A guarda municipal e pedagoga Gisele Maria da Silva, de 33 anos, hoje está à frente de um dos mais importantes programas da Secretaria Municipal de Segurança Pública, Trânsito, Transporte e Defesa Civil, o “Educando para o Trânsito”, que trabalha com a conscientização das crianças sobre o trânsito e resgate de valores base da cidadania como respeito e amor ao próximo. Filha de Zilma Maria da Silva e Carmélio José da Silva, já falecido, Gisele teve uma infância humilde ao lado dos irmãos Cláudia, Cleyde, Fabiano e Gilson, porém feliz. Ela não tem muitas ambições na vida, e conta que tudo o que sempre almejou, conseguiu a base de muito esforço e trabalho, mas comenta que ainda falta aquilo que ela mais valoriza: construir uma família.
Jornal do Sudoeste: Você passou parte da vida na zona rural?
Gisele Silva: Sim. Morávamos na região do Posto do Sol, vivi lá até os 16 anos, depois viemos para Paraíso, aqui eu trabalhei 11 anos em uma fábrica, mas depois prestei o concurso para a Guarda Municipal e passei e desde então sou GM. Na roça, nós brincávamos de tudo e éramos muito livres, não tinha essa “coisa” da cidade de não poder ficar na rua e ter que ficar muito preso. Eu brincava de tudo, pique esconde, futebol enfim, nos divertíamos muito. Só deixamos a roça porque meu pai se aposentou, apesar de gostar muito de viver na zona rural.
Jornal do Sudoeste: Onde você estudou nessa fase?
Gisele Silva: Eu estudei parte na zona rural, em uma escola na Ipoméia e no Roque Scarano, na região dos Marques, mas quando entrei no fundamental 2 eu estudei no São João da Escócia até a oitava série e depois fiz o ensino médio no Clóvis Salgado. Na escola eu era muito comportada, fui muito tímida, sempre prestei muita atenção nas aulas e fui muito responsável. Eu sentava na frente, gostava muito de estudar e tirar boas notas. Eu era “chata”, porque era muito quietinha e as outras crianças não se comportavam assim.
Jornal do Sudoeste: Depois que se formou no ensino médio, o que você fez?
Gisele Silva: Depois que me formei comecei a trabalhar e parei de estudar. Trabalhei em uma fábrica por 11 anos, mas depois eu saí e fiz um curso de Magistério no Clóvis Salgado e logo depois entrei na Guarda. Coincidiu que esse curso me ajudou muito no trabalho que eu realizo atualmente. Nesse período resolvi fazer uma faculdade de Pedagogia e me formei. Decidi estudar pedagogia porque, como eu já trabalhava com criança, tinha feito magistério e realizado estágio em creche, resolvi buscar essa aperfeiçoamento. E também, por ter muita convivência nas escolas, eu via o que as professoras passavam, as diretoras me orientavam e também tinham alguns contatos que facilitaram meu estágio. Para mim foi muito bom e só confirmei o que eu queria fazer e gostava, que era trabalhar com crianças.
Jornal do Sudoeste: Sempre foi um sonho trabalhar com educação?
Gisele Silva: Eu relutei porque minha mãe sempre dizia que eu teria que ser professora e eu acreditava que não era algo que eu quisesse fazer. Mas foram surgindo as oportunidades e Deus foi colocando isso no meu caminho. Hoje eu gosto muito e penso que tenho um papel importante junto às crianças. Tento, por meio do “Educando para o Trânsito” resgatar valores que tínhamos antigamente e que hoje a gente percebe que está faltando, como o respeito.
Jornal do Sudoeste: Quando você começou na GM?
Gisele Silva: Eu comecei na GM em 2012. O Educando para o Transito já existia quando eu entrei, o programa já tem 10 anos. Foi um projeto criado por uma GM, a Andrea, que já faleceu. Desde então, passaram várias pessoas que não se adaptaram ao projeto. Por ventura, não era eu que coordenava o projeto, mas outra GM que entrou junto comigo, a Lilian, e eles precisavam de alguém para auxiliar no projeto, mas ela saiu e eu acabei ficando com a coordenação.
Jornal do Sudoeste: O que é e como funciona o projeto?
Gisele Silva: O “Educando para o Trânsito” inicialmente é um projeto que abrange apenas as escolas municipais, mas a proposta é trabalhar com todas as escolas do município. Estamos trabalhando com as crianças do 4ª ano questões como regras de segurança para ciclista, para pedestres, uso do cinto de segurança, entre outras questões. Nós orientamos as crianças a conversarem sobre isso com os pais em casa e também trabalhamos muito a questão dos valores que temos que ter, não somente no trânsito, mas na vida como um todo, como gentileza, educação, amor à vida e ao próximo. Fazemos esse trabalho durante um período, que dividimos em semestres por serem muitas turmas e no final do projeto fazemos uma formatura e realizamos a entrega do certificado de Participação. O trabalho tem sido muito positivo.
Jornal do Sudoeste: É um trabalho difícil?
Gisele Silva: Faz cinco anos que estou no projeto, então já criei certo vinculo com as escolas, eles já conhecem o trabalho que eu realizo. No começo, tudo é mais difícil, as pessoas não confiam, não sabem como você trabalha e isso gera desconfiança, mas hoje sinto que já adquiri essa confiança das pessoas. Não sei até quando eu continuo no projeto porque não depende de mim, mas até onde eu ficar, darei o meu melhor e vou continuar trabalhando, quero estar junto com as crianças, ajudando-as a melhorar.
Jornal do Sudoeste: Você já lidou com situações difíceis no projeto?
Gisele Silva: Eu já convivi com crianças que chegaram a mim e contaram, por exemplo, que o irmão foi preso porque estava mexendo com droga ou traficando, ou que o pai está na cadeia e contam isso com estrema naturalidade. As brincadeiras mesmo, entre eles, são com “armas”, mas faz parte daquela realidade que vivem, que é uma situação de risco que tentamos contornar, ajudar, mas que infelizmente não está apenas nas nossas mãos; a base, a família, é muito importante, e às vezes eles não têm essa base. Por conta disso, a gente acaba ficando um pouco frustrada, porém eu busco fazer o meu melhor e o que eu posso fazer eu faço, que é conversar e orientar. É aquele papel mesmo que nós fazemos, a Guarda Comunitária: que não é apenas trabalhar ostensivamente, mas conversar, trabalhar junto com a pessoa e buscar as causas que tem levado aquele problema, busca um resgate da pessoa; mas é mais fácil resgatar e educar desde pequeno, porque quando chega na fase adulta é muito mais difícil.
Jornal do Sudoeste: Vocês ressaltam muito a importância dessa educação no trânsito com as crianças?
Gisele Silva: Dizemos a elas que elas são os agentes multiplicadores daquilo que nós estamos transmitindo, porque nós sabemos que a maioria dos pais não respeitam as leis de trânsito. Há muitas histórias que essas crianças nos contam como, por exemplo, o pai que sai para beber e dirige; sobre acidentes de trânsito que aconteceram por irresponsabilidade dos pais. Assim, vejo que o que estou ensinando dentro da sala de aula, conversando com eles, não é bobeira ou inútil como muita gente acha. O trânsito está no nosso dia a dia; hoje é muito difícil alguém que não tem um carro e até mesmo quem anda a pé se não souber se comportar ou conviver com as outras pessoas, vai ficar cada vez pior. Infelizmente, vemos tantos jovens se envolvendo em acidentes de trânsito que poderiam ser evitados e ao mesmo tempo vemos tantas pessoas lutando para viver com uma doença gravíssima, mas vidas são tiradas por imprudência. Isso depende muito da gente.
Jornal do Sudoeste: A GM exerce um papel importante do município...
Gisele Silva: Tudo o que envolve ações no município e às vezes o fato de você estar uniformizado na rua a população procura apoio naquele GM. Eu acredito que a GM tem um papel fundamental na vida população; claro que toda instituição tem seus problemas, tem suas dificuldades, mas o que a gente busca é atender a população da melhor forma possível. Hoje, dentro do nosso comando, eu vejo pessoas que se preocupam com isso, em ajudar o próximo, e não somente em prender ou julgar alguém, é para ajudar a população. Já ouvi história dentro da Guarda de servidores que presenciaram um menino desmaiar de fome, mas eles se juntaram e compram um marmitex para alimentar essa pessoa. Às vezes nos juntamos para ajudar as pessoas que precisam, nosso trabalho não é apenas repreender, mas ajudar a população.
Jornal do Sudoeste: Hoje, o que falta para a GM?
Gisele Silva: A GM não é armada e acredito que faz muito além daquilo que ela pode fazer, no que podemos auxiliar a PM nos delitos que infelizmente acontecem, nós ajudamos da melhor forma. Na realidade, as mesmas situações que a polícia passa, a Guarda também sofre, como ameaças e é difícil, porque não temos todo aquele aparato que a PM dispõe, mas buscamos fazer nosso serviço com muito profissionalismo, ajudando as pessoas. Creio que daqui um tempo, poderemos adequar tudo. O Miguel, que foi comandante da Guarda e agora é secretário de Segurança Pública, tem lutado muito por isso e o que ele pode fazer ele tem buscado realizar.
Jornal do Sudoeste: Quais são seus planos para futuro?
Gisele Silva: Eu pretendo me aperfeiçoar mais, fazer uma pós-graduação nessa área de trânsito. Eu pretendo estudar, aprender mais e estamos sempre aprendendo, nós nunca sabemos de tudo. Independente do local que eu estiver eu sempre vou querer estar trabalhando em prol de alguém, para ajudar o próximo e acredito que isso nos enobrece um pouco, nesse mundo que estamos hoje, é o que eu procuro para a minha vida. Não tenho muitas ambições, só quero executar meu trabalho, ter saúde, poder estar com as pessoas que eu gosto e poder ter pessoas que me apoiam e que me ajudam. Faz cinco anos que estou na GM, e por mais difícil que seja, com o passar do tempo eu tenho visto as pessoas valorizando o que eu faço; às vezes ficamos chateados com certas coisas, mas tudo o que é trabalhado, tudo o que é gente acredita e busca, chega uma hora que as pessoas veem que você não está brincando e que você faz aquilo com profissionalismo. Sou muito aberta a sugestões, se for para somar tudo é bem vindo.
Jornal do Sudoeste: E qual o balanço que você faz desses 33 anos?
Gisele Silva: Desde que eu era criança, posso dizer que Deus foi generoso comigo. Morava na roça, éramos bem pobres, meu pai na época foi alcoólatra, sofremos bastante com isso, mas foi uma fase que passou. Nós sempre trabalhamos, buscamos o que nós queríamos, eu morava de aluguel, já não moro mais, tenho meu carro, fiz minha faculdade, não tenho o que reclamar da vida. A única coisa que ainda não arrumei e ainda e tenho vontade é de formar uma família, é a única coisa que eu sinto que falta na minha vida. Profissionalmente eu estou bem, feliz e tenho saúde. Valorizo muito essa questão da família, é importante. Eu vi sufoco que minha mãe passou, ela criou todos nós e felizmente todos seguimos por um bom caminho, graças a Deus hoje a gente vive uma estabilidade. Tivemos os momentos difíceis, minha mãe trabalhou na roça para não deixar nos faltar nada, passamos privação, mas hoje damos valor a tudo isso.