ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 28-08-2019 14:04 | 767
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Reprodução

Reforma Agrária já era
O Brasil perdeu o bonde da história no quesito reforma agrária. Foi-se a época em que assentar campesinos lhes mataria a fome ou recuperaria sua dignidade perdida. O sertanejo não quer mais ficar na roça e os fazendeiros simplesmente não tem mais mão de obra rural disponível com a fartura de outrora – empregados rurais geralmente são muito bem pagos e específicos para cada setor produtivo. Acabaram-se os capatazes e “pau pra toda obra” das plantações e lavouras, o agregado responsável por toda a cadeia de produção pecuária, o fiel meeiro jeca do Sítio do Pica Pau Amarelo. O jovem rurícola de hoje quer trabalhar com agronegócio e carteira assinada. O pai de família caipira luta pelo filho estudando em faculdade e voltando veterinário ou agrônomo pra trabalhar de empregado em grandes empresas agrícolas  com todos os benefícios da CLT. Hoje, assentamentos só servem para fazer política e favelizar áreas já inóspitas e improdutivas. Claro que não devemos ficar de braços cruzados e precisamos criar alternativas para o homem do campo, mas a reforma agrária, como formatada, já não resolve o problema de terras devolutas, nem o desemprego, nem a fixação do trabalhador no meio rural, na sua terra e no meio de sua gente – se deixarem, as classes desfavorecidas abandonariam e deixariam às moscas o sertão nordestino. Jovens camponeses não querem mais curar berne de vaca ou espargir veneno em plantação de tomate. Seu sonho é dar rolé de trator, fazer faculdade e ser peão de rodeio. O futuro do campo é o agronegócio.

Competitivos
Não há meio mais competitivo que o artístico. Acreditem em mim, porque produzo, ou tento produzir, literatura, já há vários anos e quatro livros, uma dezena contos e ensaios e inúmeros artigos. Se um servidor público, um magistrado, enfrenta concurso público para ingresso na função e, depois, concorrência saudável e episódica em sua respectiva carreira, com o meio artístico a coisa é muito mais cruenta e acirrada. A cada nova obra se briga por espaço na mídia, se procura cativar formadores de opinião, aproximando-se dos grandes veículos de comunicação. É uma briga de foice no escuro, e só os bravos e os geniais sobrevivem. Você acha que é muito bom porque é muito bom na sua aldeia. Em um grande centro descobre que há um monte de gente tão talentosa quanto você, ou melhor. E há um caudaloso mercado de interesses comerciais enfronhado na indústria cultural – artistas magníficos que não tem os contatos certos e “somem” dos meios de comunicação, e celebridades sofríveis que, com as amizades certas e favores trocados, permanecem na crista da onda ditando moda e ganhando horrores. Isso não me sai da cabeça quando vejo a grande imprensa fomentando disputas ideológicas em inúmeros casos que fustigam as instituições combalidas de nossa complicada República.

Colégios militares
Corria o ano de 1988 e eu era um jovem recruta do Exército Brasileiro. Não gostava de ser milico enquanto era milico, mas sabem de uma coisa? Depois de dar baixa me veio uma saudade enorme, uma nostalgia gostosa, uma vontade de voltar pra caserna e de lá não mais sair. Não há lugar mais democrático do que o quartel: lá você vale pela sua utilidade, não pelo sobrenome famoso ou pelo dinheiro da família ou por sua aparência física. A disciplina rígida te ensina a respeitar horários, utilizar pronomes de tratamento, amar a pátria e respeitar o próximo. Apesar de me dar genericamente bem com todos, eu tinha dois traumas invencíveis que atormentavam meus dias de serviço militar: banho frio e acordar de madrugada. Era o terror de minha curta carreira de membro das forças armadas. Além disso, detinha uma inimizade enfática com outro recruta, o Custódio, paupérrimo da Favela do Morro do Papagaio em Belo Horizonte, brigão e barulhento. Mas ele era o único eletricista do batalhão, e eu mal e mal lavava o chão e servia de sentinela armado na guarita. Por isso ele era distinguido e bem aceito pelo comando e eu, filho da classe média e instruído, era esquecido a fazer faxinas nos alojamentos. No entanto, quando saímos na porrada no auge de nossas desavenças, ficamos os dois detidos no quartel – e aí fizemos amizade, porque nos igualamos. É isso que o Exército faz por você, torna seu colega de farda um irmão. É o que desejo para os nossos filhos e é algo que os Colégios Militares, se estrategicamente difundidos, podem proporcionar à juventude do país.
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor