgando estradas. Para isto eles trabalham dezoito horas por dia, dormem na cabine de seus veículos para economizar o hotel, comem o que aparece pela frente, muitas vezes dirigem na base de estimulantes para cumprir os horários e por comida na nossa mesa. Viajam sem a mínima segurança por estradas desertas, esburacadas, muitas vezes em veículos que já passaram da hora de trocar, mas as rendas auferidas não permitem. Estão sempre expostos aos caprichos de policiais despreparados e de leis promulgadas para encher os bolsos de quem mais tem.
Infelizmente estamos vendo também junto aos caminhoneiros gente vagabunda, se aproveitando do momento para se dar bem, candidatos, deputados, senadores e até vereadores, patrões aproveitadores tentando aumentar seus lucros fazendo locaute, ou seja, a outra face de um país que precisa muito de respeito humano. São os efeitos colaterais.
Isto tudo só chegou a este ponto pelo simples fato de que o trabalhador é desrespeitado diuturnamente pela elite dirigente do Brasil, e principalmente pelos políticos. Os salários e os benefícios muitas vezes imorais de algumas classes, concedidos por debaixo do pano, o uso de recursos públicos em proveito próprio, para pagar o bem-estar de alguns “eleitos” e campanhas políticas muitas vezes de gente corrupta e outras coisas mais, estão enojando a sociedade ordeira e trabalhadora.
Esta elite não entendeu ainda que não é mais possível conviver lado a lado a extrema opulência com a miséria absoluta. Esta manifestação deve servir de alerta e mudança de postura da sociedade.
À benção caminhoneiros, pela coragem e pelo exemplo de como deve agir uma sociedade que se acha agredida.
João Batista Mião – São Sebastião do Paraíso.
OBSERVAÇÃO:
Nada como uma greve de caminheiros para alertar o Procon e o MP para abrirem uma investigação de uma possível formação de cartel dos preços dos combustíveis em nossa cidade, mantida a décadas.
(É que na minha terra, um palmo acima do chão, sopra uma brisa ligeira, que vai virar viração) Kleiton e Kledir.