Quando leio o poeta Carlos Nejar, tudo me perturba. Que estranho mundo tão rico, que alma é essa, que olhos são estes que veem tão além?! Somos nós os cegos, ou sentimos, mas somos castrados pela nossa incapacidade de expressão de tais sentimentos? Por que só ele? Magia?!
O título do livro de poemas mais recente, de Nejar, é "Quarenta e Nove Casidas e Um Amor Desabitado". Após ricas epígrafes, a dedicatória: Para Elza. E logo de início, expliquemos o gênero escolhido, a Casida. No final da obra, uma nota do Editor elucida: A casida, ou qasida, é uma antiga forma poética típica da literatura árabe, geralmente traduzida como "ode", que, com a expansão muçulmana na Idade Média, se espalhou para outras culturas, como a persa, a turca e a ibérica.
A casida clássica tem uma métrica única, que varia de quinze a cinquenta versos, sempre com a mesma rima sonora. Ao longo do século XX, diversos autores de língua espanhola usaram a casida de uma maneira mais livre, sem se ater às regras tradicionais, a não ser o vínculo com o sentimento de nostalgia, de perda e a temática amorosa.
As Casidas de Nejar variam no número de versos, mas têm uma característica interessante: no início e no final de cada Casida, há versos especialmente belos, que formam verdadeiros poemas completos, que podem ser lidos separadamente. Cite-se a "Casida das centelhas": "Jamais amei na razão /que é apegada ao desterro. / Amo de amor, aonde vão os corpos juntos, centelhas. / E a alma é quando as abelhas / todas mergulham no mel / da derradeira estrela". Os seis versos finais formam um poema belíssimo, como se fora independente: "O que sei do amor ensino, / Caído dentro do beijo. / E se nada mais mereço, / que mereça esta alegria / de estar em teus braços preso / como ave ao som do dia".
As belas metáforas, as delicadezas das ideias, uma certa aura da poesia clássica, apesar da linguagem simples, tudo faz de cada poema, uma obra-prima. As Casidas de Nejar são poemas subjetivos que se alçam ao universal. É uma das características dessa obra primorosa. Alguns exemplos: "As cinzas do amor só ardem / se na memória se abrasam" (pág.15). Ou nas Casidas das páginas 16,17 e 23: "Se não espero, mais amor me serve"; ou ainda: "Amor não conhece data. / O que dele vem, se farta"; "Se não sou da morte, filho, / apenas o amor me mata".
Filosofia, amor à infância, metáforas inusitadas, linguagem pura, clássica, neologismos, um lirismo do mais alto teor e até raras figuras da hipálage, como na "Casida de bem ouvir" e em outras, tudo faz deste livro de Nejar, algo único. A "Casida de habitar o vento" é uma das mais belas, verdadeiro panegírico, poema enriquecido com a repetição deliberada do rico verso: "Quando a amada se faz vento" (pág. 36).
Como captar, sem frustração, em um simples comentário, todas as ricas temáticas das ousadias humanas, das complexidades do amor, da Natureza, da vida, da morte? Com tanta riqueza poética fica-se abismado diante de um tesouro.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br