Jornal do Sudoeste: A quem você puxou todo esse bom humor?
Marilda Lizareli: Acho que ao meu avô, Francisco Lizareli. Meu avô foi uma pessoa muito querida em Paraíso e eu digo que puxei muito para ele, ele tinha o apelido de Chico Piranha. Esse apelido é porque era muito bravo, mas ao mesmo tempo, uma pessoa muito alegre, colecionador de figurinhas e de carrinhos antigos. Torcedor do Palmeiras, embora eu não tenha puxado isso dele porque eu sou corintiana (risos). Eu herdei muito coisa dele. Ele tinha um lado bom de ver a vida e por mais que fosse sério, tinha essa pitada de humor que eu acho que tenho, ao contrário do meu pai que já é mais sério e centrado; e meu avô ao mesmo tempo que era sério e super correto com o trabalho dele, ele tinha esse lado humorístico.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância?
Marilda Lizareli: Minha infância foi toda em Paraíso, apesar de eu não ter nascido aqui, eu sou natural de Jabuticabal (SP). Também passei parte da infância na zona rural porque minha avó tinha sítio, então íamos para lá todo final de semana e era aquela loucura: pescaria, brincar e anda a cavalo. Eu tive uma infância muito feliz. Fui uma criança muito levada e brincava muito, aquelas coisas que hoje a gente não vê com frequência. A criança hoje é muito isso (tecnologia) e embora você possa acessar o mundo, é uma coisa limitada. Por exemplo, o contato que você tem em uma brincadeira corpo a corpo é muito diferente. Hoje em dia, a gente percebe que por mais que se tentou ficar preso somente nisso (celular), há uma mudança acontecendo; há grandes empresas que investem em encontros, não somente na parte sentimental, mas de amizades também. As pessoas já se cansaram disso (tecnologia) e viram que isso não preenche, nada substitui o contato humano.
Jornal do Sudoeste: Você tem irmã...
Marilda Lizareli: Sim, a Márcia. Ela é mais velha e é minha segunda mãe. Era super protetora, mas muito amorosa, sempre preocupada comigo e em saber o que está acontecendo. Ela é a grande parceira da minha vida e em todas as situações, seja na alegria, na tristeza, na doença, nos momentos ruins, ela está sempre ali, firme. Eu brinco que ela não é a Mulher-Maravilha, mas é o escudo da minha vida. Ela é bem protetora e eu sou feliz por isso. Quantas pessoas hoje em dia estão gritando por um socorro amoroso, um auxílio, um cuidado? As pessoas estão necessitadas desse carinho. Quando a gente tem a oportunidade de ter alguém que te quer bem, isso é muito precioso e eu acho que vale a pena mostrar que isso existe e que é possível. O mal existe, mas é o bem que vence; nós podemos passar pela luta que for, mas é sempre o bem que vence.
Jornal do Sudoeste: Hoje você é professora. Como era como aluna?
Marilda Lizareli: Como aluna eu era supercomportada, a melhor aluna da sala. Se eu tirasse 9,8 era um sofrimento. Fazia meus trabalhos e o caderno, se não ficava legal, arrancava a folha e fazia tudo novamente. Acho que já estava no meu DNA ser professora, embora tenha tentado outras coisas antes. Tudo na vida tem um espaço certo e um tempo determinado e às vezes quando a gente antecipa ou acelera isso, aquele momento não chega como deveria. Eu fui uma criança extremamente comprometida com a escola, no ensino médio e na faculdade. Lembro que todo mundo ia embora eu ficava, mas não me sentia mal por isso, era uma coisa que eu gostava e gosto muito de fazer, desse mundo dos cadernos e dos livros. Graças a Deus eu sou muito querida pela minha escola e meus alunos; falar que não temos problemas, que ambiente não oferece? Mas dizer que é um peso ser professora, para mim, não é. Eu não sinto um peso, mas há uma dificuldade pela situação que o mundo atravessa, não somente aqui em Paraíso.
Jornal do Sudoeste: Você tem outras habilidades...
Marilda Lizareli: Sim. Eu tenho uma segunda profissão que eu amo de paixão e é a profissão do meu coração, que é costureira. Eu amo costurar. Eu faço muito coisa e sou apaixonada por isso; você pega um pedaço de tecido e transforma em uma roupa linda. Faço muita coisa e acabo costurando para todos na escola onde trabalho. A costura é algo que me edifica muito e é uma terapia e um hobbie que gera um lucro. É uma profissão que tem se tornado escassa, não está se achando mais costureira e eu tenho que me “esconder” das pessoas, porque fica todo mundo procurado e eu não posso atender, devido a minha responsabilidade com os alunos durante o dia todo.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação acadêmica?
Marilda Lizareli: Eu fiz o Ensino Médio no Ditão e minha faculdade de História em Guaxupé. E as outras, entre elas minha pós-graduação em Pedagogia, eu fiz a distância e agora estou fazendo faculdade de Teologia, que também é à distância, mas nos envolvemos em muitos encontros, por exemplo, um encontro recente que tivemos com teólogos do mundo todo em Belo Horizonte, e é muito legal. Nesses encontros cada um discute um assunto e não são apenas assuntos recorrentes a área bíblica, porque a bíblia é um conjunto de situações que nós estamos vivenciando, só que ela tem aquela linguagem por conta da época em que foi escrita. No entanto, para nós transcrevermos o que está lá para os dias de hoje é muito simples. O que há de negativo lá é o que existe hoje, só mudaram os personagens. Se nós lutamos para mudar alguma coisa nesse sentido, mas ainda que você não consiga mudar a sua rua, se mudar alguma coisa dentro de você, já é um passo que você deu para a grandiosidade do mundo.
Jornal do Sudoeste: Antes de cursar a faculdade, você foi policial militar?
Marilda Lizareli: Sim. Eu estudei História depois de entrar para a Polícia Militar. Trabalhei cerca de quatro anos antes de fazer a minha primeira graduação, porque na época era exigido apenas o Ensino Médio para se entrar na PM. O que motivou a tomar essa decisão era aquela “coisa” de super-herói, que acho que todo mundo tem que é de querer resolver os problemas do mundo, mas quando você chega lá você percebe que a realidade é bem diferente. Eu vi que não era o que eu queria para minha vida inteira, mas foi uma tentativa e nem sempre o acerto vem de primeira.
Jornal do Sudoeste: Você tem alguma história interessante dessa época?
Marilda Lizareli: Várias, mas tem uma história que até hoje eu lembro e morro de rir, porque foi tão séria a situação.... Eu liguei para o Nelson Duarte, diretor do Jornal do Sudoeste, e pedi para ele buscar dois caixões (dois policiais tinham sido assassinados em Arceburgo); ele tinha me respondido tão sério, que não cabia no carro, que era um Fiat 147, que eu cheguei ao capitão, que estava supernervoso, e falei que o Nelson tinha dito que não teria como. Eu lembro que o capitão chegou a dar um tapa na mesa e questionado o porquê. Em determinado momento ele me perguntou para qual Nelson eu tinha ligado. Ele refez a ligação e foi aí que descobriu que era o Nelson do Jornal e não o Nelson da Funerária. Ele não aguentou, porque no meio daquela tragédia ele teve que rir. Foi um caso muito sério que aconteceu em Arceburgo: dois policiais tinham feito a abordagem, infelizmente não fizeram o procedimento correto de busca e um dos suspeitos que tinha sido algemado, conseguiu tirar a algema e pegar uma arma que estava escondida junto ao corpo e atirou nos dois militares pelas costas. Em meio a essa tragédia toda, acabamos rindo muito.
Jornal do Sudoeste: Você também trabalhou no Jornal do Sudoeste...
Marilda Lizareli: Sim, antes de entrar para a PM, e foi aqui que eu fiquei sabendo do concurso da Polícia Militar. Na época, o coronel Pedro Ivo veio trazer o edital para o concurso da PM e eu li e me interessei. Foi quando entrei na Polícia. Aqui cheguei a trabalhar um ano, na época eu trabalhei com o Roberto Nogueira e aprendi muito. Eu tinha 18 anos e foi uma fase muito boa. Tudo na vida são experiências positivas. Na época lembro que estava tendo muito problema com combustível; eu fazia muita matéria também com a Emater, eu gostava e gosto muito da natureza. Apesar de ser um pouco ansiosa, eu amo pescar e é algo que prende muito minha atenção, além da costura. São os extremos das pessoas e ainda bem que nós somos assim.
Jornal do Sudoeste: Por que História?
Marilda Lizareli: Eu sempre tive vontade de estudar História, mas a oportunidade veio depois que eu entrei na PM. Foram quatro anos presencial e após fiz minhas especializações a distância, o que também é muito legal porque antes não havia essas oportunidades. E pra quem se dedica, acredito que seja tão importante quanto a presencial.
Jornal do Sudoeste: Há quanto tempo você trabalha com a Educação
Marilda: Já faz 18 anos, no Ibrantina Amaral já são 17 anos lecionando. Logo nos primeiros anos eu já me identifiquei com a profissão, naquele contato direto com o aluno, no trabalho com a diversidade, embora seja um espaço físico tão pequeno, é um espaço mental muito amplo porque ali você recebe crianças e adolescentes de todas as situações. Há crianças que são estruturadas, crianças educadas, crianças com necessidades especiais e hoje a escola pública tem que atender a esse público e eu tive a oportunidade de trabalhar com essas crianças. É um mundo muito vasto, nós aprendemos, sofremos, mas no final nos edificamos como pessoa, porque você é um exemplo e eu me lembro bem de meus professores e naquela época era uma educação bem rígida.
Jornal do Sudoeste: Como você vê essas mudanças de gerações?
Marilda: Naquela época era tudo muito rígido e os professores eram muito bravos. Apesar disso, hoje a gente vê até que ponto vale a pena ter certa liberdade. Infelizmente, pelo menos na área na educação, se as pessoas tivessem mais cerceamento eu acho que a educação teria frutos maiores. Infelizmente isso não parte somente do professor, eu posso até tentar por limites a criança, mas é com a família que ela fica. Se a família não oferece esse limite, a criança chega a nós sem, e o professor, que ainda tem o currículo para dar conta, metas para vencer, no meio disso tudo tem que encaixar uma educação pessoal para o aluno e é o que complica. Eu digo que o professor é um grande equilibrista, e ele tem que se equilibrar no meio disso tudo para conseguir passar o recado dele e que, graças a Deus, eu digo que é um recado positivo e um dos poucos que nossa sociedade está tendo.
Jornal do Sudoeste: Quais seus planos, e qual o balanço que você faz até agora de sua vida?
Marilda Lizareli: Para o futuro, espero conclui minha faculdade de Teologia e fazer bom uso desses conhecimentos. Por onde eu for eu quero usar o que eu tenho aprendido nessa faculdade, que são conhecimentos muitos preciosos, seja no caminhar religioso ou pessoal. Quero conhecer mais um pouco da cultura judaica, que é um sonho meu, porque é algo que me encanta muito. Desses 42 anos, tombos todo mundo leva. Nós crescemos desses percalços e dificuldades existem a todo o momento, mas a alegria deve sobrepor tudo isso. Acredito que deveria ter menos julgamentos, quando a gente perde tempo julgando o outro isso não é legal, e nos diminui a possibilidade de acrescentar algo positivo na vida do outro. Por que ao invés de perder nosso tempo julgando, nós não trocamos ideias para tentar ajudar ao próximo? O mundo está gritando por socorro, as pessoas precisam de uma boa conversa, de uma orientação. Nós não precisamos de julgamentos, opressão e é esse meu sonho, para que o mundo se torne um lugar mais leve... que se tenha esse olhar diferenciado para o outro. Hoje, estou muito feliz no meu local de trabalho, que é a Escola Municipal Ibrantina Amaral, um espaço abençoado da educação e eu amo muito aquele lugar, aqueles profissionais que estão envolvidos e os alunos.