80 anos da volta dos nossos Pracinhas
Os filhos de São Sebastião do Paraíso na Segunda Guerra Mundial

Mariano Bícego*
Durante
a Segunda Guerra Mundial, o Brasil, único país da América do Sul a enviar
tropas de combate para o front europeu, atendeu ao chamado das forças aliadas
contra o Eixo. Em 1944, após declarar guerra à Alemanha e à Itália, o governo
brasileiro formou a Força Expedicionária Brasileira (FEB), composta por cerca
de 25 mil homens que partiram para combater no norte da Itália. Essa decisão
histórica levou o Brasil diretamente aos campos de batalha da Europa, onde seus
soldados, os chamados pracinhas, deixaram uma marca de coragem, sacrifício e
humanidade.
O
recrutamento dos soldados brasileiros envolveu milhares de jovens oriundos de
todas as regiões do país, incluindo o interior de Minas Gerais. De São
Sebastião do Paraíso, dezessete cidadãos atenderam ao chamado da pátria: Afonso
Carlos Prado, Alexandre Sposito, Carlos Delfante, Dario Salles Naves, Geraldo
Caetano Pimenta, Geraldo Giubilei, Hercílio Revelino, Joaquim Antônio Dimas,
José Colombaroli, José Curti, José Ferreira dos Reis, José Fioravanti, José Silvério
da Silva, Pedro Braghini, Sebastião Gonçalves Pimenta, Sebastião Souza Vieira e
Vivaldo Gonçalves do Nascimento. Esses nomes hoje compõem a memória viva de uma
geração que deixou suas casas e famílias para enfrentar a brutalidade da
guerra.
Muitos
destes eram oriundi, ou seja, descendentes de italianos, cujas famílias
vieram para o Brasil em substituição a mão de obra escrava e embora tenham
prosperado tanto na lavoura quanto nos negócios, ainda eram marginalizados pela
sociedade da época, mesmo antes da eclosão do conflito contra as forças do
Eixo. Raros eram os casamentos entre membros da comunidade italiana e de
famílias tradicionais e os oriundi não tinham muitas possibilidades de
ascensão social na Paraíso da época, mas isto não os impediu de servir a Pátria
e honrar o nome de sua comunidade, partindo para a luta na terra de seus
ancestrais.
Na
Itália, os pracinhas enfrentaram duríssimas condições de combate. Lutando em
terreno montanhoso, sob chuva, frio e neve, foram expostos a minas terrestres e
ao fogo inimigo constante. Participaram de batalhas marcantes como a Tomada de
Monte Castelo, Castelnuovo, Montese e Collechio, enfrentando tropas experientes
do exército alemão. A falta de preparo inicial foi superada com coragem e
perseverança. Muitos dormiam ao relento, enfrentando doenças, fome e o peso
psicológico da guerra. No início mal equipados, receberam equipamentos dos
americanos e partiram resolutos para a luta.
Mesmo
diante da destruição, surgiu um elo humano entre brasileiros e italianos. Os
pracinhas ficaram conhecidos por sua simpatia e generosidade: protegiam
vilarejos, dividiam comida com civis famintos e criaram laços com famílias
locais. A receptividade italiana, por sua vez, trouxe momentos de alívio
emocional e reforçou nos soldados o valor da compaixão mesmo nos tempos mais
sombrios. As marcas dessa postura e compaixão dos brasileiros, levando
esperança e alegria a um povo sofrido pela dureza da guerra deixou marcas tão
profundas que ainda hoje, 80 anos depois os italianos das regiões onde o Brasil
lutou, como a Toscana e a Emilia-Romagna, recebem os brasileiros com júbilo e
simpatia. Pude comprovar isso de perto nas visitas dos grupos de viagem que
levo para visitar estes locais em um roteiro histórico organizado todos os
anos.
Com
a rendição alemã em maio de 1945 e o final da guerra, os soldados foram
concentrados em acampamentos no norte da Itália e passaram a aguardar o
transporte de volta. Os soldados embarcaram principalmente nos navios General
Meigs, General Mann e General Pope, atravessando o Atlântico em viagens que
duravam entre 15 e 22 dias. As condições a bordo eram apertadas e
desconfortáveis, com beliches metálicos sobrepostos, banheiros limitados e
alimentação padronizada. Mesmo assim, havia alívio: o pior havia passado, e a
expectativa de rever a família aquecia os corações. As semanas seguintes foram
marcadas pela ansiedade e expectativa. Os embarques ocorreram em navios
americanos, em escalas, entre julho de 1945 e fevereiro de 1946. A travessia
pelo Atlântico era longa e desconfortável, mas repleta de esperança: o pior
havia passado, e a pátria os aguardava.
Ao
desembarcarem no Rio de Janeiro, passaram por triagens médicas e
administrativas e, finalmente, foram liberados para seguir às suas cidades de
origem. O trajeto até São Sebastião do Paraíso envolveu viagem de trem da
Companhia Mogiana, que conectava o interior de Minas a São Paulo e Rio de
Janeiro, em jornadas que podiam levar vários dias.
A
chegada dos pracinhas paraisenses foi marcada por uma celebração inesquecível,
que ocorreu no dia 3 de agosto de 1945, completando agora 80 anos. Segundo
relato do professor e maestro Clarindo Anacleto de Pádua Netto, então com seis
anos de idade, o retorno aconteceu ao cair da noite. As famílias, avisadas por
vizinhos e pelo som diferente do apito do trem da Mogiana, começaram a se
reunir na estação e nas ruas. Com o toque do trem, fogos de artifício
explodiram, buzinas ecoaram, e um verdadeiro espetáculo de comoção tomou conta
da cidade. As pessoas aplaudiam, se abraçavam e gritavam: “Os pracinhas já
chegaram ao jardim!”, referindo-se à Praça Comendador José Honório. Era ali,
naquele coração urbano, que São Sebastião do Paraíso recebia de volta seus
filhos como heróis — heróis de uma guerra que jamais será esquecida.
Porém
a memória do paraisense hoje anda um tanto quanto falha. A Praça do
Expedicionário onde os nomes de nossos pracinhas estava preservado e a memória
viva, foi totalmente descaracterizada, dilapidada e abandonada, hoje ninguém
sabe o porquê, e quem eram os Expedicionários. Foram heróis!
* Mariano Bícego: Historiador. Saiba mais sobre o Brasil na Segunda Guerra Mundial no Canal Viagem na História no youtube.com/viagemnahistória
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