Após dois dias do evento histórico em São Sebastião do Paraíso voltado para a comunidade LGBT+, a notícia de que juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar na última semana que abre brecha para que psicólogos ofereçam terapia de reversão sexual, apelidada de “cura gay”, caiu como uma bomba em meio a comunidade que há anos luta por espaço e respeito da sociedade.
A prática é proibida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999, e motivou ação por parte da psicóloga Rozângela Alves Justino, em processo aberto contra o CFP, que teria aplicado censura à profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes. A psicóloga, e outros profissionais que apoiam a prática, defendem que resolução restringia a liberdade científica.
O Conselho se pronunciou sobre o caso, e em nota disse que “a decisão liminar, proferida na sexta-feira (15/9), abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de reversão sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogos defensores dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem qualquer embasamento científico. Na audiência de justificativa prévia para análise do pedido de liminar, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação, apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o pedido liminar”.
De acordo com a resolução do Conselho Federal de Psicologia, que impede tal tratamento, “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. Ainda, pela resolução, os psicólogos não exercerão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Os autores da ação, que apoiam o tratamento de reversão sexual, pediam que a norma fosse considerada inconstitucional por supostamente “restringir” a liberdade científica.
Para o jornalista, servidor público e militante da causa LGBT em Paraíso, Adriano Rosa, que tem um longo histórico na luta pelos direitos da comunidade no município, essa decisão foi absurda. “Foi motivada por ação de uma psicóloga evangélica, que teve seu registro cassado pelo Conselho Federal porque propunha aos seus pacientes a tal ‘cura gay’, contrariando o que determina a resolução do órgão. Homossexualidade não é doença, não é pecado e não é crime. Não tem o que ‘se curar ou se tratar’. A pessoa nasce assim e desenvolve sua orientação ao longo do tempo”, defende.
Em 2000 Adriano começou sua luta em Paraíso, quando a coluna “Cultura Pop”, que era publicada pelo Jornal do Sudoeste sob sua editoria, começou a abrir espaço para publicações com conteúdo direcionado aos gays, lésbicas e simpatizantes GLS (termo até então utilizado à época).
“Foram mais de 10 anos de edições semanais, com direito a processo judicial, posterior absolvição por falta de provas, muitos bafos, festas, militância e prêmios: oito no total, todos concedidos pela ONG Movimento Gay de Alfenas (MGA). Os desafios ainda continuam no sentido de abrir a mente das pessoas, mostrando que existimos e somos iguais, com os mesmos direitos e deveres”, ressalta.
Para o jornalista, a sociedade ainda permanece conservadora, principalmente em cidades do interior. “Há leis esperando aprovação no Congresso Nacional e que beneficiariam a classe e, infelizmente, há crimes hediondos sendo comedidos contra homossexuais, ficando seus algozes impunes. Precisamos evoluir muito e cada vez mais”, alerta.
Ainda, de acordo com Adriano, o único problema que existe são àqueles que não aceitam a sua natureza, o que leva a autorrejeição e muitas vezes ao suicídio. “Isso ocorre pelo medo de não serem aceitos pela família e a sociedade discriminatória e homofóbica. O Brasil é o país que mais mata gays e travestis no mundo. O juiz foi infeliz em sua decisão e quis garantir o direito da profissional (sic) em adotar a terapia (sic) que ela considera adequada com seus clientes. Os órgãos competentes, os movimentos organizados e a própria classe LGBT já se movimentam para combater esta liminar absurda e derrubar esta decisão”, completa.
TAMBÉM CONTRÁRIA
A psicóloga Patrícia Chicaroni, também não é favorável à decisão do juiz e diz que ela não condiz com a realidade científica da Psicologia, isso porque, segundo ela, o desejo sexual não é considerado doença e não faz parte dos transtornos da sexualidade humana.
“Nós, profissionais da Psicologia, tratamos os sofrimentos emocionais das pessoas, independente de suas escolhas, de suas crenças e costumes. A Psicologia pode ajudar na orientação sexual quando o sujeito ainda tem dúvidas, o tratamento psicológico tem como objetivo o esclarecimento e resolução dos conflitos do paciente que procura ajudam”, ressalta.
Ainda, conforme a especialista, que também já atendeu a homossexuais que procuraram ajuda, os tratamentos foram no sentido de ajudar na resolução de conflitos diante da não aceitação da própria sexualidade. “Os homossexuais procuram ajuda para lidar com os conflitos emocionais familiares e sociais, procuram ajuda para lutarem pelos seus direitos de igualdade na sociedade. Sobre a decisão, não sei se devo dizer retrocesso, penso numa falta de conhecimento sobre a profissão e sobre o desejo sexual no âmbito científico”, completa.
O caso vem ganhando repercussão nas mídias sociais e apoio contrário a decisão dos mais diversos seguimentos, que vêm realizando a campanha “não existe cura para o amor”, adotada por empresas, artistas e apoiadores da causa e que lutam contra a homofobia.