Faleceu na última quarta feira dia 30 de setembro, aos 91 anos, Dr. Glauco Joaquim Rosa de Figueiredo. Meu primo distante, colega de profissão e amigo.
Um homem de poucas palavras, mas que sabia expressar seus sentimentos através dos olhos, ora doces, ora severos, mas sempre justos. Edificador silencioso do maior projeto de saúde de nossa cidade, o Hospital do Coração, trabalhou na Santa Casa desde os tempos em que se fazia medicina com sacerdócio e amor ao paciente. E como trabalhou!
Nunca buscou reconhecimentos do grande público ou expressou as vaidades comuns da profissão. Seu compromisso sempre foi em cuidar do paciente e da Santa Casa fazendo isso com uma devoção que superava as limitações que o tempo impunha em seu corpo!
Em 2008, Dr. Glauco convidou a mim e minha esposa para trabalharmos na Santa Casa, com um projeto de iniciar neurocirurgia. Foi formal, gentil e de uma elegância vista apenas em catedráticos de grandes universidades.
Aceitei seu convite, mas disse que para o serviço prosperar, precisaríamos de uma equipe! Já em 2009, em minha primeira cirurgia, nervoso antes de começar o primeiro procedimento neurocirúrgico da cidade, olhei no canto da sala e vi um senhor de máscara e capote. Quieto, mas com olhos vibrantes de um estudante de 18 anos, aproximou-se e pediu com muita humildade se poderia me ajudar. Demorei para acreditar que era o octogenário Dr. Glauco!
Disse a ele que seria um enorme prazer tê-lo ao meu lado. A cirurgia durou seis horas e ele não tremeu, titubeou ou pediu para se retirar devido ao cansaço. Descobri durante a operação que tínhamos estudado na mesma faculdade de medicina, antiga Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Ele em 1957, eu em 1997.
Ficou até o fim, auxiliando-me como um verdadeiro neurocirurgião auxilia! Saiu da sala com seu passo vagaroso de sempre sem falar nada, mas sorrindo, o que era raro de se ver.
No dia seguinte, acordei cedo para ver o paciente, e ao chegar à enfermaria, ele lá já estava! O paciente recém operado estava ótimo.
Logo em seguida ele estendeu sua mão até a minha, me cumprimentou e agradeceu, com a doçura e generosidade dos grandes homens.
Agradeceu-me por cuidar de um paciente por ele desconhecido, pois sentia-se responsável por todos aqueles que amargavam as doenças no hospital.
Naquele momento percebi que o Dr. Glauco não era um médico que apenas dirigia a Santa Casa ou realizava cirurgias. Ele era o médico que zelava e cuidava de todos os enfermos que lá estavam. Fazia de sua profissão uma arte de ajudar, cuidar e acalentar o sofrimento humano. Nunca norteado por ganhos financeiros ou sociais, mas por amor ao próximo e à profissão.
A sua ausência física será substituída pela presença de seus grandes feitos. Sua herança serão todas as vidas salvas pelo hospital que dedicou em construir!
Seu legado forja-se pela integridade, ética e responsabilidade de um grande esposo, pai e amigo.
E que seu exemplo seja seguido pelas novas gerações de médicos que aqui se formam. Para que alicercem sua profissão embasada no amor, devoção e humildade, desapegando-se das vaidades e futilidades mundanas.
Que você tenha o merecido descanso dos justos com a tranquilidade do dever aqui entre nós cumprido! Como dizia Guimarães Rosa, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”! Assim como você nos encantou em vida, encontrará o encantamento no descanso eterno.
Muito obrigado!
Daniel Figueiredo de Paula