Interpretamos a vida segundo nosso olhar, mas ele, fatalmente, é direcionado a enxergar o que temos interesse e nosso cérebro elabora as informações de acordo com nosso modo de pensar e com que nos afinamos.
Quando chegamos, por exemplo, em uma cidade desconhecida, salta-nos aos olhos aquilo que temos mais interesses: um católico vai observar mais atentamente as igrejas, um engenheiro terá sua atenção voltada para os detalhes arquitetônicos, um médico analisa o estado de saúde dos seus habitantes, um comerciante repara nas lojas, uma moça vaidosa observará como a sociedade local se veste, e assim por diante.
Ficou-me patente como cada indivíduo reage diferentemente a uma paisagem ou situação nova, quando fomos, eu e minha família, passar uns dias em Olinda, Pernambuco, com um casal amigo.
Recife e Olinda são contíguas. Esta última foi fundada primeiro graças à sua situação privilegiada, um morro, que facilitava a defesa tanto interna, os índios, quanto à externa, a ação de algum país inimigo ou corsários pelo mar. Recife, no início, tinha importância como função de porto, graças à sua condição de estuário de dois grandes rios: Capibaribe e Beberibe.
A região fazia parte da Capitania de Pernambuco, a mais importante das capitanias, graças à sua proximidade de Portugal e suas excelentes terras para plantação de cana de açúcar e algodão. Muito rica, foi cobiçada por potências estrangeiras. Em 1539, foi saqueada pelo corsário inglês James Lancaster, que levou para a Inglaterra vários navios de açúcar, pau Brasil e algodão. Foi considerado o maior butim da navegação de corso do período Elisabetano.
Em 1630, os holandeses, através da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, invadiram e tomaram a capitania. Os batavos dominaram uma extensa região desde o Ceará até Alagoas.
Maurício de Nassau, um conde alemão contratado pela Companhia, governou o império holandês no Brasil de 1637 a 1644. Homem culto e empreendedor, Nassau trouxe engenheiros, arquitetos, artistas e cientistas, que ergueram uma belíssima cidade, com palácios e edificações de estilo europeu. Construiu pontes, diques e canais, que, além de ser necessário para o aproveitamento das condições locais, deu-lhe um lindo aspecto que acabou sendo considerada, mais tarde, para orgulho dos pernambucanos, como a Veneza Brasileira. Os rios Capibaribe e Beberibe são tão importantes que os recifenses dizem, todo prosa, que eles se juntam naquele ponto para formar o Oceano Atlântico.
Os holandeses acabaram sendo expulsos do Brasil em 1654. Uma pena, pois o curso da civilização do nordeste seria outra. Os portugueses venceram as forças batavas graças à decisiva batalha no Morro dos Guararapes. Aliás, foram duas batalhas no mesmo sítio. A primeira, também vencida pelos portugueses, foi considerada o marco da formação do exército brasileiro, constituído por mazombos, índios e escravos negros. Mazombos era a denominação pejorativa que os portugueses nascidos no Reino imputaram aos nascidos na colônia, filhos dos lusitanos que por aqui viviam.
Em minhas férias em Pernambuco, durante a semana, como meu amigo saía para o trabalho, eu buscava passeios para fazer com meus filhos, então com dez e nove anos, e com os dois filhos do casal, mais ou menos da mesma idade.
Entre outros locais, um dia decidi passear no parque do Morro de Guararapes, no município de Jaboatão, dez quilômetros de Recife. Sabia da importância histórica do sítio, palco da decisiva batalha travada contra os holandeses, pondo fim ao período da colonização batava na região.
Como gosto muito de história, visitar um palco de um acontecimento importante como esse me fascina. Enquanto as crianças brincavam com os poucos canhões dispostos em alguns pontos do morro, eu ficava imaginando a batalha, as hipotéticas posições dos dois exércitos, suas manobras, as emoções e as dores sofridas pelos combatentes, as mortes, as indecisões, os atos corajosos, os avanços e recuos, enfim, tudo aquilo que pode ocorrer em um combate daquele porte. Foi, para mim, um momento de intensa emoção poder imaginar tudo isso, no próprio cenário dos acontecimentos.
Voltei para casa do meu amigo empolgado. Foi motivo das conversas da noite, o domínio holandês na região, seu legado e a batalha de Guararapes, cujo local tão entusiasmadamente relatei, dentro da minha ótica e percepção.
Alguns meses depois, já em São Paulo, minha esposa recebeu um telefonema de nossa amiga olindense, pedindo para ela me dar umas broncas muito bem dadas. Contou, então, que, ao receber a visita de outro casal amigo, recordou-se do meu entusiasmo da visita ao Parque de Guarara-pes, e resolveu sugerir um passeio por lá. Foram os dois casais e os filhos.
No caminho foi contando a importância histórica da colonização holandesa, e da batalha decisiva da guerra de expulsão dos batavos para cujo local estavam indo.
Relatou nossa amiga, no telefonema, que ao chegar ao local, desceu do carro, ansiosa para mostrar as maravilhas que eu havia relatado quando de minha visita. Entretanto, ao olhar ao redor, andar uns metros, observar que no local só havia alguns canhõezinhos remanescentes daqueles tempos, uns morros e uns vales que se estendiam pela paisagem, sentiu-se decepcionada. Segundo ela, não tinha nada para mostrar: como o Pedro pôde falar tão extasiado de um lugar ermo? Eu tinha feito o casal passar por um carão. Embaraçados, deixaram o local o mais rápido possível.
Ela e o marido viram o local com outro olhar, bem diferente do meu, que confesso ter sido influenciado pela minha viagem no tempo e tentado entrar nos acontecimentos daquele dia histórico para os portugueses, e desastroso para os invasores.
* Virgilio Pedro Rigonatti, Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca