A surpresa foi enorme ao ver, no alto do muro cinzento e triste, uma flor colorida e viçosa. Como nascera ali? No interstício da pedra, uma nesga de terra para alimentar suas raízes? Sem explicação lógica, encantaram-me os contrastes vida e morte, alegria e tristeza, vivaz e cinéreo berço, ela, a linda flor inesperada.
Filósofos já alertaram: pode-se olhar sem ver. Canais obstruídos, cosmovisão cega, falta de atenção ou de perspicácia? A flor nascera ali, toda aviso, luz, mensagem, esperança e os olhos falhos, só acostumados ao concreto e ao óbvio, nada captam? Ignorância ou falta de sensibilidade?
Sempre fico muito atenta aos recados da Natureza. Nem decorei a época certa, para que, ao florescerem os ipês brancos lá do alto da Av. Independência, eu seja tomada pela alegria diante do espetáculo lírico das níveas flores, um primor! Agora é a hora e vez das alegres exórias rubras e amarelas. Em todos os jardins que elas estão, são pura alegria.
Já dizia um famoso poema francês que o Universo é um templo que cicia mensagens prenhes dos mistérios para os desavisados seres humanos. Enfim, muitos são os canais para que recebamos de Deus os avisos de beleza aparentemente inúteis. Ou então, para que servem as delicadas florinhas do campo que, gratuitamente enfeitam as beiras de estradas e os pastos?
É conhecida a citação bíblica do Evangelho de Lucas, cap.22, versículo 27: "Considerai os lírios do campo, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda sua glória jamais se vestiu como um deles". As mensagens realçando o essencial e o acessório sempre foram muito claras. O problema é que nós, as criaturas humanas, somos quase sempre alunos dispersivos e desatentos.
Vendo minha flor no muro, lembrei-me de outra mais importante, porque foi plantada por Drummond, no poema A Flor e a Náusea. O que as duas têm em comum é onde nasceram, o inesperado local cinzento e duro, sinônimo do estéril, do seco, do rude: o muro e o asfalto. O Poeta diz: "Uma flor nasceu na rua! / Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. / Uma flor ainda desbotada / ilude a polícia, rompe o asfalto" (A Flor e a Náusea, in "A Rosa do Povo", 1943 - 1945).
Em interpretações de textos diversas, focalizam o contexto político do poema de Drummond. Na realidade, importante é a beleza, o ritmo, a rica linguagem figurada, a tentativa do Mago de Itabira de, catarticamente, criar o poema para denunciar o mundo insólito em que ele vivia, naquele momento. Ele fala das incongruências, dos erros, da estupidez humana, da guerra. A Flor nascida no asfalto era a esperança, repulsa a tudo isto.
A minha flor do muro é um presente sugestivo. Sempre se pode encontrar beleza e vida, no cinzento das tristezas, nos acontecimentos maus que caem sobre nós. Sorri e acreditei. E lá na frente, encantei-me com as sibipirunas, alegres e alvissareiras, doirando a tarde com seu amarelo ouro, verdadeiros presentes de Deus!
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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