Virgilio Pedro Rigonatti

56+1 razões para se ter um gato

Por: Virgilio Pedro Rigonatti | Categoria: Cultura | 05-04-2017 22:04 | 1580
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Após um excelente final de semana prolongado em companhia de amigos no interior, ao entrarmos na estrada, minha filha pré-adolescente, sentada no banco traseiro do carro, declarou solenemente: "Papai, vou ler 56 razões para se ter um gato em casa".
Desfiou, então, o rosário de motivos para conviver com felinos: sociabilidade, amor aos animais, motivos psicológicos, diversão...
Eu tinha uma posição contrária a ter animais em casa. Problemas de limpeza, cheiro, trabalho no manuseio, logística quando a família viaja, entre várias outras complicações que se enfrenta ao adotar e manter um bichinho como membro da família.
Minha filha sempre quis ter um animal, fez uma campanha mal sucedida, em parte, para adotarmos um cachorro. Digo em parte, porque ela e a mãe acabaram pegando uma cachorra, mas deixaram na casa da minha cunhada. Ótimo, concordei, pois quando elas quisessem interagir com a cadelinha bastava ir à casa da avó. Minha cunhada, solteira, mora com a mãe e tem outros dois cachorros, portanto mais um não faria diferença para ela e resolveria meu problema: pararam com a cruzada de me convencer.
A família de minha esposa sempre teve cachorros, dois ou três ao mesmo tempo. Ela mesma adora, porém sempre teve a convicção de que para o animalzinho viver em apartamento seria desconfortável, tanto para ele como para a família. Cachorro exige o cuidado de ter que passear na rua para seus exercícios e, principalmente, pelas suas necessidades fisiológicas. A sua irmã era a que sempre cuidava desse detalhe na família, ela mesma só quando a mana estava ausente, o que era raro. O amor por cachorro não chegava a tanto de ter o trabalho de, mais de uma vez por dia, descer o animalzinho, passear e recolher os cocôs. Sempre fiquei aliviado por ela ter esse modo de pensar. A pressão que eu recebia para adotar um vinha da minha filha que não tinha idade para ir à rua sozinha passeando um cãozinho. Na verdade, nem ela queria essa rotina diária.
Um dia apareceu uma oferta de amiga para a adoção de um gato. A família de minha esposa nunca cogitou de ter um, bem ao contrário, era até contra, não gostavam. Como eu resisti à pressão, minha filha convenceu a tia a ficar com o felino. Minha cunhada acabou gostando do animalzinho e mudou sua convicção a respeito deles. Adotou mais um, ficando com um casal.
Bem, como minha filha e esposa não tinham argumentos para derrubar minha posição sobre o lado ruim de manter um gato dentro de casa, descobriram na internet o lado positivo. Imprimiram e minha filha esperou o melhor momento para apresentar os variados argumentos para me convencer. Nada como o final de uns dias no campo para ver o pai descontraído, desestressado e com o detalhe de estar dirigindo, não podendo, portanto, argumentar não ter tempo para ouvir ou estar concentrado em outra atividade. Pegaram-me direitinho. Tive que ouvir todos os considerandos, mais a análise de cada um.
Ao final da leitura, triunfalmente minha filha aduziu: "Papai tem mais uma razão, a mais importante: se você permitiu teus filhos a terem cachorro e gato, por que você não vai me deixar ter um gatinho?".
Era verdade. Meus dois filhos do primeiro casamento realmente tiveram os animais, se bem que por breve tempo. O cachorro por si só convenceu os dois a não quererem mais. Sem saber, dei a eles o cachorro certo para demovê-los da intenção. Dei um dálmata recém-nascido. O bichinho cresceu rápido, ficou muito forte e, brincalhão, derrubava os dois ao ir com as duas patas sobre os peitos dos meninos. Eles não conseguiam segurar o dálmata. Ficaram aliviados quando eu, finalmente, dei o cachorro. Os gatos ficaram pouco tempo, pois como saí da casa e fui para apartamento, todos concordaram que seria melhor não levá-los juntos.
Se não fui muito sensível às diversas razões anteriores, a última tocou no fundo de minha alma. Tive que considerar, por isonomia, que ela tinha que ter a sua oportunidade. Adotamos um gatinho. Não demorou muito e me convenceram a ter mais um, pois o coitado não poderia nem deveria viver sozinho: adotou-se uma gatinha.
Deixei claro, no entanto, que eu não cuidaria em hipótese nenhuma da limpeza do banheiro deles nem me preocuparia com a comida e água. Estes dois últimos cuidados, revoguei, pois não deixaria os bichinhos com fome quando as duas esquecessem ou não tivessem em casa. Mesmo porque os dois me assediam quando não tem ração nos seus potinhos. Não sou tão insensível. Quanto ao banheiro - nisso eles se comportam, pois gato só faz suas necessidades em um só local - sou realmente inflexível: não tenho nenhuma participação e nem admito cheiro.
Contudo, reconheço que me divirto com o Mike e a Mei, estes são seus nomes. No começo me contrariava ao vê-los subir nos armários, na mesa, nos móveis, no sofá, em todo lugar, hoje acho graça, naturalmente não quando estou fazendo minhas refeições. Não fico aborrecido nem quando um persegue o outro em uma correria desenfreada, apesar dos sustos que levo vez por outra, quando um passa voando e o outro, para encurtar caminho, pula sobre o sofá e usa minha cabeça como trampolim para alcançar o perseguido. Eles dormem na cama de casal, mas não no meu lado, pois sabem que eu dou um cutucão. Eles procuram os pés de minha esposa que se encolhe para não atingi-los. De madrugada, logo antes do amanhecer, os dois gatos descem da cama e começam a brincar, mas não me incomodam pois eu levanto nesse horário, mas minha mulher, que dorme mais um pouco, tem que levantar e por os dois para fora. Muitas vezes, ao acordar eles vão até a cabeça da minha esposa e começam a cutucá-la para acordá-la e eu dou risada: "Você quis ter gato, não é? Aguente!".
Os gatos gostam do calorzinho emanado da televisão e se estendem na frente do aparelho. Não me levanto para tirar, deixo para minha esposa o trabalho. Porém, quando estou assistindo sozinho meu futebol - minha esposa já foi para a cama - fico incomodado com a importunação dos dois. Não fico bravo, controlo-me, mas boto os dois para correr. Se bem que, às vezes, me divirto com a Mei, pois ela se posta na frente do televisor, fica observando até encontrar a bola do jogo correndo de um lado para outro do campo e ela, acompanhando o movimento, corre, também, de um lado ao outro, tentando pegá-la. Morro de rir, sozinho, quando ela mira a bola e salta com as duas patas e "agarra" a bola, mas ao procurá-la entre as patas, não a encontrando, busca abaixo do televisor onde supõe que a deixou cair.
Enfim, faço a minha penitência em admitir que ter animais tem seu lado positivo, apesar de que, se depender de mim, não fico triste em não tê-los.
* Virgilio Pedro Rigonatti, Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca