ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 30-06-2021 16:09 | 501
Foto: Reprodução

Lázaro impune
Um amigo meu delegado de polícia costuma dizer que nós brasileiros não  temos educação suficiente para desfrutar com responsabilidade dos inúmeros direitos que temos, dentre os quais um Direito Penal  mínimo que trata criminosos como doentes sociais. Só isto explica a impunidade no país, é claro que ao lado da boa e velha burocracia e ineficácia das instituições governamentais. Responda rapidinho: qual foi a última vez que você foi a uma repartição pública, foi  bem atendido e resolveu rápido seu problema? Pois é.  Com a justiça também é assim, e só assim se explica um criminoso hediondo e sanguinário premiado com penas ridiculamente pequenas e obtendo saída temporária apesar de sua altíssima periculosidade. É claro que não ia voltar para o  presídio da Papuda e é claro que iria voltar a cometer crimes nefandos. Não culpe a polícia. A polícia prende  esses caras. Culpe as leis brandas, o legislador conivente com o discurso idiota que protege criminosos e prende vítimas dentro de casa, culpe o Poder Judiciário que não somente aplica leis, mas as interpreta sempre, ou quase sempre, a favor do criminoso.

Percentuais desanimadores
Poderíamos ter 60% da população vacinável vacinada. Isto porque nem todos os brasileiros podem ser imunizados (menores de doze anos e grávidas, por exemplo, ainda estão fora). Digamos que setenta por cento da população brasileira seja o suficiente  para fugirmos da pandemia de vez, passando a lidar com ela como a uma doença sazonal e rara, como o sarampo, por exemplo. Estamos muito longe disso, começamos tarde, claudicamos, faltam vacinas, falta eficiência no programa vacinal de estados e municípios, estas unidades federadas que o STF disse poderem reger a si próprias dentro do princípio republicano da autonomia dos entes políticos nacionais. Então, que se compartilhe a frustração da vacina tardia com governadores e prefeitos sem impor culpa exclusiva ao presidente da república.

Câmara aprova projeto que dificulta condenação por improbidade (lei da impunidade)
A Lei de Improbidade possui descrições muito amplas de condutas ilícitas. Por isso, foi primeiro relativizada pelos Tribunais com raro acerto, e agora está sendo  modulada pelo Congresso Nacional  para conter esta sua condenável amplitude, gerando insegurança jurídica e causando injustiças no afã saudável mas aqui desmesurado de velar pelo patrimônio público e pela transparência da administração estatal. O ato improbo é  o ato vil, deplorável, asqueroso, em detrimento do erário. Além da definição jurídica, a jurisprudência dominante dos tribunais arrefeceu seus contornos para recomendar que só se vá declarar e condenar por improbidade ao gestor que aja intencionalmente visando agredir o patrimônio público para proveito próprio. É nestas águas que navegará a nova lei  de improbidade, que por isto  nada tem  de “Lei da impunidade”, como vem sendo alardeado na internet a título de chacota.

Em boa hora
A contenção do conceito de ato de improbidade administrativa vem em boa hora. Vivi, por exemplo, processos estranhíssimos, em que bons servidores públicos e políticos bem intencionados foram condenados ou passaram bem  perto disso. Lembro-me,  por exemplo,  de um delegado de trânsito de uma cidade em que trabalhei e que foi processado quando o promotor descobriu que ele não era habilitado, não possuía CNH, e considerou improbo delegado de trânsito inabilitado. Em outro  caso, prefeito que pintou a prefeitura com as cores de seu partido foi declarado improbo e inelegível – mesmo tendo licitado o serviço de pintura. Recordo-me de um vice-prefeito que era médico que atuava pelo próprio município que auxiliava governar e que, por lei, optou por continuar recebendo e trabalhando como  médico  e abriu mão da remuneração  de vice, e mesmo assim foi condenado a devolver dinheiro. Também causou espécie um presidente de câmara de vereadores que recepcionava  raras autoridades que visitavam seu diminuto município com o lanche e o suco que comprava sem licitação da única lanchonete do lugarejo. Ficou inelegível  por oito anos. Estas condutas todas são inexatas, questionáveis? Sim.  Improbas? Claro que não, por isso em boa hora se modifica a lei.

A quem interessa o retrocesso
Juscelino Kubitscheck, o melhor presidente que este país já teve, era de esquerda, muito embora abominasse o socialismo. Depois de cassado pelo governo militar retornou ao Brasil. Fiscais alfandegários acintosamente começaram a revistar sua bagagem em busca de constrangimento e material subversivo. Juscelino, indagado sobre o que transportava em suas malas, respondeu: “Liberdade e democracia”. Foi liberado. Dizem que sou “juiz de direita”. Mentira. Sou conservador, sim, mas queria conviver com uma esquerda como aquela de Juscelino, inteligente, libertária, operosa. Meu Deus, como retrocedemos em qualidade de homens públicos, tanto que começo a perceber que isto não é um fenômeno histórico. É, na verdade, o resultado de nossa falta de educação política.

O  dito pelo não dito.
Costumo voltar atrás sim. Não tenho compromisso com  o erro. “ (Juscelino Kubitscheck de Oliveira,  político e estadista brasileiro).

RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor