O título é do Carlos Drummond de Andrade, de um poema que canta este tema eterno como o homem, pois é um sentimento que o acompanha, intrínseco a ele. O Mago de Itabira, sintético e profundo, resume tudo sobre o medo, em onze versos. Inicialmente, avisa o leitor que não cantará o amor, "que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos"; há metáfora mais expressiva para denunciar o mundo atual, que esteriliza abraços, carinho, amizade, tudo contaminado pela desconfiança e pelo pessimismo?
Em um dos versos, o quarto, o poeta diz que o ódio não existe. Pasmo, o leitor não entende a mensagem já tão explorada por Freud. O ódio só pode surgir se precedido pelo amor. Como odiar quem é ninguém para nossa alma, que nosso coração desconhece? Ódio é o polo negativo do amor. É a outra face. É a sombra.
Fala-nos Drummond de medos grandes e pequenos, reais e psicológicos, físicos e metafísicos. Fecha a pequena obra-prima poética com uma insólita causa mortis dos seres humanos, que, só matéria, servem de adubo a "flores amarelas e medrosas" que nascem sobre nossos túmulos, pois nosso maior carrasco é o medo.
Fico a pensar em afirmações discutíveis (ou ingênuas?) de quem diz não gostar de poemas. Na verdade, é um pobre ser, mortal insensível, que nunca aprendeu a interpretar um texto poético e não tem coragem de colocar a verdade sobre a mesa: tem a alma deficiente, não sabe captar belezas. Não se comove com a pureza dos animais, não se abisma diante de árvores pejadas de flores, prefere música só de ruído e ritmo.
Alguém já disse que as flores são um capricho de Deus. Por isso o truísmo: a rosa é a rosa. Só tal predicativo pode explicar o sujeito. Assim como os sentimentos mais excelsos do homem, complexos, um emaranhado insondável. Nós, seres falhos, sem antenas, captamos apenas átimos fugazes, raros insights. O mais é cegueira, escuridão, desacerto, seres gauches que somos.
Os poetas, privilegiados, assinalados, antenas da raça, tentam alertar-nos a descortinar belezas. Eles também têm suas batalhas, porque trabalham com as palavras, em uma luta vã. Elas traem, são misteriosas. Muitas vezes se valem das metáforas para driblar a complexidade dos termos. A comparação é mais ingênua, a metáfora mais audaz.
Assim, caro leitor, jamais diga a heresia que não gosta de poemas. É uma confissão falaciosa. Na verdade, está escondendo falhas e incapacidades, não é sensível, tem dificuldade de ver as riquezas do mundo, sofre de cosmovisão pobre, de cegueira diante das belezas da Criação.
Ninguém ousou ligar certos tipos de seres humanos a essa incapacidade de amar poemas. Perguntem aos monstros beligerantes, aos déspotas, aos torturadores, aos ladrões, aos corruptos, aos pedófilos, se eles amam poemas e flores.
Talvez tudo isto sejam apenas digressões utópicas e tolas. A culpa é do Drummond, que consegue, em um poema tão curto, falar dos mistérios abissais de nossa existência.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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