Virgilio Pedro Rigonatti

Mãe

Por: Virgilio Pedro Rigonatti | Categoria: Cultura | 12-05-2017 09:05 | 1704
Foto: Reprodução

Relatos de guerra apontam que soldados atingidos gravemente em campo de batalha, à beira da morte, clamam pela mãe em seu desespero. Na sua dor e agonia, é da mãe que eles se lembram nesta hora.
O gerar, proteger e alimentar o pequenino ser em seu interior, cria um vínculo de afeto e cumplicidade que não tem similar. Mesmo após o nascimento, é a mãe que propicia o leite, alimento vital para a sobrevivência, e o carinho para a transição do conforto e segurança do ventre materno para a dura realidade da vida, quando o novo ser tem que aprender a enfrentar a nova condição por si, com todas as dores advindas da existência.
Por mais que um pai seja presente e divida as tarefas e responsabilidades, jamais substituirá esta ligação afetiva vinculada à condição da maternidade. Somente em casos raros ou excepcionais, o afeto do pai poderá se equivaler ao da mãe.
A vida normal depende fundamentalmente da mãe. Na vida moderna, pelas condições da medicina atual, o pai pode ser um doador, conhecido ou anônimo, em uma fertilização assistida, que não prescinde do útero materno para o desenvolvimento natural do feto.
A ciência permite hoje clonar ou está reunindo condição de desenvolver um ser em incubadora, mas não é uma vida "normal". A sociedade imaginada por Aldoux Huxley em seu livro "Admirável Mundo Novo" é composta por seres gerados em provetas e desenvolvidos em incubadoras, justamente para eliminar a parte emotiva dos seres, desprovidos da afetividade materna, humana.
Mesmo no cristianismo, Jesus prescindiu do pai para ser gerado. Entretanto a mãe fez-se presente sem ter sido desonrada pelo contágio com um homem. A figura da mulher pura, santa, imaculada, geradora da vida é realçada e louvada na fé. Esse fato, o da mãe virgem e pura, é uma tradição presente em diversas religiões. A figura da mãe é sagrada e a mais importante. Se bem que o "Deus" gerado necessariamente seja do sexo masculino.
O louvor à maternidade e o forte apelo emocional que liga um filho à sua mãe são contrastantes com a dura realidade que o domínio machista dos homens impôs às mulheres durante séculos. Mesmo hoje a plena igualdade entre os sexos é uma meta a ser alcançada. Em muitas sociedades e religiões a mulher é um ser secundário não tendo, inclusive, nas mais radicais, o direito ao prazer sexual, mutilada em seus órgãos genitais.
É interessante a irônica distinção: a mãe é sagrada, mas a mulher que vai gerar seus filhos tem que ser controlada e submetida a um papel subalterno.
Confesso que, doutrinado na cultura machista, meu modo de pensar no que diz respeito à condição da mulher na sociedade era de natureza de domínio e de considerá-la incapaz de assumir as mesmas responsabilidades e de ter acesso a certos conhecimentos e habilidades que a "natureza" destinou ao sexo masculino.
Comecei a mudar minha visão ao me dar conta, ainda jovem, da importância de minha mãe na minha criação e formação.
Minha mãe nasceu e foi criada em uma pequena cidade interiorana de Minas Gerais em uma época - primeira metade do século XX - e uma sociedade extremamente machistas. Filha bastarda do coronel da cidade, ela nunca teve a presença de um pai em sua formação e vivência. Sabia quem era o pai, sempre o via - em uma pequeníssima cidade, o coronel era sempre visto - mas não tinha nenhum contato. Por essa condição é que desenvolveu uma consciência da necessidade de trabalhar, ter seu próprio caminho, buscar uma profissionalização para evitar a extrema dependência que sua mãe tinha da pensão que o coronel destinava a ela. O coronel, muito arguto, não deixava de enviar sua "pensão alimentícia" para suas inúmeras amantes, uma forma de calar a boca do povo e estimular outras a entrarem em seu rol, de olho nas benesses que a condição de concubina proporcionava.
Como ela não queria essa vida de dependência, decidiu ser uma empreendedora, montar sua própria oficina de costura. 
Foi graças a essa sua habilidade e espírito que criou oito filhos. Mas não só essa sua faceta criativa e comercial possibilitou a formação da prole. Apesar de ser nascida e criada em uma comunidade de maioria analfabeta e ambiente que não dava importância ao estudo, teve a clareza de espírito e a intuição que seus filhos deveriam estudar, além de trabalhar, para deixarem a pobreza e almejar ser alguém na vida.
Não só nos criou, bem como nos indicou o caminho a trilhar. Graças a sua clarividência e denodo, eu e meus irmãos percorremos uma vida de realizações. Mesmo depois de ter partido, sua vida e luta me inspiraram e, na vontade de transmitir sua trajetória aqui na Terra, tornei-me escritor.
À minha mãe, com saudades, meu carinho e minhas homenagens!
À todas as mães, meu respeito e reverência!
Feliz dia das Mães.
* Virgilio Pedro Rigonatti,  Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca