ELE por ELE

A história do cinema em Paraíso projetada pela memória

Por: Redação | Categoria: Entretenimento | 24-07-2010 10:06 | 881
Foto: Arquivo Jornal do Sudoeste

24 e 25 de Julho de 2010 edição 523
por  Ana Paula Hortapor  Ana Paula Horta

Com uma postura ereta e um andar ligeiro, Sebastião Mateus da Silva tem 72 anos bem vividos. De bom humor, cordial e bom de prosa nosso entrevistado da semana tem uma história de vida que se mistura à história cultural de São Sebastião do Paraíso. Como ele mesmo disse, se falarmos em Sebastião Mateus da Silva ninguém sabe quem é, mas se falarmos em “Tião do Cinema” as pessoas logo se lembram dele. Este apelido se deve aos 58 anos em que Tião se dedicou a trabalhar nos dois antigos cinemas de Paraíso, Cine Recreio e Cine São Sebastião. Começou como baleiro, aquele menino que ficava vendendo balas em um tabuleiro portando uma lanterninha de mão para voltar o troco. Depois de uns anos, Tião foi para a cabine onde os filmes eram projetados. De início tomava conta dos rolos e monitorava o enquadramento dos filmes, mas depois passou a ser o projetor, o chefe do maior centro de entretenimento cultural que Paraíso já teve. Ele fala de um tempo que deixou saudades em todos que o viveram e até hoje desperta interesse nas novas gerações que, infelizmente, não desfrutaram dos antigos e famosos cinemas da cidade. 

Onde o senhor nasceu, como é sua família?
Sou de Paraíso. Nós éramos dois irmãos, um faleceu e fiquei eu. Depois com o tempo, veio minha irmã que hoje mora minha vizinha. Meu pai mexia com comércio.

Como foi sua infância?
Teve uma época que meus pais trabalhavam na roça e eu saia de manhã cedo com seis sete embornais com almoço dos adultos. Eu ficava lá até umas duas da tarde depois vinha embora para a cidade. Isso foi poucos anos, até eu ir para o cinema.

Quantos anos de cinema?
58 anos.

O senhor começou no cinema com que idade e fazendo o quê?
Comecei com uns oito anos, no Cine Recreio. Comecei vendendo balas em um tabuleiro para a Dona Regina Leão. A sociedade do Cinema Recreio era dos irmãos Fressatti. Eu vendia balas em um tabuleiro repartido. Tinha balas Chita, balas Pipper, que eram as mais vendidas, tinha o chiclete Adans e a goma de mascar. Quando começavam os filmes, enquanto estava no trailler, eu estava vendendo no escuro. Tinha uma lanterninha para voltar o troco no escuro. Era uma beleza, uma delicia. Passados uns tempos eu fui para a cabine do cinema aprender a enrolar e projetar filmes, com um dos donos do cinema, que era o Augusto Fressatti. Isso foi uns anos e depois eu adquiri conhecimento para passar a projetar. Eles venderam o cinema para outros donos, mas eu continuei lá.

O que o senhor fazia na cabine?
Eu enrolava filme e ficava de olho na tela porque às vezes saia de quadro e a gente tinha que enquadrar. Na cabine eram dois aparelhos e duas pessoas. Enquanto um estava enrolando e colocando a fita no aparelho, o outro estava projetando. Então, tinha que ficar de olho na tela para por no quadro de novo caso saísse enquanto o filme estava passando. Com o passar dos anos eu passei a ser o chefe da cabine, tudo era por minha conta. Eu projetava e revisava o filme, pregava os cartazes nas tabuletas lá fora. Meu português não é muito bom, mas sempre tinha um amigo para avisar quando eu escrevia alguma coisa errada ou faltando alguma letra (risos). A nova sociedade adquiriu o Cinema São Sebastião e eu fiquei “o manda chuva”. Projeção, revisão de filme, prega de cartazes, buscar os cartazes em Ribeirão, era tudo por minha conta. Eu pegava o ônibus aqui e ia lá em Ribeirão Preto pegar os cartazes.

Como os filmes vinham para Paraíso?
Eles vinham de ônibus. Nós contratávamos em Ribeirão Preto, onde tinha várias companhias que distribuíam filmes, e eles mandavam de ônibus. Acontece que às vezes atrasava o filme e o senhor Gilberto de Carvalho, que era dos gerentes, mandava me chamar e falava: “Sebastião, monta no carro e vai lá buscar o filme”. Eu ia lá em Ribeirão, em qualquer casa de filme, pegava e vinha embora passar. O filme chegava já tinha gente esperando para assistir.

Como era o movimento do cinema em Paraíso?
Nem te falo. Por exemplo, aqui nós lançamos os filmes Ben Hur, Espartacus, os Dez Mandamentos. Passavam em uma base de seis a sete dias seguidos e toda sessão lotava. Eu não esqueço até hoje de um filme que deu muita bilheteria em Paraíso, um dos que eu recordo e que tive acesso aos borderôs para mandar para a Embrafilmes, que eles controlavam os ingressos, foi o filme “Estrada da Vida: Milionário e José Rico”. Passou uma semana aqui e foi embora com o cinema lotado. Passou sábado duas sessões, domingo três e segunda, terça, quarta, quinta e sexta, todos os dias o cinema lotado. E tivemos que mandar o filme para outra cidade. Lembro-me que foi para Mococa. Ali na praça não tinha calçadão ainda e era aquele movimento de gente. As pessoas se encontravam na Praça, em frente ao cinema e ali ficavam. Os homens andavam para um lado e as mulheres para outro, o famoso flerte. Era uma beleza, um movimento que você não faz ideia.

O senhor me disse que o Cine São Sebastião era modelo na região. O que tinha nele de especial?
Tinha uma sala de estar, bomboniere, tinha uma mesa com revistas e jornais para a pessoa ler antes de começar o filme. Teve uma época que passava uma novela chamada Direito de Nascer que fez o povo se afastar do cinema um pouquinho porque passava justamente na hora de uma sessão. Mas o senhor Gilberto de Carvalho teve a ideia de comprar uma televisão e eu pus lá na frente do cinema. Na frente tinha uma imitação de uma fonte luminosa e ele mandou eu desligar a fonte e por uma televisão para o povo ver a novela. Muita gente assistia a novela lá e quando acabava a novela entrava para ver o filme. No cinema tinha uma tela que na região não existia; ela tinha nove metros de altura por dezoito de largura (cinemascope). Passava filme que todo mundo que chegava aqui ficava abismado. 

O senhor falou em enrolar filmes, projetar e enquadrar. Explique, por cima, como eram os filmes antigamente?
Os filmes vinham em rolos dentro de umas latas. Para cada filme eram muitos rolos, muitas latas. A gente tirava aquele rolo e punha no parelho para rolar. O rolo de filme já vinha com a gravação do som. Uma vez veio um filme de ópera, eram umas doze latas de vinte minutos cada. Começou a passar aquilo lá e o povo começou a cantar, um cantava dali e outro de cá. O finado Zezé Amaral falou para cortar um pouco do filme, para colocarmos o final no meio para segurar o povo no cinema. Foi engraçado. Lotava o cinema. Sexta, sábado, domingo, segunda, todos os dias lotava. Tinha dias que quando acabava uma sessão a fila para a próxima estava ali na esquina onde é a Castro Confecções, pessoas esperando para entrar no cinema. 

Por que o cinema foi fechado?
Eu não lembro datas, mas sei que foi fracassando foi fracassando e no fim estava dando prejuízo. Alugava filme em Ribeirão Preto e chegava aqui não dava para pagar o aluguel com a renda do cinema. Com isso foi indo, foi indo até que teve que fechar. Então resolveram por uma loja lá.

O que te faz sentir mais saudades do cinema?
Da turma de amigos. Ali era um lugar de reuniões. Tinha uma turma que marcava ponto lá: o Dr. Quinzinho, o Hélio Figueiredo e outros. Eles iam todos os dias e até assistiam duas ou três vezes cada filme. Eles tinham os lugarzinhos dele lá no cinema. O Dr. Quinzinho era um dos maiores acionistas do cinema e ia muito lá. Sinto saudades dos momentos de alegria que tivemos juntos ali.

Como era viver em Paraíso naquela época?
A gente andava nas ruas tarde da noite e era uma tranquilidade. Hoje, às oito da noite já temos que fechar a casa. Eu, por exemplo, saía do cinema às dez e pouco da noite e ia na Lanchonete Achei, que era do Tião Repolho, e ajudava ele ali um pouquinho quando estava apertado. Eu ajudava lá, comia e tomava uma cervejinha. Depois eu ia para casa, tran-Squilo, tarde da noite, sem problemas. Era uma delicia. Era uma delicia minha vida. Eu só trabalhava e não preocupava com nada.

E depois que o cinema fechou, o que o senhor passou a fazer?
Eu já estava trabalhando como técnico de rádio. Tinha aprendido com o finado Juca Mafra e nas horas vagas eu mexia com isso. Depois comecei a mexer com televisão e mais pra frente com a parte elétrica. Hoje sou eletricista. Estou ai fazendo meus biquinhos, com 72 anos. Aposentei pelo cinema. Todos me conhecem por “Tião do Cinema”. Se você chegar ali na esquina e perguntar onde mora o senhor Sebastião Mateus da Silva ninguém vai saber. Mas se perguntar onde mora o “Tião do Cinema” todos vão mostrar minha casa.

Como é seu dia a dia?
Meu dia a dia é trabalhar com alguma coisa, assistir uma novela e ir nos fins de semana para a chácara com a filha e a esposa. Tenho uma filha e três filhos. Netos são cinco. Gosto de ficar com minha família, mas três filhos moram em Brasília.

Qual a sua religião?
Sou católico praticante. Cada pessoa tem sua crença e eu tenho a minha. Nasci católico, sou católico e nesta religião vou morrer.

Gostaria que o senhor deixasse uma mensagem aos leitores do Jornal do Sudoeste.
A única coisa eu desejo é que a mocidade de hoje viva no caminho certo. Eu tenho meus filhos, graças a Deus nenhum deu trabalho, tudo direitinho. Agora, você vê esta juventude de hoje, quanta coisa errada! Não respeitam pai nem mãe. Eu creio que a pessoa deve respeitar os pais. Dia desses eu fui em uma casa arrumar uma luz e um rapazinho estava maltratando a mãe. Eu quase bati nele de tanta raiva que eu fiquei. Eu falei para ele: “Respeita sua mãe! Mãe só existe uma no mundo!”. Passou uns dias ele encontrou comigo e falou: “Sebastião, o senhor falou aquilo comigo e tinha razão. Eu coloquei a mão na consciência e você está certo, eu vou respeitar minha mãe e meu pai, que eu só tenho pai e mãe uma vez na vida”. É isso, minha mensagem é para a juventude respeitar os pais e viver no caminho certo.