A amiga querida disse que estava gostando muito de meus últimos artigos, porque parei de escrever textos complicados, para mostrar meus conhecimentos. Embora não estivesse de acordo com seu argumento, não contestei, porque eu a amo muito e já me acostumei aos seus puxões de orelhas, quando, aos domingos, publico artigos muito eruditos (de acordo com seu julgamento...). Os leitores só apareciam coisas que vêm do coração, arrematou.
Ora, eu tenho o hábito de, após assistir a um filme, procurar ler toda a crítica especializada sobre ele. Aprendo muito. Há poucos dias assisti ao filme "45 anos". Ele é curto, do diretor sueco Andrew Haigh, com apenas dois artistas centrais: Charlotte Rampling e Tom Courteney. Ela está perfeita e foi indicada ao Oscar por esse filme lançado no Festival de Berlim, em fevereiro de 2015.
A trama é simples: um casal prepara sua festa de 45 anos de casados. A vida como ela é, os rituais diários comuns de um casal de velhos sem filhos; o filme é ótimo, meio lento, mas perfeito. Eis que, de repente, o velho fica sabendo que encontraram o corpo congelado de uma namorada que ele teve no passado. Os dois, muito jovens, escalavam um pico gelado e ela caiu, morreu e só agora, cinquenta anos depois, localizaram o corpo, que permanecia intacto, perfeito, como se ela tivesse vinte e poucos anos.
Convidam o velho para reconhecer o corpo e ele tem dúvida se fará a longa viagem. A partir daí, todas as lembranças da juventude voltam, a esposa acaba infeliz, com ciúmes e as dúvidas, as cismas quase destroem o casamento do velho casal: fotos antigas, diálogos, confissões, até uma possível gravidez da morta. Nada fica evidente, o final é totalmente aberto e acontece a festa dos 45 anos. Tudo transcorre bem, inclusive com a confissão pública do marido, que ama muito sua esposa.
O filme foi bem recebido pela crítica, ganhou prêmios famosos, como o BAFTA e o melhor filme estrangeiro, assim como inúmeras indicações para melhor atriz, ator e diretor. O mais notável, contudo, é a mensagem subliminar, universal, que o filme traz: a lição maior que o passado é como uma faca que atravessa e secciona o presente. Lembrei-me então da filosofia de Machado de Assis: "Enterre o passado em uma tumba, com o epitáfio: Descanse em paz". Há fatos no passado que não devem ser mexidos, são sagrados, invioláveis.
Comentando isto com um saudosista exacerbado, ele me alertou: o passado deve ser lembrado sim, mas só os episódios felizes. É algo que faz bem para a alma. As dores, as tragédias, as doenças, paixões infelizes e trágicas, tudo deve ser bem guardado a sete chaves, como um Arquivo X, particular; a ele só terá acesso o/a protagonista, a personagem principal da história.
Aí deduzi, parafraseando o Mago de Cordisburgo: Reviver é perigoso. Pode ser um sonho dourado, ou um amargo pesadelo.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br