Virgilio Pedro Rigonatti

Vermelho

(Coisas que se perde o momento de dizê-las)
Por: Virgilio Pedro Rigonatti | Categoria: Acidente | 17-05-2017 08:05 | 1546
Foto: Reprodução

Assisti à peça "Vermelho", interpretada, brilhantemente, por Antonio Fagundes e seu filho Bruno.
O tema é sobre o confronto de ideias, visões, conceitos artísticos, bagagem cultural entre o mestre da pintura expressionista abstrata Mark Rothko (1903-1970) e o seu jovem assistente, unidos pela mesma paixão pela arte.
Entre inúmeras obras de Rothko, a peça destaca o quadro "Vermelho", uma das mais famosas criações do pintor. É um quadro enorme, característico do artista, pintado totalmente com a cor vermelha, encomendada por um restaurante de altíssimo nível de Nova York, que pagou, antecipadamente, o equivalente a dez milhões de dólares de hoje. Não tem mais nada, a não ser a impactante visão da tinta magenta no painel. Segundo Rothko, uma obra deve provocar uma observação meditativa por parte do espectador para captar a beleza e a realidade da criação.
Confesso que me é difícil entender muitas obras modernas. Por mais que me esforce, ao observar certas produções, fico com a sensação de que ou sou um estúpido, ou o autor é que é o estúpido, ou de que ele, o criador, quer nos fazer passar por esta condição de obtuso, ignorante.
O quadro em questão, "Vermelho", apesar de não ter visto presencialmente, me leva a esta sensação, embora ele tenha atingido, em leilão, a quantia de dezenas de milhões de dólares.
Bem, o que me interessa dizer nesta crônica é a ligação da morte de Roth e o estado atual do quadro.
Roth, acometido por uma doença incapacitante para realização de obras com grandes formatos, que era sua característica, e em estado depressivo, comete suicídio, cortando seu pulso.
Como é característico das peças interpretadas e produzidas por Antonio Fagundes, após seus términos, o ator promove um bate-papo com a plateia. Nessa agradável conversa que participei ao assistir a peça, Fagundes comentou que o quadro estava perdendo a cor, brincando que quem comprou, por milhões de dólares, o "Vermelho" iria ficar com um "Branco", visto que o carmim estava se esvaindo.
Na hora deste comentário do ator, não me ocorreu o pensamento que tive ao deixar o teatro, e perdi uma das oportunidades que tive na vida de dizer algo interessante, que a gente se lamenta e fica remoendo. Estabeleci uma ligação entre a morte do pintor que, ao cortar seu pulso, esvaiu-se seu sangue vermelho, deixando um corpo inerte branco, com seu quadro vermelho que está se desvanecendo para ficar, também, branco. O pintor, além de suicidar-se, programou o "suicídio" da sua obra.
Isto, naturalmente, é uma elucubração mental que pode servir apenas como brincadeira, mas que, eventualmente, pode ter um cunho de verdade. Vai saber o que se passa nas cabeças geniais, porém alucinantes, desses grandes artistas. Afinal tivemos, dias atrás, o suicídio da escritora norte-americana Jean Stein, que, em seu último livro, recentemente lançado, narra o suicídio de uma personagem. Estaria programando o seu próprio?
De todos os modos, Antonio Fagundes, estou contando hoje, aqui nesta crônica, o que deveria ter comentado com você por ocasião do debate que se seguiu ao final da peça, que nos encantou, a mim e a minha esposa.
* Virgilio Pedro Rigonatti,  Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca