Está na bica. Toda a estrutura pronta, e o projeto iniciado em 2015 prestes a entrar em linha de produção. Não fosse a burocracia de órgãos governamentais que via de regra tem dificultado a trabalhar e produzir nesse país, já estaria em funcionamento em Sebastião do Paraíso uma indústria com capacidade para despolpar quatro toneladas de abacate por hora. A indústria tem como principal produto o óleo, azeite de abacate, e como subprodutos a farinha através do aproveitamento do resíduo sólido da extração do óleo, e o inseticida, já com patente registrada, e terá como base o caroço da fruta.
A previsão é que dentro de dois a três meses a empresa Flor do Abacate esteja funcionando. Nasceu da visão do engenheiro agrônomo José Carlos Gonçalves, pesquisador, consultor internacional e empresário, o maior produtor brasileiro da variedade de abacate Breda.
Gonçalves tem projeto ousado, e o faz com conhecimento de causa. Ressalta que testes feitos demonstram ser de primeira qualidade o azeite produzido por ele, e a meta e equiparar-se, e até mesmo ultrapassar o obtido na Nova Zelândia, que é referência mundial. “E vamos obter”, afirma.
Formado há 53 anos pela USP, José Carlos Gonçalves foi agraciado com o título de Agrônomo do Ano do Estado de São Paulo em 2016, concedido pela Associação dos Engenheiros Agrônomos daquele estado. “Na minha fala de agradecimento, disse que tive muita sorte, primeiro por ter estudado em Universidade muito boa, a USP, uma escola que tem mais de cem anos, a Escola Superior Luiz de Queiroz de Piracicaba, e por ter feito parte da chamada Turma de Ouro da ESALQ. Desta turma tivemos dois ex-ministros, gente de muita projeção, inclusive o “pai da soja”, o cientista Romeu Kiihl, criador da soja que pode ser plantada em todas as latitudes, isto não é coincidência é sorte”.
Depois de trabalhar em Campinas com um grupo de pesquisadores num período em torno de dez anos, equipe vista como o que havia de melhor no Brasil na época, e lhe deu cabedal de conhecimento e experiência equivalente a “uns 50 doutorados”, e também no extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), zoneando andando para plantar café, José Carlos Gonçalves desligou-se do serviço público e foi diretor de uma empresa. “Fundamos quatro cidades no Mato Grosso, Sinop, hoje com mais de 120 mil habitantes (a maior proporção de universitários e população geral),- Vera, Claudia e Carmen. Considero isto sorte, continuou a vida, passei a fazer consultoria nacional e internacional”, conta.
A atividade ligada ao plantio de abacate iniciou-se há 30 anos, e conforme explica veio como alternativa para o café em sua fazenda no município pau-lista de Cajuru. “Optei pelo abacate que na época era tido como vilão. Acho que foi intuição, golpe de sorte, muito pragmatismo porque fiz levantamento de preços e vi que em determinada época o preço do produto subia muito. Tive também pitada de ajuda porque consegui algumas variedades que estavam despontando, e optei pela variedade certa, sem conhecer, duas ou três, e fui para a variedade Breda, das mais nobres no mercado, e o projeto fluiu, foi aumentando”, explica.
Nesse ínterim começaram a sair os novos resultados de pesquisas sobre abacate, atestando fazer bem para a saúde, universidades divulgando resultados, a comercialização do produto no melhorando, e com isso fui ampliando minha produção, salienta Gonçalves.
Como exemplo ele cita dois dados, sendo uma tese de doutorado na UNESP campus Botucatu sobre comercialização que afirma no período 2007 a 2012 ter crescido em 47% o volume de abacates que deu entrada na CEAGESP. “De lá para cá creio que a espiral continua”, salienta Gonçalves.
Existe outro dado também importante e significativo dando conta que nos Estados Unidos entre 2000 a 2014 o consumo per capta aumentou 40% , e no mundo todo houve “explosão de consumo tanto que está faltando em termos mundiais”.
Depois da primeira fazenda em Cajuru, adquirida em 1978, Gonçalves adquiriu em 1986 outra no município de São Tomás de Aquino, e em 1999 o Chapadão, exatamente para fruticultura, posteriormente vieram as nos municípios de Cássia e Ibiraci, assegurando colheita anual de mais de quatro mil toneladas de abacate.
“Peguei dados históricos que remontam 50 anos sobre o preço do produto, e continuo atualizando. Optei por propriedades onde há clima frio, e por variedades tardias”. Sobre a cultivar a ser utilizada, Gonçalves afirma que a variedade é grande, mas a escolha a ser plantada é importante. Ele compara que algumas exigem mais cuidados. “Comparo ao gado holandês, cujo manejo demanda ter tecnologia, conhecimento em relação aos da raça Zebu. No entanto, chega a valer o dobro da outra, e isto também ocorre com o abacate.
Quanto ao preço histórico do produto, José Carlos Gonçalves salienta que nos meses de novembro e dezembro a produção cai muito, e por conta da oferta e procura o quilo via de regra comercializado a R$ 2, passa a custar R$ 5, R$ 6. Isto o tem conduzido a buscar cada vez mais variedades que amadurecem mais tardiamente. Na fazenda no Chapadão que está a 1.200 metros de altitude, a produção atrasa um mês em relação às outras. Em suas pesquisas Dr. José Carlos deu outra tacada, e conseguiu variedade que é mais tardia ainda, com teor de óleo razoável, apresentou bom teste de degustação. Está providenciando a enxertia de umas 10 mil mudas dela.
A vida não para, diz ele. “A única coisa que você não pode controlar é o tempo. Procurando coisas novas você acerta e erra. Quando se fala êxito deve se levar em conta ser ele composto de duas coisas, ou seja, conhecimento e trabalho, pitadas de sorte também, intuição que a ciência convencional não aceita, mas neurocientistas mostram que existe. É um conjunto de coisas que você vai tocando a vida, e o que é importante, gosto muito do que faço. Sempre fiz por desafio, porque gosto. Cheguei ao Mato Grosso, a 500 quilômetros ao norte de Cuiabá, a estrada Cuiabá Santarém não havia chegado. Abrindo mato, vida de aventura. Um pequeno avião nos deixava e ia buscar 10 dias depois”.
SUBSTITUIÇÃO GRADATIVA
Quando começou a cultivar abacates na fazenda em Cajuru, José Carlos Gonçalves iniciou fazendo o plantio no meio da lavoura de café menos produtiva, que seriam eliminadas. “A cada três ou quatro ruas eu tirava o café e colocava uma rua de abacates, ou seja, formando abacate, produzindo café. O café ajudava pagar a formação, depois de algum tempo o abacate me dava o café de graça. Em vez de trabalhar plano, trabalhei em três dimensões. A parte de baixo produzindo café, e a de cima abacate. Toda a adubação que fazia no café o abacate aproveitava, e quanto pulverização, a mesma coisa. Eu pensava que o abacate seria explorado por cinco seis anos, acabei por dez doze, todo jeito”. Atualmente abacateiros ocupam área de em mais de 400 hectares em suas propriedades.
Procuro por nas minhas fazendas situação mais próxima da natureza, aproveitar aquilo que a natureza nos dá de graça, isto não quer dizer que não uso tecnologia, mas observando as vantagens da natureza, diz. “Acho que uns dos erros de hoje, é estarmos indo para um lado de muita tecnificação, muito uso de agroquímicos, e isto vai causar e já está causando desequilíbrio”. Gonçalves defende soluções tecnológicas, mas tecnologia inteligente.
Do plantio à primeira colheita são de três a cinco anos, mas economicamente falando depois de seis anos é que cultura dará o retorno esperado, mas conforme observa Gonçalves, “precisa ser bem cuidada, “igual uma criança”. Na continuidade em busca de aprimoramento, Gonçalves está fazendo trabalho de campo para redução de porte do abacateiro, geneticamente enxertando variedades anãs. “Vamos lançar um miniabacate no mercado, tamanho de bola de ping pong, que floresce e frutifica em três meses, e vai entrar no pico do preço quando falta abacate, entre novembro e dezembro”, conta.
O abacate, conforme explica José Carlos Gonçalves é uma das culturas mais exigentes em física do solo, não suporta solo ácido, com pouco oxigênio, e o solo não pode ter teor de argila muito alto. “A química do solo você faz, a física somente a natureza faz, tem alguns procedimentos que você melhora fazendo subsolagem. Fertilidade você repõe”, explica. Alta umidade do solo também é prejudicial, porque quando o solo é muito pesado, é raso, tem muita argila, a água escoa muito lentamente, e por ficar muito úmido, fungos proliferam e matam o pé de abacate.
Ser produtor rural, agricultor, conforme afirma o engenheiro agrônomo José Carlos Gonçalves, o realiza. Vai todos os dias para a fazenda, mas por outro lado continua com pé fincado no mundo das pesquisas, sempre buscando soluções e inovações, e isso é feito de maneira experimental em suas fazendas. Um desses experimentos é a procura de um “inimigo natural” para pragas em abacateiros, para a qual conta com parceria de três pós-doutorandos, dois doutores do Instituto Biológico, um professor da ESAL que periodicamente vêm a Paraíso. “A cada 15 dias também mando amostras para eles”, salienta.
Outro experimento desenvolvido por Gonçalves foi produzir isca formicida feita com caroço de abacate, que está sendo patenteada. “Venho estudando isto há sete anos com a USP, UFSCAR e UNESP e já saiu a patente. O produto poderá ser utilizado também no combate ao inseto que transmite o greening da laranja, a mosca branca, a lagarta do milho, a saúva. O caroço vai valer tanto quanto a polpa, ou igual, ou às vezes, dependendo do andar da carruagem até mais”, prevê.
Além disso José Carlos Gonçalves incentiva profissionais da área lhes concedendo bolsas de estudo em pós-graduação, financiando teses de doutorado, apoio logístico. “Procuro dar para a sociedade a oportunidade que tive de ter estudado em universidade pública. Sou de origem humilde, meus pais e avós trabalharam muito, e o trabalho é a marca de nossa família”, afirma.
Meta é produzir óleo de abacate com qualidade internacional
A indústria, conforme explica José Carlos Gonçalves, é um sonho tão antigo quanto o plantio de abacate. “Um dia meu filho chegou e perguntou se eu tinha noção de quantas toneladas tínhamos perdido. Mais de 500, disse ele, ao propor que montássemos uma fábrica de óleo. Ele administrava a parte de engenharia civil, construindo, e eu em busca de tecnologia, equipamentos. Tecnologia toda nacional, despolpador feito em Limeira aonde fui umas 15 vezes, para o pessoa testar desenvolver. Uma centrífuga que separa óleo, água, parte sólida, fabricada em Santa Catarina. Viemos implantando, fizemos projeto fomos construindo, trazendo gente, contratamos engenheiro químico muito bom.
A fábrica veio exatamente para isso, o que não vai para mercado vai para óleo. Num primeiro estágio vamos trabalhar a nossa fruta, depois se houver possibilidade poderemos comprar de outros produtores. Com esta mesma estrutura teremos outra linha de produtos, ou seja, polpas de batata doce, de banana, goiaba. Temos consultor especializado nesta área, salienta.
Quanto ao óleo de abacate, José Carlos diz estar contando com a ajuda de dois professores da Faculdade de Farmácia da USP de Ribeirão Preto, e de professora do Rio Grande do Sul que tem feito pesquisa há cinco seis anos, tendo constatado que a farinha da polpa fica muito rica em antioxidante.
Para quem já trabalhou no serviço público, e hoje está na iniciativa privada conhecendo bem os dois lados da moeda, José Carlos Gonçalves lamenta o “custo Brasil”, a burocracia, “pessoal que está sentado em cadeira atrás do balcão, e não sabe fazer”. Lamento profundamente, diz.
“Tem que ser teimoso para fazer alguma coisa”, conclui o engenheiro José Carlos, ao questionar: “Vai dar certo? Não sei, só que Deus me deu a condição de hoje fazer isto com recurso próprio, se errar vai ser um aprendizado, se eu acertar dará retorno para a sociedade. Estou correndo o risco”.
Mas o maior produtor de abacate Breda do país, a exemplo de tantas outras empreitadas, com os pés no chão, capacidade técnica e empreendedorismo já antevê estar no caminho certo. E a ele se deve São Sebastião do Paraíso ser município reconhecido como polo de produção de abacate, tanto em qualidade quantidade e tecnologia. Projeta a cidade e a região.